Como ensinar a estudar?

Publicado por Sinepe/PR em

Oferecer recursos para favorecer a aprendizagem do aluno potencializa sua autonomia como estudante e seu papel de cidadão

Para que os alunos consigam desenvolver uma aprendizagem significativa e tenham autonomia para investigar, ampliar e buscar novos conhecimentos, o professor tem o importante papel de ensinar a estudar – o que vai muito além da orientação para prestar atenção nas aulas e garantir momentos de estudo em casa.

Nesse contexto, muitos docentes têm buscado recursos para ajudar a sistematizar o conhecimento dos estudantes, compartilhando ferramentas e ensinando a estudar. Walkiria Rigolon, doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e assessora pedagógica em programas de formação continuada de professores, explica que essa é justamente uma das funções sociais da escola.

“Se considerarmos que é preciso garantir emancipação [e conhecimento] a todos aqueles que passam pela instituição, é necessário oferecer um processo de ensino que intencionalmente promova situações de aprendizagem e desenvolvimento capazes de ampliar o grau de autonomia dos estudantes”, diz.

Ensinar a estudar e o contexto pós-pandemia
Ensinar a estudar sempre foi importante. No entanto, com a pandemia de Covid-19 e os novos modelos de aulas com os quais professores e estudantes tiveram de lidar, esta se tornou uma prática ainda mais desafiadora. Aline Mendes, bióloga, pedagoga e mestra no ensino de Ciências, argumenta que materiais e estratégias de estudo [sem a presença do professor] precisaram ser utilizados, mas não garantiram que os alunos desenvolvessem as aprendizagens necessárias, conforme indicam pesquisas sobre o período.

A nota técnica Impactos da pandemia na alfabetização de crianças, do Todos Pela Educação, mostrou que, entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de seis e sete anos de idade que, segundo seus responsáveis, não sabiam ler e escrever.

Como os estudantes – ou boa parte deles – não tinham acesso direto às intervenções e ao processo de ensino realizado pelo professor, as defasagens se acentuaram, o que provocou um grande acúmulo de habilidades a serem trabalhadas. No entanto, ao ensinar o estudante a estudar, buscar informação, pesquisar e anotar, o docente pode focar as habilidades prioritárias e planejar situações de estudo, em grupos ou individualmente, para que os alunos avancem para habilidades mais amplas.

“O papel do professor é essencial ao compartilhar e vivenciar com a turma diferentes caminhos e estratégias de estudo”, reforça Aline. Quando se ensina a estudar, espera-se que o aluno reconheça os melhores meios para o seu perfil e consiga estabelecer uma rotina de estudos – algo que dialoga com algumas competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Segundo Walkiria, um primeiro movimento nesse contexto, relacionado à competência geral 1 (Conhecimento) da BNCC, é o de auxiliar crianças e jovens que passam pelas escolas a criar um vínculo afetivo e positivo com o próprio conhecimento.

“Fazemos isso valorizando o potencial e a capacidade de aprender dessas pessoas, que precisam se entender como produtores de conhecimento, e não meros consumidores de informação”, ressalta. A assessora pedagógica afirma que tanto os processos quanto os procedimentos de estudo se relacionam a todas as competências gerais da BNCC não apenas no desenvolvimento do pensamento crítico, científico e criativo, mas também no campo da cultura digital, da capacidade de argumentação, no autoconhecimento e na responsabilidade de cidadania e de cooperação.

Procedimentos de estudo

E de quais recursos estamos falando quando se trata de ensinar a estudar? Walkiria diz que ajudar os estudantes a desenvolver a capacidade de ativar conhecimentos prévios envolve uma série de ações. Entre elas, estão instigar a curiosidade crítica; estabelecer relações; analisar, comparar e traçar hipóteses; refletir sobre diferentes campos de conhecimento; sintetizar ideias; generalizar os saberes adquiridos; contextualizá-los de diferentes formas e aprender a pesquisar realizando curadoria de informações e selecionando fontes seguras.

