Por que a aprendizagem criativa vai além do uso de tecnologia

Publicado por Sinepe/PR em

Trabalho com tecnologias digitais é importante, mas desenvolvimento da criatividade pode ser alcançado com propostas envolvendo abordagens alternativas, trabalho por projetos, E artes em suas diversas formas

É verdade que, quando se fala em aprendizagem criativa, muita gente faz uma associação direta com o uso de tecnologia ou o desenvolvimento de produtos a partir de atividades que contam com etapas online. Entretanto, a abordagem pedagógica defende a criação de ambientes educacionais mais criativos, lúdicos e relevantes, o que pode ser desenvolvido sem qualquer componente digital.

Abordar a metodologia por esse olhar ‘offline’ pode apoiar escolas que não têm acesso à internet ou contam com conexão insuficiente. “Queremos que os estudantes deixem de ser apenas consumidores de tecnologia para que possam ser também produtores. Além disso, a tecnologia digital é superimportante porque é algo que está no nosso dia a dia hoje, mas quando falamos de aprendizagem criativa, estamos falando do desenvolvimento da criatividade, da autonomia do estudante e do protagonismo, e isso não se desenvolve só no meio digital”, afirma Elio Santos, professor do departamento de física da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e gestor de projeto do Programa Ação Criativa da RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa).

Segundo o educador, o segredo está em propostas mão na massa, que permitam que os estudantes se expressem usando diversos recursos, e na autonomia, para que crianças e jovens consigam desenvolver seus projetos, colaborar uns com os outros e ter prazer no que estão fazendo.

As muitas abordagens
Trabalho por projetos, desenvolvimento de um protótipo, produção de um desenho, elaboração de um poema. Essas são apenas algumas das maneiras de trabalhar a aprendizagem criativa, não sendo necessário, portanto, limitar-se ao uso de inúmeros materiais para a confecção de um produto.

Elio cita o exemplo da arte, campo vasto, para demonstrar como a aprendizagem criativa pode ser abordada de formas alternativas. No teatro, é interessante que além de encenar um roteiro pronto, os estudantes possam participar da elaboração desse texto e que sejam responsáveis pela confecção do figurino e dos cenários.

Já no trabalho com o texto, é possível incentivar a criação de poesias durante slam ou sarau na escola, ou mesmo a produção de músicas. O rap, por sua vez, demanda criatividade para criação de estrofes, ritmo e rimas.

Ao trabalhar com moda, é interessante que os alunos tenham acesso a uma máquina de costura para suas criações. Todas essas propostas têm em comum o incentivo à criatividade, mesmo sem usar a tecnologia para isso.

Incentivar o trabalho colaborativo e apresentar aos estudantes problemas ‘do mundo real’, para que proponham e pensem juntos em soluções são outras situações que oferecem a liberdade de pensamento e criação.

Benefícios do uso de metodologias ativas
Ao passo que um ensino mais tradicional possibilita o desenvolvimento, principalmente, de habilidades como ouvir, ler, observar imagens e assistir filmes, Elio comenta que os tempos atuais demandam outras competências que são possíveis de serem desenvolvidas pelas metodologias ativas. Não é necessário, por exemplo, decorar a tabela periódica já que o conteúdo está disponível na internet.

“A metodologia ativa amplia o leque de aprendizagem porque engloba a ideia do fazer, como a realização de experiências, a produção de algo real, e com isso há o desenvolvimento de habilidades do mundo concreto.”

Além de conceder mais autonomia e, com isso, ser mais fácil de centrar o ensino nos estudantes, as metodologias ativas conversam mais com as novas necessidades do mundo: pessoas curiosas e interessadas, que saibam fazer pesquisas e resolver conflitos, que busquem soluções para problemas que ainda não existem, que trabalhem em equipe e sejam autônomas. “É por isso que incentivamos o despertar da curiosidade, que vai fazer com que o estudante se envolva mais com o assunto e traga outros olhares, faça boas perguntas e, com isso, caminhe para uma solução.”

