Educação Infantil: como observar e registrar o desenvolvimento das crianças

Publicado por Sinepe/PR em

Educadoras e especialistas apontam boas práticas e instrumentos de avaliação para garantir o direito dos pequenos à aprendizagem

A Educação Infantil tem uma série de particularidades, e uma delas é a forma de realizar a avaliação das crianças. Diferentemente das outras etapas de ensino, nas quais há provas, trabalhos e notas, o ato de avaliar bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas se dá por meio da observação de suas conquistas diante das diversas situações intencionalmente propostas pelos professores.

No dia a dia, enquanto os pequenos brincam e realizam as atividades, os professores devem observar e analisar o modo como interagem, se expressam e se relacionam, a fim de coletar pistas a respeito da aprendizagem e do desenvolvimento.

“A criança apresenta seus aprendizados por meio da ação”, afirma Maéle Avila, mestre em Educação e criadora do Centro de Formação Baú da Pré-Escola. “Quando a criança brinca, ela traz muito do repertório que já tem e também do conhecimento que adquiriu na escola. É fundamental o olhar do professor em todos os momentos, da hora em que a criança chega até a hora que ela vai embora, e para todas as suas atitudes.”

Juliana Viana, professora de crianças de cinco anos na EMEI Angelino Pigatto, em Paulínia (SP), conta que, ao propor uma atividade para sua turma, observa atentamente a forma como cada um reage. “Seja verbalmente ou por meio do comportamento de querer fazer, de pedir para repetir ou de rejeitar aquilo. Eu tento observar que retorno as crianças me dão.”

A BNCC e a avaliação na Educação Infantil

Nessa etapa de ensino, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) propõe seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Cada um deles – conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se – representa uma ação, e é dever da escola proporcionar aos bebês e crianças experiências que permitam o seu desenvolvimento nesses aspectos.

“Por meio da observação da ação, ou seja, da avaliação, a gente vai vendo se realmente esses direitos estão sendo garantidos no dia a dia”, pontua Maéle. “Será que no dia de hoje eu garanti que a criança brincasse ou se expressasse, por exemplo? Essa é uma reflexão que o professor tem de fazer diariamente, e é uma avaliação tanto da ação da criança quanto uma autoavaliação do seu planejamento e da sua prática como professor”, ressalta.

Além de apontar os direitos dos bebês e crianças nessa etapa de ensino, a BNCC também traz objetivos de aprendizagem para cada faixa etária. Essas habilidades são responsáveis não apenas por nortear o planejamento dos professores, mas também por guiar a forma como eles devem realizar a avaliação.

“Quando eu olho para a BNCC, os objetivos de aprendizagem são um grande indicador do que a gente tem de fazer para avaliar, porque ali está o que se espera das crianças de cada idade”, comenta Claudete Bellon, professora de crianças de dois anos na EMEI Vovó Helena Sossai, em Venda Nova do Imigrante (ES).

“Existem objetivos a serem atingidos, e no meu planejamento eu tenho ciência deles. À medida que as coisas vão acontecendo na sala, eu sempre dialogo com esses objetivos, avaliando se eles estão sendo atingidos e se estão além ou aquém [do esperado]”, explica Claudete.

Níveis de aprendizagem e desenvolvimento diversos

Embora a BNCC traga os objetivos a serem alcançados em cada faixa etária, é essencial que os professores não os utilizem para criar uma espécie de personagem modelo do que seria uma criança ideal, gerando comparações indevidas. Tais objetivos estão muito mais atrelados ao que o professor deve propor de vivências do que metas a serem alcançadas pelas crianças.

“Existe uma expectativa para cada faixa etária que se configura na sistematização dos objetivos da BNCC. Mas, no cotidiano, a gente não necessariamente consegue enquadrar as crianças neles”, considera Darjela Cima, assessora pedagógica de Educação Infantil na rede municipal de Educação de Novo Hamburgo (RS).

