O Ministério Público e o necessário retorno às aulas presenciais em meio à pandemia

Publicado por Sinepe/PR em

Murillo José Digiácomo, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná (murilojd@mppr.mp.br)

Em que pese a questão do retorno às aulas presenciais em meio à pandemia de Coronavírus seja altamente polêmica, complexa e delicada (razão pela qual natural a existência de posições divergentes), diante da situação hoje vivenciada por milhões de crianças e adolescentes paranaenses e brasileiras, necessário efetuar algumas ponderações acerca da forma como o Ministério Público deve atuar para assegurar, com a maior celeridade possível, o restabelecimento do pleno exercício desse direito fundamental que vem sendo àquelas negado, como veremos, de forma absolutamente injustificável.

Antes de mais nada, é preciso lembrar que a Lei n.º 8.069/90, com base no art. 227, caput da Constituição Federal e na Convenção da ONU Sobre os Direitos da Criança, de 1989, estabelece já em seu art. 1.º a promessa de “proteção integral” a todas as crianças e adolescentes, o que importa na busca da plena efetivação – com a mais “absoluta prioridade” de todos os direitos fundamentais assegurados pelo art. 4.º, caput do mesmo Diploma Legal (também referidos no citado art. 227, caput, de nossa Lei Maior), dentre os quais, logicamente, se incluem os direitos à saúde e à educação2 .

Desnecessário dizer que, por força do disposto nos arts. 127 e 129, também de nossa Carta Magna, cabe ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito, por parte do Poder Público, em todas as esferas, dos direitos assegurados pela Lei e pela Constituição Federal – sobretudo aqueles que têm como titulares crianças e adolescentes 3 , que são por natureza, indisponíveis.

As aludidas disposições constitucionais são complementadas pelo contido nos arts. 201, 208, caput e incisos I a V, 210 a 212 e 216, todos da Lei n.º 8.069/90, bem como no art. 5.º, caput, da Lei n.º 9.394/96, que instituem o verdadeiro “poder-dever” do Ministério Público não apenas de tomar as providências necessárias a assegurar a oferta regular do ensino, mas também, se preciso for, buscar a responsabilização, nas esferas civil, administrativa e mesmo criminal dos gestores omissos em cumprir suas obrigações respectivas (4) .

Diante da clareza solar do quadro normativo, fica difícil entender como, no atual cenário em que nos encontramos, em que a oferta regular do ensino obrigatório vem sendo sistematicamente negada pelo Poder Público, notadamente em âmbito municipal e estadual, a milhões de crianças e adolescentes paranaenses brasileiros, que providências concretas não tenham sido e/ou estejam sendo tomadas para o retorno imediato das aulas presenciais, que como todos bem sabemos, foram interrompidas em março do corrente (há mais de seis meses, portanto), em decorrência da pandemia.

Se é verdade que, em algum momento no passado recente, houve de fato a necessidade de interrupção das aulas presenciais, é também certo que essa providência extrema, na imensa maioria dos municípios, não mais se justifica, desde que sejam tomadas as devidas cautelas sanitárias, como melhor veremos adiante.

Faço expressa menção aos “municípios” pois a análise da viabilidade da retomada das aulas presenciais deve ser efetuada município a município5 , tomando por base os índices de contágio e outros fatores que devem ser estabelecidos pelas autoridades sanitárias, em parceria com as educacionais (e se necessário cobrados junto a estas).

Se de um lado é até razoável que em um determinado município que se encontre em situação considerada “crítica”, face os critérios estabelecidos pelas autoridades sanitárias, as aulas presenciais permaneçam suspensas, juntamente com todas as demais atividades consideradas “essenciais” (ou seja, quando constatada a necessidade de instituir o chamado “lockdown”), por outro é absolutamente ilógico, irracional e injustificável que essa suspensão ocorra de forma generalizada e “ad eternum”, abrangendo municípios que registram poucos casos e/ou taxas de contágio (por exemplo), e que já tiveram “liberadas” a realização das “atividades essenciais”.

Interessante observar, a propósito, que é motivo de especial perplexidade o fato de a retomada das aulas presenciais não ter sido autorizada sequer em municípios que já liberaram a realização de atividades consideradas “não essenciais”.

Na prática, com essa inconcebível postura adotada pelos governantes Brasil afora (em franca contradição com o que, como visto, prevê o ordenamento jurídico vigente), conseguimos a “proeza” de colocar a educação num patamar abaixo das atividades consideradas “não essenciais”…

Evidente que esse absurdo não pode prevalecer, pois se até mesmo as atividades consideradas “não essenciais” estão autorizadas na maioria dos municípios, qual é a justificativa para que não haja o retorno às aulas presenciais?

