Coordenação pedagógica: Educação Infantil de qualidade depende de formação continuada em brincadeiras

Publicado por Sinepe/PR em

Quem não é da área pensa que as crianças pequenas, longe das exigências do ensino fundamental, tiveram menos prejuízos com o fechamento das escolas em consequência da pandemia. Só que os primeiros anos de vida são determinantes para o desenvolvimento, acendendo um alerta: isoladas dentro de casa, as crianças deixaram de interagir e de conviver em ambientes preparados para favorecer a aprendizagem. Na rotina da Educação Infantil, cada vez mais se valoriza o papel ativo de bebês e de crianças pequenas, que conhecem o mundo e aprendem por meio de explorações e interações – algo que encontra espaço nas brincadeiras. Seja em época de distanciamento social ou de atividades presenciais, a formação continuada e as reflexões sobre o tema não podem parar.

Desde as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), de 2009, as interações e a brincadeira são eixos estruturantes do currículo. Na BNCC dessa etapa, o brincar é um dos direitos de aprendizagem, por isso, já faz tempo que ele se tornou fundamental nas práticas pedagógicas. Diante desse cenário a distância, a intencionalidade e a qualidade das propostas na Educação Infantil são desafiadas. “Muitas das questões pedagógicas ligadas ao brincar estavam estritamente vinculadas ao ambiente presencial”, destaca Alessandra Giriboni de Oliveira, coordenadora pedagógica na EMEB Bernardo Pedroso, em São Bernardo do Campo (SP). “Quando planejávamos brincadeiras ligadas à imaginação, por exemplo, era pensando no trabalho coletivo, pois muitos autores ressaltam a potência que elas têm para estimular a conexão entre as crianças”, explica.

Não poder contar com a socialização, tão característica dessa faixa etária, dificulta ainda mais o planejamento de professores e formadores. Se já era crucial formar equipes escolares aptas a trabalhar com brincadeiras no espaço escolar, como consolidar um trabalho com brincadeiras remotas, e de quebra, construir uma parceria com as famílias nesse processo? Afinal, se na Educação Infantil, um adulto acompanha o processo de aprendizagem por meio de brincadeiras, dentro de casa os familiares, quando muito, seguem as sugestões enviadas pela escola. Além disso, as condições de acesso às tecnologias nem sempre são favoráveis, inserindo mais um nó nesse cenário. Para entender melhor os desafios da formação para o brincar na Educação Infantil, NOVA ESCOLA conversou com três educadoras de escolas públicas – uma formadora, uma coordenadora e uma professora – com ampla atuação nessa área.

A importância do brincar na Educação Infantil
“O brincar é essencial para o desenvolvimento físico e mental de toda criança”, explica Guacyara Labonia Guerreiro, coordenadora pedagógica da OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) Mais Diferenças – Educação e Cultura Inclusivas, formadora na área de brincadeiras inclusivas. “As brincadeiras são uma das formas de se apropriar do mundo que a cerca.” Segundo a formadora, essa apropriação ocorre por muitas formas, como por meio da fantasia, da imaginação, do criar… a criança vai rompendo os limites existentes e experimentando.

A coordenadora Alessandra atenta para um ponto significativo: “Bebês e crianças bem pequenas têm um brincar diferente das crianças pequenas, a partir de 4 anos. Com os bebês, o trabalho é mais voltado à exploração de objetos e ao brincar interativo com o adulto que está cuidando”. Conforme a criança vai se desenvolvendo, entra no campo da brincadeira simbólica – que explora a imaginação e precisa de regras estabelecidas para que aconteça. “Aí, já entrou em um mundo mais representativo: se conhece o que o médico faz, pode querer ser um médico na brincadeira”, explica. O psicólogo Lev Vygotsky (1896-1934) já dizia que, brincando, ‘a criança se torna aquilo que ela ainda não é’ e isso fica evidente nos jogos de faz de conta.

Quando um educador forra chão e paredes de uma sala com papel kraft, disponibiliza pedaços de carvão e deixa as crianças experimentarem livremente, vai perceber interações com os materiais e movimentos diversos, expressões, criação, parcerias, alegria e sujeira. São muitas as possibilidades de brincar e descobrir, por isso a oferta de tempo, materiais e espaço na escola pressupõe variedade e versatilidade. Guacyara aponta ganhos de desenvolvimento: linguagens, expressão, criatividade, coordenação motora, pensamento espacial… A lista de habilidades é tão longa quanto a de possíveis atividades para se propor em sala. Há inúmeros jeitos de brincar: brincar de fazer arte, brincar de faz de conta e brincar de construção são apenas alguns tópicos que detalharemos nas próximas reportagens de maio no site de NOVA ESCOLA, ao longo dessa Trilha de Brincadeiras.

