Como reduzir a evasão escolar e a defasagem de aprendizagem no Ensino Médio

Publicado por Sinepe/PR em

Busca ativa, acolhimento e tutoria são algumas das estratégias possíveis para enfrentar essas questões, que foram agravadas durante a pandemia

Antes mesmo da ampliação das aulas presenciais, que tem crescido no segundo semestre, redes e escolas já vinham discutindo os principais desafios impostos pela pandemia para o retorno. Além dos desafios estruturais e da defasagem de aprendizagem causada pelas desigualdades raciais e de acesso à internet em 13 meses sem aulas presenciais, a evasão escolar – que já apresentava dados preocupantes em etapas como o Ensino Médio – deve ganhar mais atenção neste momento.

Não há dados que comprovem quanto o abandono escolar pode aumentar, já que isso só deverá ser confirmado após a presença dos alunos nas escolas voltar a ser obrigatória. Mas há indicações por parte de gestores, professores, organizações e autoridades. Na rede pública estadual de Pernambuco, a Secretaria de Educação divulgou dados que apontam para uma média de 4,7%, com o Ensino Médio registrando 3,5%, ou seja, 11,2 mil dos 320 mil matriculados. Recentemente, o secretário estadual de Educação de São Paulo, Rossieli Soares, disse estimar que a evasão escolar chegará a 35% na rede paulista.

Um estudo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), apontou que mais de 5,1 milhões de crianças de 6 a 17 anos ficaram sem frequentar a escola ou receber atividades a distância ao longo de 2020. “Esse número representa um risco de regredir 20 anos no acesso à educação no país”, afirma Júlia Medeiros Netto Ribeiro, oficial de Educação do Unicef no Brasil. Ela aponta que questões socioeconômicas, de gênero e raça são fatores relevantes para se observar em torno do tema.

Segundo Júlia, antes da pandemia, “90% das meninas e meninos que viviam fora da escola eram de famílias com até um salário mínimo per capita”. Se esse valor fosse de meio salário mínimo, o número chegava a 62% deles. “Estamos falando sobretudo de meninas e meninos pretos, pardos e indígenas”, explica.

Um estudo do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) com dados do Ideb, divulgado no final do ano passado, aponta que alunos pretos, ao final dos anos iniciais do Ensino Fundamental (do 1.º ao 5.º ano), têm desempenho escolar menor, equivalente a dois anos a menos de aprendizado do que brancos, na rede pública brasileira. Essa diferença de desempenho é ampliada à medida que aumenta o nível socioeconômico dos estudantes e vai sendo “carregada” até o Ensino Médio.

Tutoria e reforço escolar para mitigar a defasagem
Para trabalhar contra a defasagem de aprendizagem e o abandono, é preciso que redes, gestores e professores considerem a diversidade dos estudantes e compreendam quais podem ser as razões para a evasão. Essa análise acabará englobando desde questões socioeconômicas até a possibilidade de uma inexistência de vínculo do aluno com a escola – pela falta de práticas pedagógicas orientadas para acolher e tratar essa diversidade de forma apropriada. Com base nessa compreensão, gestores e professores podem acordar uma estratégia de implementação de ações afirmativas para mitigar os efeitos da defasagem, endereçar as questões de desigualdade racial e socioeconômica e reforçar os vínculos de crianças e jovens com a escola.

A coordenadora pedagógica do Centro de Ensino em Período Integral Dom Veloso, em Itumbiara (GO), Lilian Durão Nogueira Ferreira, acredita que a implementação do programa de tutoria deva ser uma das apostas. Na prática, cada estudante escolhe um tutor entre os professores que irá acompanhá-lo durante toda sua trajetória acadêmica. “Essa é uma das principais ações que faz com que o aluno sinta vontade de ficar na escola e participar”, conta Lilian.

O colégio também tem um bom engajamento dos estudantes com o projeto de vida, em que é oferecida orientação “para as escolhas, habilidades e competências que ele tem que desenvolver”.

Outro componente que pode ajudar a driblar a defasagem e melhorar o engajamento dos alunos no ensino presencial é investir em um bom ensino híbrido. O estudo “Perda de aprendizagem na pandemia”, realizado pelo Instituto Unibanco em parceria com o Insper, apontou que o modelo pode evitar até 40% das perdas causadas na aprendizagem. Como ações suplementares, o relatório cita iniciativas voltadas para recuperação e aceleração da aprendizagem e otimização do currículo, que poderiam evitar entre 10% e 15% das perdas desde que sejam capazes de elevar a efetividade do ensino híbrido em 50%.