Alguns dirão que isto se deve ao “elevado risco de contágio”, tanto das próprias crianças/adolescentes, quanto de seus pais/responsáveis, muitos dos quais pertencentes a “grupos de risco”, e que o direito à saúde deve “preponderar” em relação ao direito à educação.

Com o devido respeito, nada mais falacioso.

E digo isto não em relação a uma suposta “preponderância” de um direito em relação a outro, mas sim diante da constatação de que é perfeitamente possível conciliar o exercício de ambos, com a adoção de algumas cautelas sanitárias básicas, além da orientação dos alunos e seus pais/responsável (que, por sinal, também faz parte do processo pedagógico – e será útil até mesmo fora do ambiente escolar).

Ademais, independentemente do retorno às aulas presenciais, o fato é que, de uma forma ou de outra, todos já estão expostos ao vírus, só que, no caso das crianças/ adolescentes, a pura e simples negativa do exercício regular do direito à educação está causando outros gravames à sua saúde (inclusive mental), além de aumentar os índices de evasão escolar, a exposição à violência doméstica e a toda uma sorte de perigos e violações de direitos (além, é claro, do próprio direito à educação) inerentes à falta de atividades pedagógicas.

Na verdade, todo o “cardápio” de “violências” relacionado no art. 4.º, da Lei nº 13.431/2017 (que dispõe sobre este tema), está sendo “servido” às crianças e adolescentes que se encontram fora da escola, inclusive a “violência institucional”, decorrente da omissão do Poder Público em oferecer o ensino presencial regular, que logicamente não pode ser praticada com o “aval” ou a “complacência” do Ministério Público.

Desde que observados os protocolos sanitários, as crianças/adolescentes por certo estarão muito mais seguras nas escolas do que onde estão hoje – até porque não estão (espera-se, aliás, que não estejam) “trancadas em casa”, mas também nas ruas, convivendo com outras crianças/adolescentes e adultos, nem sempre em ambientes sadios e/ou adequados ao seu desenvolvimento.

E na medida em que os próprios pais/responsáveis estão também retornando ao trabalho presencial, a situação dessas crianças/adolescentes, sobretudo aquelas oriundas de camadas menos favorecidas da população, irá se agravar.

E os prejuízos decorrentes do não oferecimento do ensino presencial terão um maior impacto também sobre estas, notadamente as que frequentam (ou frequentavam) as séries iniciais do ensino fundamental, justamente aquelas sob responsabilidade dos municípios, muitos dos quais não têm estrutura alguma para oferta de uma alternativa pedagógica minimamente razoável (sendo certo que a oferta do “ensino à distância”, em especial nas séries iniciais do ensino fundamental, e com ênfase ainda maior junto a crianças em processo de alfabetização, simplesmente não é viável, notadamente sem que haja uma participação direta, efetiva e sistemática dos pais/responsável 6).

Com efeito, em que pese os louváveis esforços de muitos professores e Sistemas de Ensino no sentido de oferecer aulas “à distância”, via “on line” ou por outras mídias, não resta a menor dúvida que o aproveitamento, por parte desses alunos (e isto é válido para todos os ciclos da educação básica – ao menos na imensa maioria dos casos), é no mínimo sofrível, comprometendo sobremaneira a aprendizagem e ampliando os índices de evasão escolar, sem mencionar os prejuízos relativos à saúde mental, sociabilidade, identificação de casos de violência intrafamiliar e tudo o mais relacionado à infrequência prolongada à escola…

Desnecessário dizer que tal situação é absolutamente intolerável e insustentável, pois o “estrago” que está sendo feito Paraná e Brasil afora é incomensurável, e vai afetar – como já está afetando – toda uma geração de alunos, com altíssimos custos sociais e econômicos e reflexos nefastos por toda Nação Brasileira.

De uma forma ou de outra, queiramos ou não, gostemos ou não, vamos ter que aprender a conviver (e por muito tempo) com a Covid, como aliás já convivemos – e continuamos convivendo – com outras doenças igualmente contagiosas, como foi o caso (recente) da Gripe H1N1 (cuja letalidade era muito maior que a da Covid – e que não levou à perda de um único dia letivo sequer), da tuberculose, do sarampo etc…

Negar a educação presencial de forma sistemática, e sem a oferta de uma alternativa viável, chega às raias da insanidade (além de um verdadeiro crime de “Lesa Pátria”), e se até era compreensível no início da pandemia, em que havia uma verdadeira “histeria coletiva”, com parte da grande mídia (de forma até mesmo irresponsável) criando um clima de “pânico/terror” junto à população e aos gestores, isso agora não mais se justifica – ao menos na imensa maioria dos municípios paranaenses e brasileiros, que já se encontram com índices reduzidos de contágio e já liberaram tanto as atividades consideradas “essenciais” quanto as “não essenciais”.