Qual o papel e a atuação do professor no incentivo ao brincar?
Eliane Regina da Rosa Bergui, professora no CEI Miosótis em Joinville (SC), entende, e muito, de brincadeiras. O projeto Jurassic Art, desenvolvido por ela e pela equipe da escola, proporcionou aos pequenos uma exploração lúdica com direito a procurar dinossauros e escavar fósseis, tornando-se finalista do Prêmio Educador Nota 10 de 2019. “O professor tem papel fundamental na hora de incentivar a brincadeira”, explica a educadora, “principalmente porque a criança quer mostrar o que está fazendo. Cabe ao professor incentivar a criatividade, a imaginação, e mesmo observar a demonstração de sentimentos que surge naquele momento”.

A formadora Guacyara também destaca esse papel-chave. “São necessárias mediações que vão fazer a criança pensar e ajudá-la no processo de desenvolvimento. E a verdadeira mediação é prestar atenção no que a criança diz e ajudá-la a encontrar sentido justamente no que estiver dizendo – não há certo e nem errado”, observa ela. Para que um professor seja capaz de realizar essas mediações qualificadas, é necessário que a escola invista em formações. “Acredito que, principalmente depois da BNCC, a maioria das escolas de educação infantil já tenha um PPP (Projeto Político-Pedagógico) com aporte teórico forte em relação ao brincar, então cabe aos coordenadores investirem e incentivarem formações nessa área”, salienta a coordenadora Alessandra.

Ambas concordam que a base de toda e qualquer formação qualificada em brincadeiras é a observação. “O professor precisa pensar na observação em sala de aula. O que está acontecendo com a criança? Brincando com muitos ou poucos? O que ela gosta de brincar?”, diz Guacyara. Alessandra acrescenta que, após essa análise inicial das brincadeiras e dos interesses do alunos, “é preciso aprofundar essas observações e trazer um referencial teórico para ampliar os conhecimentos dos professores, que pode ser discutido em HTPC”.

Brincadeiras em tempos de distanciamento social
Se a questão das brincadeiras na Educação Infantil envolve tantas variáveis por si só, as restrições causadas pela pandemia tornam as coisas ainda mais complexas. Como garantir um mínimo de aprendizagem por meio de brincadeiras em casa? “Realmente, os professores precisaram se reinventar, e descobriu-se que a comunicação que mais se chega às famílias é o WhatsApp”, detalha Guacyara. “Tornou-se importante pensar em estratégias como reuniões frequentes com os familiares, e até mesmo a divisão em grupos menores de pais para facilitar o atendimento”, nota ela. A coordenadora Alessandra comenta que, em sua escola, a questão da observação das crianças brincando segue essencial. “Temos trabalhado com as fotos e os vídeos enviados pelas famílias. Analisando o material, identificamos o que as crianças estavam tentando descobrir naquele momento. A partir disso nascem as nossas propostas”, explica.

E quais são os melhores materiais e elementos para se pensar em brincadeiras nessa hora? “A equipe da escola em que trabalho sempre procurou discutir: ‘será que eles vão ter esse objeto ou produto em casa? Que tal trocar esse objeto por outro?’”, relembra Eliane, que tentou sugerir elementos da natureza em todas as suas propostas. Deu certo. “Usamos muitas pedrinhas, folhas, tintas naturais, areia e sucata. E as crianças foram brincando, criando desenhos e formas tridimensionais. Claro que nem todos retornaram, e que no presencial dá para explorar bem mais materiais.” O principal, segundo Guacyara, é recorrer a itens que todos tenham em casa ou ainda coisas que não se compra, como pensar atividades que explorem a posição do vento na janela, por exemplo. Entram em cena recursos acessíveis como cabanas com panos e lençóis, bolas de meia e painéis com pedaços de caixa de papelão.

É válido privilegiar brincadeiras que a criança possa fazer e que gerem um registro para o educador (foto, áudio ou vídeo), mas, acima de tudo, é preciso construir uma interação bem-sucedida com as famílias. “É realmente necessário um trabalho de conscientização: os pais precisam saber o que é uma brincadeira e que se aprende com isso, e que vale a pena disponibilizar panelas e escumadeiras para a criança brincar”, resume Guacyara. Ela diz que é fundamental reforçar a importância de o responsável abrir o celular e mostrar a professora para a criança, e enviar, sempre que possível, um retorno relatando se a atividade funcionou. Embora difícil, o período teve seu lado positivo: a aproximação das famílias com a escola e, principalmente, o tempo dedicado aos pequenos. “Foi bem emocionante receber os vídeos e fotos encaminhados pelos pais, com as crianças realizando essas brincadeiras com a família, algo que nem sempre faziam”, conta a professora catarinense.

Por: Nova Escola