Professora usa dados de erros e acertos de Messi para ensinar matemática

Publicado por Sinepe/PR em

Gols do jogador argentino inspiram discussões e geram hipóteses sobre como adversários podem tentar pará-lo dentro de campo

Um jogador de futebol como Lionel Messi pode ajudar nas aulas de matemática? O que pode ajudar os nossos estudantes a compreender melhor o mundo que vivemos? Eu atuo como professora de matemática há 17 anos, sempre com muito foco na matemática pura, que era o que me atraía mais.

Porém, comecei a observar que essa matemática não chamava a atenção de todos os estudantes. As taxas de aprendizagem também dizem isso e logo percebi a necessidade de explorar outras formas de ensinar matemática. O estudo sobre mentalidades matemáticas me encantou e percebi que essa abordagem poderia melhorar minha prática pedagógica. Desde que iniciei minha prática com mentalidades matemáticas, tenho olhado para diversas facetas da matemática. Uma delas, em especial, me possibilita um olhar interdisciplinar: os dados.

Neste último bimestre, fiz uma atividade que avaliava os dados de desempenho do jogador argentino de futebol Lionel Messi. Foi interessante porque o aluno que mais participou da aula foi um que, até então, eu quase não ouvia a voz. Ele começou a falar e expressar bastante conhecimento. Eu perguntei se ele jogava futebol, ao que respondeu que não, apenas videogame.

E tudo bem. A atividade que adotei tinha uma trave desenhada com alguns pontos laranja, que representavam os locais no campo de onde Messi marcava seus gols, e outros pontos azuis, que foram as bolas que não entraram. A partir desses dados, eles começaram a observar o desempenho do jogador, criando hipóteses de onde ele era melhor ou errava mais. “Ele erra muito, mas é persistente porque sempre ouvimos falar tão bem!”, eles comentavam em sala.

A atividade foi uma forma de compreender, além da questão da importância do erro, como os dados podem ser importantes. Eles sempre traziam a questão de onde o técnico de futebol poderia aproveitar melhor o jogador, onde os adversários poderiam se planejar para armar a defesa, ou como pensar em estratégias para se defender do jogador.

Esse aluno que mencionei acima reparou que o jogador argentino acertou mais no canto direito, por ser canhoto.

Então trabalhamos, com isso, a noção de lateralidade. Desse jeito, os dados de acertos e erros do Messi contribuíram para que os estudantes pudessem entender um aspecto matemático, mas de forma visual e por meio de uma prática conhecida, como é o caso do futebol.

Eu retirei essa atividade, chama de Conversas sobre Dados Estatísticas de Futebol (disponível em PDF nesta galeria), da plataforma Youcubed. Começamos a trabalhá-la um pouco depois da turma ter visto probabilidade, logo no começo dos conceitos de estatística. Eles ficaram buscando a relação entre esses conteúdos. De início, tentavam achar respostas exatas, estranhavam quando não havia, e logo começaram a discutir e apresentar ideias, mesmo que timidamente.

Trabalhar com dados é uma opção que me permite integrar diferentes saberes, de áreas distintas. Atualmente, a quantidade de informações que jovens e adolescentes recebem é muito alta, ainda mais quando comparamos com uma realidade de 10 anos atrás. Isso requer ainda mais cuidado no estudo de ciência de dados.

Essa área foi deixada de lado por muito tempo, e a interpretação de dados agora é uma dificuldade dos nossos estudantes. Às vezes, é cobrado demais que saibam álgebra e geometria, mas pouco sobre dados. Todo cidadão precisa saber interpretá-los porque o no dia a dia vivemos sob o risco de fake news. E como interpretar os dados? Sem ciência de dados, não conseguimos ter uma cidadania plena, nem a capacidade de interpretar situações ao nosso redor.

Nós tivemos um exemplo significativo agora com a pandemia. Foram apresentados muitos gráficos e tabelas com diversas informações. Dados de mortes, dados de vacinação e muita gente tinha dificuldade de entender os dados e interpretar, o que também é uma brecha que pode gerar falsas interpretações.

Lidar com dados reais facilita um tipo de abordagem que aproxima os estudantes da matemática de forma interdisciplinar. Além disso, é uma chance de propor que eles reflitam sobre assuntos variados, maximizando o pensamento crítico. Quando analisamos um dado, qualquer que seja, sempre solicito que os estudantes reflitam e questionem: Para quem importa? Onde importa? De onde esses dados foram retirados? Essas são algumas das perguntas que costumo fazer aos meus alunos.

Entender os dados é trabalhar a realidade e fazer com que os estudantes a compreendam também, para tomadas de decisão. Quando pensamos em uma matemática mais aberta e visual, encontramos alguns desafios ligados à nossa matriz curricular, que muitas vezes tende a engessar o trabalho dos professores, mesmo assim acredito que sempre é possível fazer algumas adaptações.

Os meus alunos são do ensino médio e muitos possuem uma mentalidade fixa, de achar que têm dificuldade em matemática e isso é o ponto final, adquirida ao longo dos anos. Mudar esse pensamento é uma conquista difícil, mas acredito que a persistência e o trabalho com os princípios de mentalidades matemáticas são capazes de reverter a situação, por isso eu não desisto.

Meu principal objetivo como professora de matemática é apresentar uma matemática que faça sentido para os estudantes, porque quando não faz sentido a chance de sucesso é quase nula, já que eles tendem a buscar outra coisa que faça. O trabalho com mentalidades permite apresentar a matemática como ciência criativa e equitativa, já que estudos comprovam que todos são capazes de aprender matemática em altos níveis, com esforço, persistência, estímulo e condições adequadas.

Por: Porvir