Dengue: qual o papel da escola e como levar a temática para a sala de aula

Publicado por Sinepe/PR em

Trabalhos interdisciplinares sobre a doença ajudam a aprendizagem dos estudantes ao mesmo tempo que impactam positivamente a comunidade

O quadro é cada vez mais preocupante. Segundo dados do Ministério da Saúde, os casos de dengue no Brasil já passam de 4 milhões este ano, com 1.937 mortes confirmadas e 2.345 sob investigação*. Este é o maior número registrado desde o início da epidemia da doença, em 2000 – até então o recorde de casos havia sido em 2015, contabilizando 1.688.688.

Outro fato alarmante é que, segundo a pasta, 74,8% dos criadouros do mosquito da dengue se encontram nas casas das pessoas devido ao acúmulo de água em vasos e pratos de plantas, garrafas, bebedouros, materiais em depósitos de construção, entre outros.

Essas evidências mostram a importância de reforçar os cuidados individuais para o combate à proliferação do mosquito Aedes Aegypti. Nesse cenário, a Educação assume o papel fundamental de conscientizar os estudantes, a comunidade escolar e seu entorno para a prevenção da doença.

“A escola possui tanto o papel preventivo de educar para evitar grandes epidemias quanto, em meio a uma crise sanitária, de promover a educação em saúde para que as pessoas tenham uma formação cidadã e recebam conhecimento para que os agravos não aconteçam e para que impactem positivamente as famílias e comunidade”, explica Alessandra Novak, doutora em Saúde e Meio Ambiente pela Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE).

Além de orientar sobre a importância e os protocolos para a fiscalização dos lugares que elas habitam, das ruas, da escola, há outros pontos que merecem ser abordados no ambiente escolar como as orientações médicas. “A automedicação é comum no Brasil, o que é muito perigoso. Para romper com esse comportamento, é preciso ultrapassar o estudante, pensando na comunidade como um todo, mas o aluno pode ser um agente de saúde no sentido de levar esse conhecimento para suas famílias”, diz a especialista.

Bióloga de formação, Cintia Diógenes, professora do Ensino Fundamental da rede municipal de Fortaleza (CE), aponta que a prevenção da doença é, ao mesmo tempo, simples e complexa. “É simples porque basta ter esse olhar para a água parada e para atitudes individuais como usar repelente, mas é complexo porque não basta fazer uma vez e achar que está resolvido. A prevenção envolve o cuidado corriqueiro com o entorno, o que exige uma sensibilização constante da comunidade.”

Escola contra a dengue

O cuidado, portanto, começa com o próprio espaço escolar. Mais do que campanhas pontuais, a escola deve promover de forma constante a conscientização de toda a equipe e estudantes para que a escola seja um lugar saudável, sem focos de proliferação do mosquito.

Também deve-se desenvolver práticas pedagógicas com abordagem lúdica, adequadas às diferentes faixas etárias, para tratar da prevenção, identificação de sintomas da dengue, do ciclo de vida do mosquito, do cuidado com o meio ambiente, entre outros pontos que se articulam com a doença.

“Um bom ponto de partida é perguntar para as turmas quem já teve ou conhece alguém que teve dengue. Trazer a realidade vivida pelos estudantes para a escola traz significado para aquilo que eles estão aprendendo”, indica Alessandra.

São muitas as abordagens e formatos que esses projetos podem assumir e dialogando com todas as áreas do conhecimento. “Por exemplo, em Geografia, pode-se traçar um mapa para entender a distribuição desigual da doença por conta de características sociais e climáticas. Ou como a urbanização e o desmatamento impactam a proliferação da doença”, sugere Alessandra.

Para os mais novos, brincadeiras e outras atividades lúdicas são ótimas maneiras de aprender se divertindo. “Fizemos lupas de papelão, um crachá de ‘agente comunitário em busca do mosquito da dengue’ para os alunos pequenos e a missão de procurar focos de mosquito. Eles ficam super animados com a ‘caça’”, conta Cintia.

Leve a temática para todos os componentes curriculares nos Anos Iniciais

A professora Marcinha Rodrigues leciona na EM Antônio Carlos Jobim, que se localiza em uma área com acesso precário a saneamento básico em São Gonçalo (RJ). Diante do crescimento dos casos de dengue com alarde, a educadora resolveu propor uma intervenção em sala de aula por meio de uma semana de conscientização que abrangeu todos os componentes curriculares em sua turma de 3º ano do Fundamental.

Fizeram um levantamento da quantidade de colegas e familiares infectados para as aulas de Matemática, interpretação de textos e paródia da música Samba Lelê para Português, um quiz no estilo “passa ou repassa” sobre a doença, entre outras atividades. “Para finalizar, fizemos um passeio pela escola, para ver o que podia estar colaborando para a proliferação da dengue em nosso espaço. E eles ficaram com a missão de fazer o mesmo em seus quintais”, conta.

Sabendo, no entanto, que pouco adiantaria se os vizinhos não fossem engajados na mesma empreitada, a turma gravou uma série de vídeos sobre como se proteger e cuidar do espaço e produziram panfletos que distribuíram pelo bairro. “Eles contaram que foram bem recebidos e que seus vizinhos se comprometeram a ler e fazer uma vistoria em suas casas a partir daquelas informações”, conta Marcinha.

Investigação e produção textual sobre dengue nos Anos Finais do Fundamental

Ana Elicker, professora das turmas do 6.º ao 8.º ano da EMEF Oldenburgo, em Rolante (RS), desenvolveu, por sua vez, um projeto em Língua Portuguesa sob a temática da dengue com a turma do 8º ano. “Moramos em uma região próxima ao rio. Tem muita mata ciliar e a proliferação de mosquitos. Então, este era um assunto do interesse deles. Além disso, queria trabalhar textualidade, diferentes gêneros textuais, norma culta e as funções da linguagem”, relata.

Na primeira semana, os alunos foram convidados a utilizar celulares para buscar informações sobre a doença que foram então compartilhadas entre a turma. “Nem todos têm celular e internet, mas temos o laboratório que disponibilizou cinco aparelhos”, conta Ana.

A tarefa também envolveu a reflexão a respeito da credibilidade de fontes e sobre os diferentes gêneros textuais como informativo, científico, de opinião, etc. “Hoje, vivemos na era da informação em proporção à desinformação. Tem muita notícia falsa com roupagem de pesquisa na internet, então essa discussão foi muito importante”.

A turma então criou um documento coletivo no Google Drive onde hospedaram suas pesquisas e grupos foram criados de acordo com o foco de investigação. “Nesse momento, questionamos quais outros componentes poderiam auxiliar a pesquisa e os alunos concluíram que, por ser um tema de Ciências, precisavam conversar com o professor desse componente. Então, um grupo ficou responsável por entrevistá-lo”, conta a professora.

Depois de acessarem diversos textos sobre o tema, os estudantes produziram textos argumentativos e informativos sobre seu foco de pesquisa. A partir do resumo de suas investigações, criaram vídeos, jogos online e físicos, podcasts e um folheto. “O que achei mais significativo foi conseguirem mostrar esse conhecimento para as famílias. Aquele conhecimento ficou como um produto real e eles nem se perceberam aprendendo”, conta Ana.

Por: Nova Escola