A negativa de um direito a pretexto de preservar outro, além de falaciosa, como visto, não é compatível com a “Doutrina da Proteção Integral” adotada pelo Direito Positivo Brasileiro, sendo um lamentável resquício do “menorismo” que ainda se encontra impregnado em parte dos agentes públicos, e que já deveria ter sido sepultada em definitivo, ao menos, desde o advento da Lei n.º 8.069/90 (ou seja, há mais de 30 anos).

Como dito acima, é preciso conciliar, de forma racional e responsável, o exercício dos direitos à saúde e à educação, cabendo ao Ministério Público cobrar junto aos gestores de ambas as políticas, tanto em nível municipal quanto estadual, a definição do aludido protocolo sanitário a ser seguido pelas escolas, município por município, a começar por aqueles que apresentam baixos índices de contágio e/ou que já liberaram as atividades consideradas “essenciais” (até porque, como dito, não podemos aceitar que a educação não seja enquadrada em tal categoria e/ou – pior – seja colocada em posição de inferioridade em relação até mesmo às atividades “não essenciais”).

Nem é o caso de uma “liberação indiscriminada” (e irresponsável) do retorno às aulas presenciais, e nem de impedir, pura e simplesmente, que as escolas (públicas ou particulares) que cumprem os protocolos sanitários possam retomar tais atividades.

É isso que está ocorrendo mundo afora e, mesmo no Brasil, a retomada das atividades presenciais em todos os segmentos se intensifica a cada dia, tendo recentemente se verificado, inclusive, no âmbito do Ministério Público do Estado do Paraná.

Diante desse quadro, como justificar que as escolas não retomem – de imediato – as aulas presenciais? Como explicar às crianças/adolescentes (que, por sinal, deveriam ser ouvidas a respeito do que pensam sobre a situação7 ) e a seus pais/responsável (que se encontram inconformados – e mesmo desesperados diante do fato de verem seus filhos privados da escola e/ou de não terem com quem deixá-los quando vão trabalhar – ou procurar emprego8 ), que todos – inclusive o Ministério Público – estão retornando às atividades presenciais, mas que as escolas devem permanecer fechadas?

Por qualquer ângulo que se analise a matéria, é absolutamente ilógico permitir que a educação seja a “última” das atividades a ser liberada, não havendo qualquer justificativa de ordem técnica – e muito menos jurídica – para tanto.

Além de zelar pelo efetivo respeito ao ordenamento jurídico e aos direitos indisponíveis de crianças e adolescentes (como é o caso do pleno exercício do direito à educação), o Ministério Público precisa ser coerente com o que faz no âmbito da própria Instituição, e reconhecer o caráter (mais que) “essencial” da oferta regular do ensino presencial, cuja retomada deve ocorrer (ou ao menos ser autorizada) com a maior celeridade possível, de forma planejada e responsável, a partir do momento em que os protocolos sanitários sejam cumpridos pelas escolas, notadamente nos municípios que registram baixos índices de contágio pelo Coronavírus.

E essa retomada das atividades presenciais, logicamente, deve ocorrer sem prejuízo da manutenção da oferta do ensino “à distância” (inclusive por meio de outras metodologias de ensino além das hoje utilizadas) para aqueles que, por qualquer razão (notadamente por pertencerem eles próprios – ou tiverem familiares pertencentes – a grupos de risco), não tiverem condições ou não quiserem participar das aulas presenciais.

Com efeito, o retorno das aulas presenciais não exclui a necessidade de manutenção do ensino “à distância”, sendo certo que ambas metodologias não apenas devem coexistir, ao menos pelo período em que durar a pandemia (e esta pode ainda se estender por muito tempo, até porque mesmo que tenhamos uma vacina eficiente, ela muito provavelmente só estará disponível em larga escala em meados do próximo ano), mas devem ser aperfeiçoadas para que possam se complementar nos anos que virão (especialmente para realização de atividades extracurriculares e de reforço escolar).

