Faz de conta: conhecimento que se constrói brincando

Publicado por Sinepe/PR em

Passar a tarde brincando de escolinha ou de casinha, ou até propor ao amigo: ‘finge que você é um cachorro e eu sou um gato’. Em tempos presenciais, o Instituto Pró-Saber SP, organização da sociedade civil que funciona na comunidade de Paraisópolis, na capital paulista, tinha crianças brincando por toda parte. “A gente percebe que são oportunidades que elas têm para experimentar e ser um pouquinho de cada coisa. No fundo, toda brincadeira envolve um faz de conta, uma imaginação, uma criação por trás”, diz a coordenadora pedagógica Fernanda Renner. O local tem como eixo estruturante o direito à leitura e ao brincar para contribuir com o fim das desigualdades sociais.

Quando observamos esse cenário cotidiano em casa e nas escolas, identificamos uma certa ‘onipresença’ do faz de conta – mas isso não quer dizer que lidar com a temática é simples. Pelo contrário: se por um lado esses jogos simbólicos envolvem muita espontaneidade por parte dos pequenos, por outro, o professor tem um papel-chave na consolidação dessas brincadeiras. Para saber mais, NOVA ESCOLA ouviu três educadoras em busca de entender a função do faz de conta na Educação Infantil, e as melhores estratégias para conduzir um trabalho pedagógico de qualidade, mesmo em tempos de pandemia.

Antes de focar no faz de conta, é válido traçar um rápido panorama sobre o papel das brincadeiras na formação dos pequenos. “As brincadeiras, no geral, possibilitam que as crianças construam os seus conhecimentos e suas hipóteses, elaborem perguntas e estabeleçam significados para o que ocorre na escola e fora dela”, sintetiza Elaine Lindolfo, formadora de professores na Elos Educacional e professora da EMEB Hygino Baptista de Lima, em São Bernardo do Campo (SP), com 32 anos de atuação na educação pública do município. O faz de conta permite experimentar o mundo cotidiano por meio das brincadeiras. Durante a ação, as crianças mostram o que conhecem, o que não conhecem, suas dúvidas e ideias. O faz de conta envolve todo um jogo dramático. “Nele, as crianças experimentam diferentes papéis ao longo da brincadeira, e com isso, elaboram o pensamento e utilizam-se de linguagens, para enfim demonstrar as coisas que vivenciam, acreditam, e o que gostariam de aprender”, detalha Elaine.

Gisela Wajskop, doutora em Educação, especialista nas relações entre o brincar e a Educação Infantil e idealizadora da Escola do Bairro, explica que por mais que as crianças se inspirem nos seus entornos, não se trata de uma imitação literal da realidade. “Elas não brincam porque veem, elas brincam porque imaginam”, destaca a educadora, “como diria Lev Vygotsky (1896-1934): ‘a brincadeira é uma imagem em ação’. E como as aprendizagens acontecem na prática? A coordenadora Fernanda gosta de exemplificar com o brincar de casinha, tão usual entre os pequenos. “Nessa brincadeira é interessante observar que as crianças buscam reconstruir o cotidiano que vivem em casa, como quando ‘interpretam’ a mãe que está longe, e que as deixa na escola para ir trabalhar”, comenta a profissional do Pró-Saber SP, “então elas pensam ‘agora eu sou a mãe, não sou a filha que tem saudade’. Assim, ao longo da experimentação, entendem essa falta, essa saudade que sentem da mãe, e até compreendem os tempos da rotina dela”.

E por falar em saudade, é fundamental ter em mente o papel do faz de conta nas questões sentimentais da criança. “Ela revela o que pensa, seus sentimentos e emoções quando brinca dessa forma. É um jeito de se expressar”, aponta Fernanda, “e mais do que nunca, é nesse momento que consegue extravasar. Dar espaço e tempo para isso é um jeito de cuidar da sua saúde emocional”.

A observação atenta, o olhar intencional e a escuta respeitosa norteiam a prática docente na Educação Infantil. Por isso, cabe ao professor atuar como mediador das ações e das brincadeiras. “Desse modo o educador possibilita a criação de experiências e de convivências, que permitem que as crianças avancem nos seus processos de aprendizagem e de construção de conhecimento”, ressalta a professora e formadora Elaine. Esse trabalho envolve inúmeras etapas, sendo uma das mais importantes a organização espacial, conforme explica a especialista Gisela. “É papel do professor dar oportunidade para a exploração de objetos, por exemplo. É preciso criar um espaço no qual esse brincar seja possível, com várias estações e ambientes que possam ser explorados e modificados”.

A professora Elaine detalha possíveis caminhos nessa hora. “Dá para organizar uma variedade de opções, e nem precisam ser brinquedos. Kits de cabeleireiro, com pentes, escovas, bobes, presilhas, espelhos, gel, ajudam as crianças a lidar com os diferentes tipos de cabelo e belezas específicas”, explica. Outra alternativa, que sempre funcionou para Elaine, e que ganha novos contornos na pandemia, é o kit médico, com a reprodução de seringas, ampolas, caixas de remédio, avental, luvas, máscaras, jalecos e mesmo cadeirinhas compondo uma sala de recepção, com as crianças e bebês (bonecas) de colo simulando a espera pelo atendimento. As fantasias também alimentam o faz de conta – e não apenas as tradicionais e estruturadas, como as de reis e princesas. “Lá no Pró-Saber SP, oferecemos tecidos, panos para fazer amarração, e acessórios não tão estruturados para que a criança possa criar”, comenta a coordenadora Fernanda.

Por: Nova Escola