Reduzindo esses métodos a procedimentos ainda mais práticos, a assessora pedagógica destaca a necessidade do desenvolvimento da capacidade de ler e escrever. “São métodos básicos, como grifos, anotações, resumos, esquemas, fichamentos, resenhas, paráfrases, notas de rodapé, sinopses, relatos de experiência e outros”, enumera.

Porém ela acredita que a escola trata disso como se fosse algo inato, sem a necessidade de ser ensinado. “Isso está presente nos comentários de que os estudantes não gostam, não querem e não se interessam em estudar. A pergunta inicial deveria ser se eles aprenderam a estudar, o que é papel de todos os componentes de ensino”, completa.

A pedagoga Aline lembra de outra dificuldade desse contexto, que é a influência que os alunos de hoje recebem do mundo digital. “É difícil concorrer com tanto entretenimento, mas esse debate precisa estar na sala de aula ao buscar as diferentes estratégias de estudo. Quando eles são desafiados a avaliar e validar informações podem, desenvolver o pensamento científico, crítico e criativo.”

Para exemplificar, ela cita possíveis atividades, como curadorias de conteúdo na internet e de livros, jornais e revistas e debates sobre o uso de ferramentas de inteligência artificial, como o ChatGPT, que tratem de limites éticos e responsáveis, em que os alunos possam construir seus próprios argumentos. “[Nesses exercícios], os estudantes desenvolvem autonomia para reconhecer o que é benéfico para suas práticas de estudo”, avalia Aline.

Ferramentas para avançar na aprendizagem

Aline Mendes, bióloga, pedagoga e mestra no ensino de Ciências, lista algumas estratégias que favorecem a autonomia dos alunos nos estudos

Rotinas de pensamento
O professor pode estimular o estudante ou o grupo com um conjunto de perguntas sobre determinado tema, incentivando a reflexão e dando visibilidade às ideias e aos conhecimentos dos alunos.

Roteiros de pesquisa
Os estudantes partem de uma pergunta e, junto com o educador, traçam objetivos e justificativas, definem a metodologia que vão utilizar para obter as informações e estabelecem um cronograma.

Mapas conceituais
A ferramenta contribui para que o aluno entenda a ideia central de um conteúdo e os conceitos que têm relação com ele, estabelecendo conexões.

Murais colaborativos virtuais ou físicos
Os alunos publicam suas dúvidas e outros colegas ajudam a solucioná-las.

Resumos e fichamentos
Essas estratégias ensinam o aluno a sistematizar informações (resumo) e interpretá-las segundo seu próprio repertório (fichamento).

Resolução de situações-problema
É possível aplicar em qualquer componente curricular a partir de uma problemática apresentada pelo professor, levantando questões para a turma responder.

Uso de metodologias ativas
Por fim, e de maneira geral, o educador deve guiar suas propostas (estudo de caso, sala de aula invertida, projetos) instruindo os estudantes sobre a intencionalidade das atividades e os colocando no centro do processo de ensino e aprendizagem.

Estímulo ao protagonismo dos estudantes
Em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo (SP), Rita Araújo leciona disciplinas eletivas de Projeto de Vida e Tecnologia na EE Professora Isabel Lucci de Oliveira, que abriga turmas do 6.º ano do Ensino Fundamental até o 3.º ano do Ensino Médio. Nos encontros com os alunos, além de seguir as demandas específicas e curriculares, ela reforça a orientação sobre o aprendizado.

A professora e orientadora entende que o papel do educador nesse contexto é refletir constantemente sobre seu trabalho e se perguntar: há uma maneira melhor de explicar e apresentar o conteúdo para a turma? “Cada estudante é único, então não pense que todos aprenderão com a mesma estratégia. Mas o ato de ensinar a estudar é a base, o início de tudo, algo que deveria ser ensinado antes de despejar informações e comandos para o aluno”, comenta. “Como esperar que ele faça um resumo estruturado ou um mapa mental com informações mais relevantes e claras, se não foi dedicado tempo para ensiná-lo sobre as características de cada método?”, questiona.

Por outro lado, a pedagoga Aline acredita que há avanços acontecendo nesse cenário. “Muitos professores estão repensando as suas práticas e envolvendo os estudantes nas aulas, estimulando o protagonismo”, observa. “Ainda assim, a [continuidade] da formação docente é essencial. Redes, escolas e gestores podem oferecer momentos formativos que envolvam os educadores nessas temáticas, inclusive vivenciando essas práticas”, sugere.