É também possível que, num determinado momento, no futuro, tenhamos que retroceder, e voltar a interromper – temporariamente – as aulas presenciais (como já ocorreu em outros países), mas é fundamental que isso ocorra apenas quando realmente for necessário, caso a caso, município a município, juntamente com o fechamento de todas as demais “atividades essenciais”, e não de forma “genérica”, indiscriminada, isolada e sem critério algum, como hoje se vê.

Cabe ao Ministério Público, enfim, exigir que o Poder Público, tanto em nível municipal quanto estadual, faça exatamente o que está fazendo no âmbito da própria Instituição, de modo que seja implementado – em caráter de “urgência urgentíssima” – um “protocolo sanitário” a ser cumprido pelas escolas, com a autorização da retomada das atividades – caso a caso -, na medida em que essas exigências forem observadas.

E como a educação, sem a menor sombra de dúvida, constitui-se numa “atividade (mais que) essencial”, somente seria o caso de impedir a retomada das aulas presenciais naqueles municípios em que fosse decretada a paralisação de todas as atividades assim consideradas (ou seja, diante da necessidade de instituir o chamado “lockdown”), em razão da comprovada presença, no município, de elevados índices de contágio ou outros fatores relevantes, do ponto de vista sanitário, que justifiquem plenamente essa restrição (que como qualquer restrição imposta ao exercício de um direito fundamental, também deve se estender pelo menor período de tempo possível).

Essa cobrança deve ser efetuada também em caráter de urgência, em âmbito estadual e município a município, sendo certo que muitos dos protocolos acima referidos já foram elaborados por alguns estados/municípios (assim como por outros países – e mesmo pela ONU/UNICEF/UNESCO) e encontram-se disponíveis na internet, bastando sua efetiva implementação localmente, escola por escola.

Nada justifica que a omissão do Poder Público em assim proceder perdure, assim como não podemos admitir que a educação continue a ser tratada como algo “supérfluo” e/ou “não essencial” (ou pior – ainda menos relevante que o “não essencial”).

Mais do que indiscutivelmente “essencial” ao futuro das crianças (e como dito são as menores, em fase de alfabetização, as que estão sofrendo mais com a paralisação das aulas), a oferta de uma educação regular e de qualidade (que, como visto acima, o Ministério Público tem o dever institucional de zelar seja oferecida pelo Poder Público) é também essencial ao futuro do Brasil…

Se ficarmos esperando passivamente uma decisão dos gestores – notadamente os responsáveis pela educação e saúde (ainda mais quando em alguns casos estes estão sendo – ou se sentindo – “ameaçados”, caso a retomada das aulas presenciais acarrete o aumento do número de casos de Covid), fatalmente daremos margem para que a situação absurda em hoje nos encontramos se arraste por muitos meses adiante (até porque, na maioria dos casos, ainda não há sequer notícia da elaboração de qualquer planejamento ou estratégia para retomada das aulas presenciais), e para que os prejuízos que as crianças/adolescentes hoje vêm sofrendo se agravem ainda mais.

A verdade é que muitos desses gestores (sobretudo em âmbito municipal, considerando que este é um ano de eleição) não querem assumir o “ônus” da retomada das aulas presenciais, até porque muitos estão com “medo” do Ministério Público e da opinião pública, e sob sua ótica, é melhor “deixar as coisas como estão” e aguardar que alguém lhes diga quando isso deve ocorrer, pois deste modo, imaginam que não poderão ser responsabilizados pelo que vier a ocorrer – quando o correto, como visto acima, é que fossem responsabilizados justamente pela negativa sistemática – e à esta altura absolutamente injustificável (ao menos na maioria dos municípios) – do direito à educação.

Já passou da hora de as aulas presenciais retornarem (ao menos nos municípios que já autorizaram o retorno das demais “atividades essenciais”), devendo-se exigir tão somente que o aludido “protocolo sanitário” seja seguido pelas escolas9 , com a previsão do uso de máscaras em tempo integral, higienização frequente, distanciamento e diminuição no número de alunos por sala (eventualmente intercalando os dias/horários), medição de temperatura, orientação a professores, alunos e seus pais/ responsável, monitoramento de casos e tudo o mais que as autoridades sanitárias entenderem adequado (como, aliás, se está fazendo no âmbito do próprio Ministério Público).

E isto, como dito, sem prejuízo da manutenção da oferta de aulas “à distância” para aqueles que não tiverem condições de frequentar a escola, e da possibilidade de suspensão das aulas quando, por razões sanitárias, seja também decretado o chamado “lockdown”, com a suspensão das demais atividades consideradas “essenciais”.

