Inglês no Enem é obstáculo entre aluno de escola pública e a faculdade

Publicado por Sinepe/PR em

Estudantes de escolas públicas têm desempenho médio abaixo do das particulares no Enem, principal porta de entrada para o ensino superior. É na prova de inglês, porém, que os alunos da rede estatal enfrentam maior dificuldade em relação à rede privada.

Análise feita pela Folha em todas as questões aplicadas no Enem entre 2010 e 2019 mapeou aquelas em que os estudantes da rede pública erraram de forma desproporcional: 18 das 50 perguntas de inglês no período tiveram viés estatístico alto e moderado contra a rede pública.

Inglês representou 46% dessas questões que mais prejudicaram a rede pública sob essa metodologia, apesar de somar apenas 3% do exame total.

Esse viés é verificado ao se comparar estudantes das duas redes, com habilidades (desempenhos) semelhantes; identificados esses grupos, analisam-se quais questões os alunos da escola pública erraram de forma desproporcional.

Dito de outra forma, alunos de bom desempenho nas redes pública e particular têm notas semelhantes, por exemplo, em matemática. Mas não em inglês. O mesmo acontece para todas as faixas de comparação.

Nos itens classificados como de viés moderado, alunos da rede privada têm 53% ou mais de chances de acertá-los (lembrando que, no restante do exame, eles possuem desempenho semelhante). Nas de viés alto, são ao menos 90% de chances a mais do que a rede pública.

O sistema público concentra 88% das matrículas do ensino médio, atendendo em geral a população mais pobre.

Para se definir o viés das questões, a Folha considerou limiares estatísticos utilizados pela ETS, instituição americana que aplica o exame de certificação Toefl e avaliações de larga escala para o ensino básico nos Estados Unidos.

A prova de inglês prejudica o desempenho geral dos estudantes da rede pública no Enem. Usando a mesma metodologia utilizada no exame (TRI), a reportagem simulou a retirada da matéria na prova. Estudantes da escola pública subiriam em média 11 mil posições em 2019, num universo de 900 mil estudantes analisados.

A faixa em que haveria mais ganho de posições seria entre os alunos do sistema estatal que pontuaram entre 450 e 600 pontos (a maior nota da prova foi 802).

Os estudantes com melhor desempenho, apesar de ganharem menos posições, foram igualmente prejudicados por esse viés, pois na faixa acima dos 600 pontos em geral se disputam vagas mais concorridas no ensino superior; poucos pontos são suficientes para classificar o candidato ou não.

O baixo aprendizado do inglês reflete, segundo especialistas, a precariedade do ensino da língua na rede pública e traz um dilema: por um lado, o inglês tem sido critério de seleção para diferentes categorias de emprego, por isso, a presença dele num exame como o Enem sinaliza a importância desse conhecimento.

Por outro lado, a exigência dessa disciplina começa a ser vista como grande entrave para ascensão da população mais pobre, mesmo que bem preparada, aos melhores postos de trabalho e do ensino superior.

O Magazine Luiza, por exemplo, não cobrou inglês em sua seleção exclusiva para trainees negros, finalizada neste ano.

O Enem é utilizado de diversas formas para o ingresso no ensino superior. Instituições públicas e privadas adotam o exame como forma de eliminação e classificação (neste caso, para cursos com mais candidatos que vagas); em algumas particulares, quanto maior a nota, maior pode ser o desconto na mensalidade.

Um atenuante no sistema superior público é que há cotas em boa parte das instituições (ou seja, alunos do ensino médio público disputam entre si)
O Enem também é usado como critério para permitir o estudante ingressar no ensino superior por meio do Prouni (bolsas em universidades privadas) e Fies (financiamento estudantil).

Inglês e português são considerados no mesmo bloco de questões de Linguagens no Enem. A metodologia do exame busca identificar chutes, ou seja, erros e acertos inesperados de acordo com o perfil do candidato dentro de cada área.

Assim, um bom aluno da escola pública que foi bem em português, mas errou questões consideradas fáceis em inglês, terá sua nota rebaixada, pois não se esperava que ele errasse tantas questões nessa área.

Por Uol