Centros de inovação são a ponte para o mercado

Publicado por Sinepe/PR em

Em quatro anos, as necessidades se transformam e aquilo que o estudante aprende no primeiro ano de graduação pode se tornar inútil ou ao menos defasado quando ele estiver com o diploma

Diminuir a distância entre as universidades e o mercado de trabalho é o maior desafio que as instituições de ensino superior enfrentam no Brasil e no mundo atualmente. Em quatro anos, as necessidades se transformam e aquilo que o estudante aprende no primeiro ano de graduação pode se tornar inútil ou ao menos defasado quando ele estiver com o diploma na mão. Formar profissionais que efetivamente levem soluções às muitas demandas que surgem requer visão inovadora da IES e contato constante com o mercado de trabalho.

Também não tem sido fácil reter alunos. Paul Batista, fundador de startup e há seis meses gerente de Inovação da Unisuam, afirma que “desde que as empresas ponto com, no início dos anos 2000, entenderam que a academia tradicional não entregava o tipo de profissional de que elas precisavam e começaram a formar por conta própria, passa a ser pouco relevante onde você estudou ou quais títulos conseguiu na carreira acadêmica. Isso foi aumentando ao longo das décadas e culmina agora junto à chegada da geração Z ao mercado de trabalho, numa grande crise quase de identidade da academia tradicional”.

Por outro lado, universidade e pesquisa têm papéis cruciais. “O que chamamos de deep tech, tecnologia profunda, precisa de um ritmo, uma pessoa estudando durante muitos anos, fazendo teses de mestrado e doutorado. Mas o mercado, de forma geral, precisa de uma velocidade que a academia tradicional não consegue entregar.”

Centros de inovação que se transformam em hubs, incubadoras e aceleradoras de startups, que tentam alavancar ecossistemas oferecendo soluções e serviços às empresas, com foco no mercado local e regional, surgem como resposta. O Eniac, em Guarulhos, e a Unisuam, em Bonsucesso, no Rio de Janeiro, são exemplos dessa atuação. O primeiro passo, garantem os gestores, é atrair lideranças empresariais locais. “A parte mais difícil é convencer empresários a passar um tempo conosco”, aponta Pedro Guerios, vice-reitor do Eniac.

Desde 2016, o Eniac, com 10 mil alunos na graduação, sete mil deles em cursos presenciais, mantém o Centro de Inovação e Tecnologia da Cidade de Guarulhos (CITIG) em seu campus, credenciado junto ao município e à rede estadual de ambientes de inovação. Em 2019, o Eniac criou o Conselho Empresarial de Guarulhos (CEGRU), que promove reuniões na hora do almoço, a cada 45 dias, com lideranças empresariais da cidade e representantes das secretarias do poder público municipal. “Nessas reuniões, três vezes por ano fazemos apresentações de projetos integradores que são relacionados com as empresas”, conta Guerios. Os próprios alunos apresentam as soluções pensadas para as empresas.

Para agregar valor, nesses almoços o Eniac traz personalidades que interessam aos empresários, como, por exemplo, o economista-chefe do Bradesco, que detalha as expectativas do mercado financeiro, como a cotação do dólar, taxas de juros etc. Outro atrativo é a possibilidade de network entre os líderes. “Por exemplo, duas empresas de Guarulhos têm produtos parecidos: o aço em perfil quadradinho e o aço em tubo. Têm os mesmos fornecedores e comparadores. Nunca tinham sentado juntos. No CEGRU fiz questão de apresentá-los um ao outro e que sentassem juntos.”

Para Guerios, é função do Eniac fazer conexões, facilitada pela falta de viés político, característica de uma IES. “Há muito desse trabalho de conexão para ser feito e é o que temos construído, com empresas de Guarulhos e do Alto Tietê, macrorregião com seus 11 municípios.”

O segundo passo foi a criação da plataforma Link Eniac, que roda há um ano. Nela, empresas, poder público e sociedade civil colocam seus desafios, que se transformam em projetos integradores. “Sempre que essas soluções se relacionam a melhorias públicas, externas, se encaixam bem na curricularização da extensão.”

Mauro Claro, pró-reitor de Inovação, orienta os parceiros quanto à utilização da plataforma, o andamento do programa e treina os mentores, que são os profissionais da empresa que acompanham o desenvolvimento do desafio. Além disso, são realizados oito workshops ao ano.

Guerios detalha os ganhos dessa ação. “Ganhamos docentes, trazemos competência de fato para o currículo, oportunidade para o aluno estar perto da indústria e a indústria resolve problemas que estavam na fila. Inclusive problemas que a empresa nem sabia que tinha, porque, quando fazemos o processo de design thinking para entender o que está acontecendo, vamos à origem do desafio.” Atualmente, os números registrados na plataforma são: 176 empresas cadastradas, 553 desafios de empresas, 212 mentores envolvidos neste semestre e 13.719 alunos.