Assim sendo, de modo a ser fiel a seus deveres institucionais e coerente com o que está fazendo no âmbito da própria Instituição, cabe ao Ministério Público buscar, junto aos gestores públicos competentes, o já referido equilíbrio entre os direitos à educação e saúde, com a imediata implementação, tanto em nível estadual quanto municipal, de uma sistemática racional que permita o retorno das aulas presenciais e que, a pretexto de “proteger” um direito, não viole – ou coloque em seríssimo risco – todos os demais (como aliás, tal qual acima referido, o mundo inteiro está fazendo – vez que a imensa maioria dos países já autorizou o retorno das aulas presenciais10).

É claro que não é possível garantir, com “100% de certeza”, que não haverá casos de Covid nas escolas, assim como não podemos garantir que não haverá casos de H1N1, tuberculose, sarampo, catapora e outras doenças infectocontagiosas com as quais há muito já convivemos, mas isto não pode servir de pretexto para que as aulas presenciais não sejam retomadas – com a maior celeridade possível e de forma responsável, após a tomada das cautelas anteriormente referidas -, até porque além de não ser possível garantir que as crianças/adolescentes não serão contaminadas mesmo sem frequentar as aulas, essa “garantia absoluta” talvez jamais venha a existir, e como dito, teremos de aprender a conviver com a doença por ainda muito tempo.

Não há dúvida, no entanto, que uma vez respeitados os “protocolos sanitários” já mencionados, os riscos de contágio, seja pelo Coronavírus, seja pelas demais doenças, serão reduzidos a níveis mínimos, e as crianças/adolescentes, que felizmente já são naturalmente menos propensas a sofrerem complicações decorrentes da Covid, como dito acima estarão muito mais seguras no ambiente escolar do que em muitos dos espaços que hoje se veem obrigadas a frequentar.

Mais do que perfeitamente possível e compatível com as normas aplicáveis em matéria de infância e juventude, educação e saúde, o imediato retorno às aulas presenciais mostra-se imprescindível, e exige uma ação institucional firme, corajosa e resoluta, destinada a romper a inércia do Poder Público em relação à matéria e à correção das distorções conceituais e práticas que, pela sistemática que vem sendo atualmente adotada em âmbito estadual e municipal, tantos prejuízos têm causado às crianças e adolescentes paranaenses e brasileiras.

E não resta dúvida que o Ministério Público – a partir de uma ação coordenada (em nível estadual e mesmo nacional) entre as Promotorias da Educação, Saúde e Infância e Juventude – não se furtará em exercê-la, com o zelo, a coragem e a altivez que sempre marcaram sua história.

Afinal, como se costuma dizer, “lugar de criança é na escola”, e o Ministério Público não pode admitir que o regular exercício desse direito fundamental continue sendo negado de forma sistemática, indiscriminada, irresponsável – e mesmo criminosa – como hoje vem ocorrendo.

2 – O direito à educação tem sua oferta ainda regulamentada pelo art. 205 e seguintes, da Constituição Federal e pela Lei n.º 9.394/96 – a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
3 – Sendo neste aspecto as disposições constitucionais complementadas pelo contido no art. 201, da Lei n.º 8.069/90.
4 – Sendo o art. 5.º, §4.º, da Lei n.º 9.394/96 expresso ao estabelecer que: “comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade” (destaquei).
5 – Cuja preponderância decisória em relação às demais esferas de governo foi reconhecida pelo STF.
6 – Com o que, em boa parte dos casos, pelas mais variadas razões (inclusive decorrentes da falta de capacidade/preparo – ou mesmo escolaridade – deles próprios), não se pode contar.
7 – É isso, aliás, que diz não apenas o ordenamento jurídico brasileiro, mas também o art. 12, da Convenção da ONU sobre o Direitos da Criança, de 1989, embora continuemos a negar-lhes sistematicamente esse “direito de voz”, na vã suposição (também típica da prática “menorista”) que “sabemos o que é melhor para elas”, ainda que com isso elas não concordem.
8 – Sem mencionar aqueles que pura e simplesmente se viram forçados a largar seus empregos para ficar com seus filhos, e que hoje vivem (ou melhor, sobrevivem) à custa do (minguado) auxílio governamental.
9 – O que exige seu adequado aparelhamento, o treinamento dos educadores e outras ações/investimentos, extensivas ao transporte escolar e às atividades extracurriculares e/ou realizadas fora do ambiente escolar.
10 – Reconhecendo a importância destas e sem que isto tenha necessariamente acarretado o aumento dos casos de Covid, especialmente quando respeitados os protocolos sanitários.