Prêmio Jabuti valoriza pesquisa acadêmica

Publicado por Sinepe/PR em

Vencedores e homenageada da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico falam sobre a desigualdade no país

Consagrado no meio literário, o Prêmio Jabuti passou a celebrar também a produção nacional de pesquisas acadêmicas. O objetivo é valorizar o trabalho de pesquisadores e, ao mesmo tempo, incentivar a produção e publicação de novas pesquisas. Encabeçada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), a primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico concedeu vitória para 28 obras no eixo “Ciência e cultura”, além de duas publicações no eixo “Prêmios especiais”. À Ensino Superior, ganhadores falam sobre o papel da pesquisa e da academia na transformação da sociedade.

Marcelo Knobel, pesquisador responsável pela curadoria do Jabuti Acadêmico conta que, ao definir as categorias da premiação, a equipe curadora procurou representar todas as áreas do conhecimento. “Em tempos de internet e com maior pressão para publicar, muita gente publica artigos curtos. Mas em um livro é possível aprofundar mais as discussões e trazer debates mais fundamentados. O prêmio busca valorizar essa atividade em particular, e valorizar aqueles que se dedicam a formar novas gerações de estudantes e profundizar um pouco mais o debate intelectual”, explica.

Doutor em física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Knobel é professor titular de física da instituição, onde também atuou como reitor de 2017 a 2021.

“Tivemos quase duas mil inscrições de livros publicados em 2023. Isso provavelmente é uma parcela de todos os livros publicados no ano, o que mostra como essa é uma área forte e com muita produção”, acrescenta o curador. Para chegar às publicações premiadas, os 87 jurados do Jabuti Acadêmico usaram critérios como linguagem científica adequada, precisão do texto e potencial de inovação da obra.

Para Knobel, a força das redes sociais apresenta benefícios e malefícios na divulgação científica. “Há muito conteúdo de ciência, mas também conteúdo pseudocientífico”, diz. Dedicado à divulgação de ciência e tecnologia, o pesquisador defende que professores e pesquisadores sigam o caminho da difusão de produções acadêmicas. “Não podemos ficar em um ‘castelo de cristal’ realizando pesquisas sem dialogar e engajar com a sociedade de maneira efetiva, é um trabalho que faz parte da agenda científica. A comunicação é fundamental para o desenvolvimento científico e o livro é certamente um dos meios mais consagrados de fazê-la.”

Na primeira edição, segundo Knobel, divulgar a iniciativa foi um desafio. “Fizemos um esforço de comunicação, mas é um público diferente do que estávamos acostumados.”

O especialista relata ter se surpreendido com o baixo número de inscrições realizadas por editoras universitárias, em especial as privadas. “Temos várias instituições privadas com boas editoras que agora devem se entusiasmar para participar”, acrescenta. “Há professores de IES privadas que eventualmente publicam em outras editoras. Assim, recebemos muitas inscrições de professores do ensino superior privado. Espero que tenhamos mais editoras universitárias participando da segunda edição.”

Reconhecimento de novos olhares

Alysson Lorenzon Portella e Michael Túlio Ramos de França são pesquisadores no Núcleo de Estudos Raciais do Insper. Juntos publicaram Números da discriminação racial: Desenvolvimento humano, equidade e políticas públicas, obra vencedora do Jabuti Acadêmico na categoria “economia”. Lançado pela editora Jandaíra, o livro surgiu para “trazer verdades à tona e inspirar ações que nos levem adiante”.

Michael Túlio Ramos de França iniciou os trabalhos no Insper em abril de 2020 e atualmente coordena o Núcleo de Estudos Raciais da instituição. Colunista na Folha de S.Paulo, o autor explica que, no início, o objetivo era transformar o conhecimento gerado nos relatórios e nos artigos acadêmicos em algo que pudesse alcançar mais pessoas. “A gente sabia que esse material precisava ser acessível, porque, no final das contas, queríamos que a maioria da população pudesse ler e entender”, pontua.

“Na área de economia, há uma vasta literatura sobre desigualdade social. Só que ela é focada nos Estados Unidos. Há poucos trabalhos sobre isso no Brasil”, salienta Alysson Lorenzon Portella. “Os debates existem, mas geralmente são organizados por profissionais da sociologia ou da psicologia social. Os economistas estavam muito ausentes desse debate, o que era um problema e uma oportunidade.”