“Cada criança é única. Eu posso ter uma criança que parece não ter atingido os objetivos que estariam lá na BNCC, mas, se eu olhar para ela especificamente, do início do ano até o final do semestre ou do ano, vou ver o avanço e o desenvolvimento dela. Temos, sim, algumas pistas que vão dizendo o que é próprio de cada faixa etária, mas cada criança tem o seu tempo”, completa.

O papel do educador é garantir uma variedade de situações considerando os campos de experiência e analisar na avaliação se as estratégias foram as mais adequadas, com foco na potencialidade que todas as crianças têm para aprender.

Avaliação individual e contínua

Claudete, que atua em uma turma com 11 crianças, diz que tem 11 situações “totalmente diferentes” dentro de sala de aula. “Eu tenho todos os níveis de desenvolvimento, oralidade, socialização, coordenação, autonomia e controle do próprio corpo.” Por isso, explica, não estabelece comparações entre as crianças, mas as observa conforme os marcos de desenvolvimento para cada etapa.

Essas observações são importantes para compreender cada criança no que se refere aos marcos de cada etapa e analisar como está sendo esse desenvolvimento. Juliana conta que observa também aspectos como socialização, coordenação motora e linguagem verbal, sempre pensando no que é esperado para a faixa etária. “Às vezes eu verifico que alguma criança tem uma dificuldade mais acentuada para pronunciar alguns fonemas, daí a gente conversa com a família para ver um possível encaminhamento para um fonoaudiólogo”, exemplifica a professora. Ela reforça a importância de avaliar o desenvolvimento das crianças de forma contínua e individual.

Quando a avaliação se torna individualizada, o professor é capaz de analisar o crescimento de cada aluno, evitando comparações. Dessa forma, é possível acolher a diversidade da turma atendendo às necessidades particulares de cada criança.

Evidências de aprendizagem na Educação Infantil

No dia a dia, esse olhar atento dos professores para a individualidade de cada aluno se reflete na observação de ações, falas, olhares, gestos, escolhas, interesses e interações com o espaço, com os objetos e com as outras pessoas. Mas a avaliação só se torna concreta quando considera o desenvolvimento de cada criança ao longo do tempo, e isso só é possível por meio de registros. “A coleta contínua de registros do cotidiano das crianças vai ajudar o professor a conhecer melhor cada uma delas”, afirma Darjela.

Vládia Freire, mestra em Educação e supervisora educacional da rede municipal de Educação de Campina Grande (PB), orienta os professores a planejar a avaliação previamente para ter intencionalidade na observação. “Elaborar perguntas-guias para a observação é bom para nortear o que o professor deseja avaliar. Mas é importante que sejam perguntas investigativas (de que forma, como), que ofereçam evidências dos modos como cada criança aprende.”

A maneira como o professor vai registrar as evidências de aprendizado também deve entrar no planejamento. Ele deverá escolher os registros que podem lhe dar mais informações sobre as crianças, como fotografias, filmagens, áudios, anotações e portfólios. “Depende do que ele quer analisar: são as expressões, as falas ou o ambiente? Tudo isso faz parte de um planejamento intencional bem elaborado”, salienta Vládia.

A documentação vai apoiar o professor a dar visibilidade a esse processo de aprendizagem da criança. “A ideia da avaliação na Educação Infantil é tornar a aprendizagem visível, e isso só é possível por meio da documentação, dos registros e, principalmente, da observação atenta do professor”, complementa Maéle.

Diferentes formas de registro

No dia a dia, Juliana utiliza muito os registros fotográficos e também o caderno de observações, no qual anota atitudes das crianças que se destacam, seja uma dificuldade ou uma nova habilidade adquirida. Já Claudete usa, além de registros fotográficos, áudios gravados durante as atividades, guardando as falas das crianças.

Depois da coleta desses registros, é importante que eles sejam organizados de alguma forma, seja em relatórios, narrativas ou panfletos, e apresentados para as famílias. Nessa etapa, é essencial manter a individualidade de cada criança. Como elas se desenvolvem em ritmos particulares e são observadas pelos professores em seus desafios e potencialidades próprios, isso precisa aparecer nos relatos.

