Crise na Capes, que já perdeu 39% dos investimentos, ameaça pós-graduação no Brasil

Publicado por Sinepe/PR em

Pesquisadores criticam liminar que suspendeu avaliações da instituição; Ministério Público Federal, na ação, argumentou que os cursos não tinham tempo para se adequar às alterações dos critérios usados

Uma decisão judicial que em tese buscava favorecer os cursos de pós-graduação acabou por provocar protestos e preocupação na comunidade acadêmica com o trabalho da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que já sofre com reduções seguidas de orçamento desde 2017. O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro conseguiu suspender as avaliações periódicas da instituição, alegando que as mudanças dos critérios adotados prejudicavam os cursos examinados, mas reitores e especialistas da área criticaram a decisão.

A suspensão foi determinada anteontem por uma liminar da Justiça Federal do Rio de Janeiro. O Ministério Público Federal, na ação, argumentou que os cursos não tinham tempo para se adequar às alterações dos critérios usados nas avaliações da Capes, responsável pelos programas de pós-graduação no país. De acordo com os procuradores, “o acesso aos recursos públicos federais é distorcido pela má avaliação dos programas de pós-graduação. A Capes surpreende as instituições de ensino, avalia seus programas com critérios imprevisíveis, aplicados retroativamente, e com isso causa enormes prejuízos a muitos deles”.

No entanto, entidades da área temem que a medida possa causar confusão na concessão de benefícios e distribuição de verbas e a consideram uma intervenção injustificada. Eles lembram que nos últimos anos houve uma queda de 39% do orçamento previsto da instituição. Foram R$ 4,9 bilhões em 2017 e cerca de R$ 3 bilhões neste ano.

“Retomada urgente”
A Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior defendeu ontem a “retomada urgente” da avaliação da Capes. Os reitores argumentam que “inexiste a imprevisibilidade nos critérios de avaliação, conforme argumentado, tendo em vista que as mudanças em cada ciclo avaliativo são pontuais e amplamente discutidas com a comunidade científica brasileira”.

A Associação Nacional de Pós-graduandos também criticou a suspensão. A presidente da entidade, Flávia Calé, afirma que o modelo atual de avaliação incorporou avanços, como um critério do impacto social das pesquisas.

— As mudanças foram amplamente respaldadas pela comunidade acadêmica. A avaliação impacta na distribuição do fomento, nas discussões e no que se projeta para os programas — critica Calé. — Essa redução de orçamento persistente na área de ciência e tecnologia é muito grave. Precisamos fazer uma discussão sobre reajuste de bolsa, porque estamos há oito anos sem isso.
A presidente da Capes, Cláudia Toledo, disse que pediu a “imediata reunião dos elementos necessários” para os esclarecimentos e a defesa dos interesses “da comunidade científica que terá seus programas de pós-graduação avaliado”, ao ser informada da suspensão.
— Reitero o compromisso da atual gestão de se conferir à Avaliação Quadrienal 2017-2020 a estabilidade, segurança e a isenção necessárias aos trabalhos — acrescentou Cláudia.

O tamanho do trabalho
De 2017 a 2020, a Capes avaliou 4.526 programas de pós-graduação. Os conceitos vão de 1 a 7 para programas com mestrado e doutorado. No caso de programas só com mestrado, a nota máxima é 5. Um programa de mestrado deve ter nota mínima 3. No caso do doutorado, a nota exigida é 4.

A Capes concedeu em 2020 95.116 bolsas de pós-graduação. O número é ligeiramente menor do que os 101.372 benefícios dados em 2017. Atualmente, o valor pago para um bolsista de mestrado é de R$ 1,5 mil, e para o doutorado, de R$ 2,2 mil. Embora a decisão judicial determine a suspensão das avaliações, a Capes afirma que adotará as últimas notas obtidas pelos programas para conceder os benefícios até que os exames em andamento terminem.

O ex-ministro da Educação e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, argumenta que a avaliação não determina a aprovação com parâmetros rígidos:
— A avaliação é uma comparação, não se pode definir previamente os valores que qualificam o curso. Só é possível comparar quando se está praticamente no final do período avaliativo. O preocupante é que pessoas que não entendem do assunto estão atrasando um processo importante para a academia brasileira.

Para o ex-ministro, se a decisão for mantida, a consequência será “o fim” da pós-graduação no Brasil.

— Deixaria de haver critério comparativo, e com isso a pós-graduação brasileira desaparece. A avaliação da Capes faz com que a pós-graduação seja o único nível de ensino no Brasil que tem nível internacional. São pares que avaliam, geralmente os melhores professores de cada área, e com isso estimulam o programa a melhorar — explica o presidente da SBPC.

Presidente da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, Roseli Fígaro reconhece que há uma reivindicação por critérios mais estáveis, mas ressalva que “o ajuste do método à realidade” faz parte da prática de pesquisa.

Para Roseli, “seria mais lógico e econômico” cumprir o que foi feito até agora, com as regras que valeram até 2020 e o material que foi coletado, e em 2022 realizar outra rodada de discussões para que sejam estabelecidos critérios definitivos para o próximo quadriênio.

— Queremos ser avaliados por regras objetivas, para que possamos mostrar para a sociedade o que fazemos. Mas não podemos ser pegos de surpresa e ser desacreditados pelo trabalho já realizado — defende.

A liminar saiu no mesmo dia em que foi solucionada uma disputa interna na Capes, com a eleição de 18 representantes para o Conselho Técnico Científico . Todos já integravam o colegiado anterior, em que havia outros dois integrantes, que abriram mão da sua vaga. O conselho é formado por representantes de três grandes colégios: da Vida, de Humanidades e de Exatas, que abrangem no total 49 áreas de avaliação.

Risco eliminado
A medida foi tomada para regularizar o número de conselheiros. Na semana passada, a presidente da Capes, Cláudia Toledo, dissolveu a composição do colegiado porque o número de 20 integrantes estava acima do estabelecido pelo estatuto interno. A quantidade foi determinada por uma portaria em 2018, mas foi criticada por também impactar as avaliações dos programas de pós-graduação. Integrantes divulgaram carta em que alertavam que a mudança na composição poderia motivar muitos recursos e processos questionando decisões do grupo.

A forma da mudança não deixou de ser criticada por Roseli, embora a professora tenha ficado satisfeita com o resultado final.

— Graças ao bom senso das áreas a eleição ocorreu e foram reconduzidos 18 dos antigos integrantes — diz a professora, para quem a manutenção dos 20 nomes causaria uma “instabilidade muito grande”.

Por: O Globo