Rita conta que a escola onde trabalha tem estimulado o aluno a participar de maneira ativa durante o processo de ensino e aprendizagem, inclusive questionando-o sobre a estratégia de estudo com a qual tem mais afinidade.

Práticas de linguagem em contexto de estudo
Também docente na EE Professora Isabel Lucci de Oliveira, Ana Reis leciona Língua Portuguesa para os Anos Finais do Ensino Fundamental e o 1.º ano do Ensino Médio. Ela destaca que o componente requer um trabalho dedicado a compreensão, interpretação e composição de textos, sejam eles orais ou escritos, o que contribui para o desenvolvimento do aprendizado nos outros componentes curriculares. “Observamos vários aspectos da língua, desde a escolha do léxico, os efeitos de sentido, as questões gramaticais e as variedades linguísticas.”

Ela relata uma atividade realizada a partir da leitura do livro A face oculta: uma história de bullying e cyberbullying, de Maria Tereza Maldonado, que envolveu leitura compartilhada, tarefas de resolução de situações-problema, rotina de pensamento e pesquisa.

“Eles tiveram a oportunidade de debater e refletir sobre o tema, que é recorrente na atualidade, e, ao término da leitura, produziram um artigo de opinião. Com isso, elaboraram uma tese e apresentaram argumentos e propostas de intervenção para situações de bullying”, descreve. “Como resultado, identifiquei avanços na escrita e na fluência leitora. O comportamento com os colegas e o comprometimento em sala de aula também melhoraram.”

Rita, por sua vez, lembra que incorporar essas estratégias não precisa ser algo restrito à Língua Portuguesa: “Na minha época, a Matemática, por exemplo, foi apresentada com os números devidamente colocados em suas ordens, fossem unidades, dezenas, centenas. Foi dito que deveríamos copiar igualzinho ao que estava na lousa”, relata. “Mas isso não é o suficiente, sabemos que há inúmeras formas de se aprender. [O primeiro passo] é apresentar ao estudante uma ou mais estratégias, como os mapas mentais, que facilitam a compreensão da teoria e a relação desse conhecimento construído com a prática”, explica.

Desenvolvimento das habilidades no currículo
Walkiria defende que os procedimentos de estudo deveriam ser contemplados de forma sistemática não só nas matrizes curriculares, mas nos Projetos Políticos-Pedagógicos das escolas, nos planos anuais, nas rotinas semanais e assim por diante, tornando-se atividade permanente ao longo de todo percurso de escolaridade.

“Precisamos entender que não existe cidadania plena e emancipação sem conhecimento. As escolas poderiam incluir no planejamento escolar o ensino de, pelo menos, dois procedimentos de estudo por ano. Assim, quando chegassem ao 3.º ano, os estudantes, especialmente os da rede pública, estariam no Ensino Médio com mais autonomia para se prepararem para o vestibular, investirem em cursos, seguirem suas trajetórias acadêmicas e no mercado de trabalho”, argumenta a assessora pedagógica.

Esses procedimentos de estudo, segundo Walkiria, poderiam ser definidos nos projetos didático-pedagógicos das escolas, com mais ênfase no trabalho com a leitura e nos diversos procedimentos de estudo que precisam ser ensinados e envolvem gêneros escritos (anotação, resumo, fichamento, mapa conceitual, esquemas diversos, nota de rodapé). Também poderiam envolver gêneros orais, como exposição oral, entrevistas, debates com regras, relatos de experiência, participação em assembleias, seminários, mesas-redondas e outros.

Ela acredita que o trabalho com pesquisa também é um campo que demanda o desenvolvimento de diferentes métodos de estudo e permite aplicar atividades significativas para os estudantes, com procedimentos que têm função sociocultural na prática. “[Aprendendo todos esses processos], os alunos garantem mais repertório e se tornam capazes de exercer a luta pelos seus direitos e por uma sociedade mais justa e menos desigual”, conclui.

Por: Nova Escola