“A família precisa enxergar seu filho naquele texto. Eu sempre digo para o professor se colocar no lugar da família. Quando o pai ler esse documento, ele vai enxergar o filho dele? Ou, se mudar o nome da criança de José para João, tanto faz?”, instiga Maéle.

A forma que Claudete encontrou para consolidar os registros foram as narrativas do cotidiano. A professora constrói histórias a partir do que aconteceu em sala de aula, revelando as falas e atitudes das crianças. Acompanhadas de imagens, essas narrativas são expostas no mural da escola. “É o meu jeito de dizer para as famílias como as coisas aconteceram.”

Avaliação das crianças e autoavaliação dos professores

Quando estão revisitando os registros para consolidarem os relatórios, os professores acabam entrando também em um processo de autoavaliação. “Além das narrativas me servirem para ver o que a criança está aprendendo, elas também são uma forma de direcionamento para onde eu posso ir”, comenta Claudete.

Rever as anotações serve também para repensar o planejamento. “Se uma proposta não é apreciada pela maior parte da turma, significa que a professora precisa revê-la. Da mesma forma, se as crianças se envolvem bastante com uma atividade e pedem para repeti-la, então precisamos procurar ofertá-la mais, de maneiras diferentes”, considera Juliana.

Claudete exemplifica uma situação de autoavaliação que aconteceu junto com a avaliação das crianças. Em determinada atividade, ela levou galhos para as crianças manusearem, mas acabou levando junto algumas pedras, que passaram despercebidas por ela – mas não pelas crianças. As pedras atraíram muito mais a atenção dos pequenos, que ficaram vários dias interessados nelas, analisando cores, formatos, sons e movimentos.

“Se eu não prestasse atenção nesse fato, teria deixado passar algo que é do interesse deles. Às vezes, a gente tem uma expectativa e a devolutiva das crianças é algo muito maior”, diz a professora.

Por isso, Claudete acredita que avaliar na Educação Infantil deve ser uma atitude muito desprendida de oferecer um parecer fechado da criança e dissociada de expectativas rígidas quanto ao retorno delas. “Como eu avalio os meus alunos todos os dias? Tendo essa sensibilidade de observar aquilo que eles vão me dizendo, qual é o caminho que eles querem e como eles aprendem”, conclui.

Envolvendo as crianças na avaliação

Embora a avaliação na Educação Infantil seja muito marcada pela observação e pelos registros dos professores, é importante também adotar algumas práticas para ampliar o protagonismo das crianças, inclusive no que se refere a sua avaliação.

Um exemplo é a solução encontrada pela professora Viviane Heck, que atua com crianças de um e dois anos na EMEI Alecrim, em Novo Hamburgo (RS). Sua principal forma de registro avaliativo são as mini-histórias, nas quais narra as atividades executadas pelas próprias crianças – de forma similar às narrativas citadas por Claudete.

Viviane tem o costume de organizar as crianças em roda para contar essas mini-histórias para elas, coletando mais evidências avaliativas. “Nesse momento, as crianças ouvem, confirmam o que viveram e, por vezes, acrescentam novos detalhes que haviam passado despercebidos”, explica. Para a professora, esse formato torna as vivências mais significativas, já que coloca os alunos no centro tanto das histórias quanto do processo avaliativo.

Outro exemplo é o que Juliana chama de “roda da conversa final”. Sempre que possível, alguns minutos antes de terminar a aula, a professora reúne os pequenos em roda e relembra tudo o que foi feito no dia, perguntando de quais atividades eles mais gostaram e se têm ideias de novas propostas.

“Enquanto a gente está desenvolvendo uma proposta, nem sempre é possível ouvir o que as crianças manifestam, verbalmente ou de outras formas. Mas, sentada com elas e as fazendo retomar o que foi vivido, muitas coisas surgem”, relata Juliana. “Às vezes, algumas crianças que não falaram na hora da proposta se sentem confortáveis para se expressarem nesse momento. E elas se sentem importantes nesse processo, ao perceberem que a professora quer saber se elas gostaram ou não [de determinada atividade] e se têm alguma ideia do que pode melhorar.”

Por: Nova Escola