Criatividade que desata nós
É possível juntar matemática, trabalhos manuais e artísticos, empreendedorismo, competências socioemocionais e meio ambiente, tudo isso conectado à aprendizagem criativa? Janair de Melo, diretora do CJCC Senhor do Bonfim (Centro Juvenil de Ciência e Cultura), na Bahia, prova que sim com o projeto Nós na Fita.

A educadora comenta que a iniciativa visa valorizar o uso de semestres da flora regional, incentivar a produção de renda dando ênfase ao empreendedorismo, discutir empoderamento feminino e, ainda, fazer uma analogia sobre os nós que precisam ser desatados ao longo da vida de cada um. O projeto, realizado com estudantes do 9.º ano do ensino fundamental até jovens do 3.º ano do ensino médio, acontece nas oficinas de linguagens matemáticas e clube da leitura itinerante do CJCC, bem como em eventos e mostras culturais.

“A atividade mão na massa é introduzida com alguns questionamentos sobre fragmentos de textos expostos em Tumblr (plataforma de blog) de como podemos desamarrar os nós que nos prendem e que nos limitam. A proposta segue com o contexto da valorização da arte e das sementes ofertadas pela flora regional, e é finalizada com a construção de um chaveiro: uma cestinha de nós em cordão para guardar a semente selecionada. São abordadas dicas de como empreender diversificando com criatividade e inovação para ampliar a renda”, explica Janair.

O projeto trabalha conceitos matemáticos como noções de eixo x e y, lateralidade e espacialidade, posição vertical e horizontal em coordenadas geográficas, formação geométrica da construção da rede que envolve a semente, entre outros. Já no tema socioemocional, os estudantes partem da pergunta geradora: Quantos nós você já precisou ‘Dar’ ou ‘Desatar’ em sua vida?, bem como de textos reflexivos sobre a temática das emoções, discutindo a liberdade e autonomia de dar e desatar os nós. Os jovens são incentivados a aprender a lidar com as emoções, entendendo suas habilidades e se tornando mais confiantes.

Todo o processo incentiva a criatividade, desde pensar novas formas e configurações para a criação do chaveiro até a confecção de outros objetos a partir da técnica ensinada.

Arte e criatividade construindo pontes
E quando a criatividade serve de ponte para conectar estudantes de diferentes realidades? Esse é o caso dos alunos de José Anchieta, professor de filosofia da escola estadual Itiro Muto, em São Paulo.

Considerando sua experiência enquanto jurado do projeto Slam Mossoró e participação em saraus da prefeitura de São Paulo, José criou uma disciplina eletiva de Slam para estudantes do ensino médio. Tudo isso conectado à abertura para desenvolvimento de projetos na escola de São Paulo deu origem à iniciativa. Os estudantes foram apresentados à definição de Slam e foram estimulados a escrever e declamar suas poesias.

O projeto, entretanto, teve um diferencial. Por contar com grande número de alunos estrangeiros vindos da Venezuela, a declamação de poemas também serviu como conexão entre os jovens. A turma contou com a participação de Catalina Salazar, representante chilena da ONG Social Hip Hop Chile e United Network of Young Peacebuilders na região da América Latina e Caribe e Carlos Guerra “Mossoró”, criador do Slam Mossoró RN e professor titular da Universidade de Rondônia.

“Para que os estudantes pudessem interagir melhor com a língua espanhola, tivemos a presença do aluno do 4.º ano Darwin Javier Ruiz Mejias, da Venezuela. No início, ele ficou muito tímido e depois foi se soltando. Tivemos a participação de 50 estudantes, além de professores dos 5.°s e 4.ºs anos”, comenta José.

Para o professor, as atividades estimularam alguns estudantes a expressar suas ideias e suas poesias. O próprio estudante Darwin foi traduzindo algumas palavras e ajudando no decorrer da atividade. “A questão [do uso] da língua espanhola deixou alguns estudantes mais confortáveis e acolhidos. Em alguns casos essa aproximação foi bem interessante devido a familiaridade com o idioma”, finaliza.

Por: Porvir