Com o pontapé dessa lacuna na área, os autores deram início ao desenvolvimento do livro com um claro propósito em mente: levantar uma discussão necessária, mas que muitas vezes fica de lado, sobre a discriminação racial e o impacto profundo que isso tem na estrutura da sociedade. “Este livro é uma forma de abrir os olhos das pessoas para o que esses números realmente significam na vida de milhões de brasileiros. Queremos iluminar o caminho para construção de uma sociedade melhor. Porque, se a gente quer ver uma mudança real, se queremos ver o Brasil dar passos à frente, precisamos estar dispostos a encarar nossas verdades, mesmo as mais desconfortáveis”, acrescenta França.

França comenta sua desafiadora rotina enquanto pesquisador. “Além de liderar o Núcleo, estou envolvido no debate público, trazendo questões importantes para a conversa nacional. É um trabalho que exige muito, mas acredito profundamente que é assim que a gente faz progresso, com diálogo, pesquisa e coragem para encarar o que precisa ser transformado.”

A intensidade da rotina faz com que o reconhecimento do Jabuti Acadêmico ganhe ainda mais relevância na vida dos profissionais. “Fiquei profundamente feliz e emocionado”, diz Michael França. “Venho de uma família de baixa renda e houve momentos em minha vida em que pensei em deixar a escola, em desistir. Foi um reconhecimento do trabalho árduo, da dedicação e do compromisso de todos os envolvidos no projeto. Quando você se dedica a uma causa como essa, trazer à tona questões profundas de desigualdade racial, nem sempre espera que o trabalho seja aplaudido. Mas quando é, isso fortalece nossa convicção de que estamos no caminho certo. Entretanto, o impacto disso vai muito além do reconhecimento pessoal. Essa premiação dá uma visibilidade ainda maior ao livro, abre portas para que ele chegue a mais leitores, a mais pessoas que talvez não estivessem pensando sobre esses temas”, afirma França.

Portella espera que o prêmio incentive mais pesquisadores a explorarem o tema. “Antes da premiação eu já tinha visto o livro em súmulas de disciplinas de pós-graduação e soube que existem professores usando-o em suas aulas. Acredito que o prêmio irá propulsionar ainda mais. Trata-se de um tema que, muitas vezes, as pessoas têm receio de discutir. E o livro mostra que a pauta não é um campo minado. Ele pega na mão das pessoas e diz ‘vamos juntos’, porque precisamos falar disso.”

Homenagens da edição

Com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Prêmio Jabuti Acadêmico contou ainda com duas homenagens: personalidade acadêmica — selecionada pela CBL junto da equipe curadora –, e livro acadêmico clássico, que teve a obra Medicina Ambulatorial, da editora ARTMED, escolhida por meio de consulta popular.

Aos 84 anos, a professora Silvia Pimentel foi escolhida para receber a homenagem de personalidade acadêmica da edição. Advogada e ativista dos direitos humanos, conta com um vasto histórico de realizações em prol da equidade de gênero e combate à discriminação no país. “Continuo dando aula na PUC com muito prazer. E vejo que consigo um diálogo muito interessante com os alunos e alunas. Enquanto eu ainda conseguir dialogar e tiver saúde para isso, vale a pena prosseguir”, pondera.

Entre os seus feitos, Silvia elaborou o “Novo Estatuto Civil da Mulher” ao lado da advogada Florisa Verucci (1934-2000), atuou como uma das protagonistas na formulação do anteprojeto de lei que deu base e articulação à Lei Maria da Penha e foi indicada ao Nobel da Paz.

“Tenho consciência de que precisamos dar sentido às nossas vidas. E o sentido que encontrei foi na busca por realizar algo para outras pessoas, além de mim. Vivo em um mundo, não apenas na sociedade brasileira, com uma desigualdade muito forte. A minha busca é de poder contribuir com aqueles que mais precisam.”

Na faculdade de direito, Silvia chama atenção para o fato de formar profissionais que, muitas vezes, alcançam cargos públicos importantes. “Isso me dá muita alegria, mas não só. Trabalhando como trabalho pelo direito das mulheres há quase 50 anos, tenho formado pessoas comprometidas com a realidade brasileira em termos de justiça social e de gênero.”

Para a profissional, o reforço positivo do Jabuti para professores e acadêmicos é valioso. “Estamos em um momento em que lutamos contra a maré. A maré da anticiência, da ignorância e das fake news. Essa maré se traduz em salários muito pequenos, não apenas para professores universitários, como também para quem está na educação básica. O Brasil deveria parar para pensar, pois não vamos crescer enquanto não valorizarmos a docência em todos os níveis”, justifica.

Por: Revista Ensino Superior