Especialistas temem que nova política de educação especial possa gerar segregação

Publicado por Sinepe/PR em

O decreto, assinado em 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro, estimula a criação e a matrícula em escolas especializadas para pessoas com deficiência. O STF suspendeu o decreto e realizou audiência pública para debater o assunto

A organização internacional Human Rights Watch lançou um alerta para a ameaça à educação inclusiva no Brasil. Esta semana, a organização de defesa dos Direitos Humanos participou de uma audiência pública sobre um decreto que inclui escolas especiais como opção para educação de estudantes com deficiência.

Alice tem oito anos e aprendeu a ler e escrever numa escola comum. A paralisia cerebral não impede a amizade e a integração com outros alunos na sala de aula.

Mas a nova Política Nacional de Educação Especial, assinada no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro, pode tornar mais difícil a convivência de Alice com crianças sem deficiência. O decreto estimula a criação e a matrícula em escolas especializadas para pessoas com deficiência.

A mãe de Alice, Mariana Rosa, vê essa possibilidade como um retrocesso na evolução da filha: “Só para ela ser matriculada na escola a gente já teve seis negativas de matrícula, isso com uma lei que define que isso é crime. Imagina com uma lei, com um decreto estimulando a matrícula e a segregação das pessoas com deficiência.”

No fim do ano passado, o Supremo Tribunal Federal suspendeu o decreto e marcou uma audiência pública para debater o assunto. Nessa semana, especialistas em educação discutiram a nova política no STF.

Rodrigo Mendes desenvolve projetos de inclusão há quase 30 anos e diz que o decreto traz exclusão disfarçada de proteção.

“Não existe fundamento pedagógico. O que existe é uma visão assistencialista, uma visão de que a criança não vai poder conquistar sua independência, e isso é muito negativo. Pedagogicamente, o que faz sentido é todos poderem aprender juntos com equipes bem capacitadas, com apoio à escola”, explica.

O presidente da Federação Nacional das Apaes, José Turozi, também defende a inclusão nas escolas comuns, mas acha que as escolas especiais precisam ser mantidas, deixando a escolha com as famílias.

“Apenas 5,8% dos professores da rede pública no Brasil têm algum tipo de especialização em educação especial. Então, nós defendemos a inclusão, mas uma inclusão responsável. Nós entendemos que a escola especial e o atendimento educacional especializado é uma realidade e é uma necessidade”, afirma.

Em 2008, a Política Nacional de Educação Especial passou a assegurar a inclusão de alunos com deficiência nas escolas comuns. Desde então, a mudança foi expressiva: o percentual de alunos com deficiência nas escolas regulares passou de 54% para quase 90%, nos dados mais recentes.

A professora da USP na área de educação especial Biancha Angelucci diz que a inclusão de todos nas escolas comuns é um princípio pedagógico e ético.

“Se formos pensar os elementos utilizados para justificar a segregação de pessoas negras ou de mulheres em processos escolares, nós vamos perceber que se trata da mesma lógica: ‘não estamos preparadas, então é melhor ficar cada uma na sua instituição porque não sabemos o que fazer com vocês pessoas negras, com vocês mulheres e agora com você pessoas com deficiência’“, diz.

Alice não quer deixar a escola onde conheceu letras e amigos, onde passa os dias aprendendo e ensinando.

“Todo mundo ganha com a convivência com todas as crianças juntas, porque a gente aprende na diferença. Aprendem a educar os preconceitos que existem na sociedade e não reproduzi-los. São mais solidários, colaborativos, e isso eu acho que faz com que a humanidade cresça e se aprimore e a gente avance no longo prazo”, afirma Mariana.

Mais de 17 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, segundo o IBGE. E quase 70% das pessoas com deficiência com 18 anos ou mais não têm instrução ou não completaram o ensino fundamental.

Por: G1