Startups e fundo de investimentos

A parceria entre o CETIG e a Secretaria de Desenvolvimento Científico, Econômico, Tecnológico e Inovação (SDCETI) do município provê a identificação de startups. A SDCETI realiza os hackathons e identifica as que precisam ser incubadas ou aceleradas e esses processos acontecem no CETIG.

“O objetivo maior é de realmente criar um ecossistema de inovação e empreendedorismo para a cidade de Guarulhos, que muitas vezes tem seus empreendedores atravessando a Dutra e levando seus projetos para São Paulo. Entendemos que podemos trazer não só empresas, como pesquisas e patentes.”

A incubação e a aceleração das startups são o primeiro passo. Em seguida, quando já maduras, elas entram para o Eniac Ventures, fundo no formato corporate venture builder. “Construímos as startups junto com as corporações. No primeiro round, levantamos R$ 4 milhões e esperamos chegar a R$ 8 milhões em dois anos, afirma Guerios. Atualmente, são 11 startups em processo de aceleração e a previsão é de mais 30 startups nos próximos quatro anos.

Startupeiros no comando

O Polo de Inovação da Unisuam, chamado Pólen, já teve atividades intensas e perdeu força com a pandemia. Batista chegou, no final de 2023, como residente do Pólen, com a Atitude247, sua startup, e trouxe a expertise em eventos de tecnologia que começaram a reativar o Pólen e impactar alunos e colaboradores. Daí para assumir a gerência de Inovação da Unisuam foi um pulo, com a missão de fazer a inovação permear toda a instituição de maneira horizontal. Um sócio, Alexandre Caruso, fundador da startup Garrafa do Mar, assumiu três diretorias – Gente, Inovação e Tecnologia. “O polo de inovação da Unisuam está aberto a todos. Estamos interessados em ter startups incríveis que criem oportunidades tanto para alunos – 35 mil, nas modalidades presencial e EAD – quanto para os cerca de mil colaboradores, entre docentes e administrativos.

Os planos são ambiciosos e já estão saindo do papel. A primeira ação foi montar uma estrutura de apoio robusta para o empreendedor. Startups que estão começando precisam de proteção jurídica, engenharia fiscal e assessoria de marketing. “Tudo isso tentamos montar para que todos os residentes do Pólen consigam usufruir. Como contrapartida, residentes geram todas as oportunidades para alunos e colaboradores que querem empreender.”

Se o Eniac oferece almoço aos empresários, a Unisuam optou pelo café da manhã, com o objetivo de criar network. “Todas as terças, às 10 da manhã, temos o Café Empreendedor para toda a comunidade – empreendedores e incomodados.

Trazemos grandes empresários, startups que estão começando, alunos e colaboradores para poder fazer a cultura permear em um bate-papo superleve e agradável.”

Mais técnicos, os meetups acontecem a cada 15 dias, às quintas, no horário do happy hour.

“Trazemos um especialista para falar por meia hora ou 40 minutos sobre um assunto relevante, de tecnologia e de toda a universidade. Temos advogados, médicos, fisioterapeutas, que estão inovando em suas áreas de conhecimento.”

A efetiva mudança no Pólen, conta Batista, é a Academia da Inovação. “A Unisuam passa por uma transição. Agora o modelo de ensino é por competências, os alunos têm módulos e desenvolvem projetos reais durante a graduação. Problemas que as empresas trazem são alocados em pequenos módulos que se tornam um grande módulo de competências”, explica.

Se o problema não consegue passar pelo fluxo tradicional de ensino, segue para a divisão de Inovação. “Aí, abre-se um mundo de oportunidades. Podemos desenvolver semanas com desafios de ideação, usando metodologias como o design thinking.”

O Forja Unisuam, programa de formação de profissionais, ainda é embrionário e aposta nos hackathons, que buscam soluções para as empresas e identificam startups a serem incubadas e aceleradas. “Podemos vender para nossas parceiras desde hackathons que duram uma madrugada – overnight – ou cinco dias, no formato presencial e híbrido.” Um programa de inovação pode ser concebido em dois, três meses. “Vamos para o formato híbrido, com encontros presenciais, com master class para equalizar, oferecendo o ferramental para os times terem vocabulário para desenvolver o que eles precisam”, detalha.

Para Batista, “a beleza do hackathon é que os times sejam multidisciplinares, com pessoas de marketing, de produto, pessoas que entendam de regras dos negócios, programadores, designers para fazer o front-end. Ao buscar soluções de forma sistemática, os alunos ganham um ofício enquanto estão na graduação e a empresa forma a mão de obra de que ela precisa. Além do project based learning – PBL –, vigora a failure-drive, ou desenvolvimento pelo fracasso. “Temos uma certeza: vamos errar muito. Essa cultura é comum no mundo da inovação. A ideia é errar rápido e sem altos custos”.

Os colaboradores da Unisuam também podem encarar um hackathon. “O próximo que estamos produzindo é exclusivamente para eles. Vai promover o ensino de IA generativa, para desenvolvimento de ferramentas próprias.”

Por: Revista Ensino Superior