Brenda Vieira, de 18 anos, estudante da rede estadual de São Paulo, ressalta que o diferencial de uma escola é ser acolhedora. Mas, mesmo com esse sentimento, o período da pandemia em casa torna o ensino mais difícil. “No começo, minhas dificuldades foram mais emocionais porque sempre fui muito conectada com a escola, apegada à direção e aos meus professores e do nada precisei parar de ir”, relembra. Depois desse “choque” veio outro, agora financeiro: sua mãe, que é manicure, ficou sem clientes. Sua irmã foi demitida e o irmão havia acabado de começar a trabalhar em uma nova empresa. “Acho que isso afetou muito meu modo de aprender e estudar. Fora que eu não tinha notebook, só o meu celular, que é velhinho. Como a gente faz lição desse jeito?”, questiona a aluna.

Para Júlia Ribeiro, do Unicef, é preciso pensar em políticas públicas que envolvam diferentes áreas (raciais, sociais e econômicas, por exemplo). “Só conseguimos reverter essas questões se tivermos um olhar mais integral para os direitos, uma articulação das mais diferentes áreas para o enfrentamento dos desafios e políticas públicas específicas para o direito de crianças e adolescentes, para além do direito à educação e do financiamento”, afirma.

Desde 2017, o Unicef tem o projeto “Fora da Escola Não Pode”, da campanha Busca Ativa Escolar. O objetivo é unir forças com estados e diferentes atores para evitar o aumento de alunos fora da escola. Rio de Janeiro, Sergipe, Acre e Maranhão são alguns dos estados que aderiram e promovem ações contra a evasão. “Neste momento da pandemia, nós trazemos um complemento para esse mote. Mesmo que a escola esteja funcionando em outros formatos, é necessário lembrar que ela acontece para além do ambiente físico da própria instituição”, explica Júlia.

A busca ativa pode incluir várias estratégias, como envolver os próprios alunos e o grêmio escolar nas ações e divulgar mensagens de incentivo ao retorno às aulas pelos mais diversos meios, como redes sociais, rádios locais, carros de som, folhetos e outros materiais impressos.

Na escola da coordenadora pedagógica Lilian Durão Ferreira, em Goiás, todos participam do trabalho de busca ativa, seja pelas redes sociais, ligações ou mesmo grupos de WhatsApp. “O tutor tem o grupo dele com seus tutorados para fazer acompanhamento, e nós ligamos. Se precisar, vamos à casa do aluno”, conta Lilian. “Buscamos parceria com os que estão presentes para poder resgatar aquele estudante.”

Ela sugere ainda que o primeiro passo das escolas e dos professores seja conhecer o aluno e estar aberto para entender o processo vivenciado por ele. “Ter uma equipe muito alinhada com a proposta de trabalho e, com base nisso, um planejamento bem diversificado e atrativo para o aluno”, indica Lilian.

Ouvir o estudante, segundo a coordenadora, é o que faz a diferença no processo de redução da defasagem e de combate à evasão. “Precisamos ter essa abertura, trabalhar nessa proposta e fazê-los participar, alcançar os resultados de forma que atinjam excelência na educação”, diz Lilian.

Para Brenda Vieira, ser ouvida é essencial. Com a situação financeira difícil em casa, ela precisou trabalhar durante o Ensino Médio e acabou mudando de turno. Ela diz que não sente ter o mesmo acolhimento de antes. “A escola é mais do que um lugar onde você aprende História ou Física, é um lugar onde você aprende a se relacionar com as pessoas, onde pode se sentir seguro, confortável e acolhido”, compartilha a estudante.

O acolhimento, além de ser uma recomendação de Júlia, que trabalha no Unicef no Brasil, deve ser uma ação contínua e com frequência de “escuta cuidadosa”. “Processos diagnósticos também são importantes, e não estou falando de avaliação, mas no sentido de compreender como foram as atividades remotas, as aprendizagens alcançadas”, afirma. É essa escuta que, amplificada e embasada por outras ações e estratégias, pode fazer toda a diferença entre ser parte ou não da escola – e de tudo que ela implica na vida de crianças e jovens.

Por: Nova escola