Com cada vez mais pessoas com ensino superior, falta mão de obra operacional, diz estudo

Publicado por Sinepe/PR em

Apesar de um aumento significativo na qualificação formal da população, muitas empresas relatam dificuldades em contratações técnicas

Em um contexto onde a educação superior se torna cada vez mais acessível e o número de pessoas com graduação completa ou incompleta aumenta, o mercado de trabalho brasileiro enfrenta um paradoxo. Apesar da qualificação formal da população, muitas empresas relatam dificuldades em encontrar profissionais capacitados para desempenhar funções operacionais e técnicas.

Esse cenário foi detalhado em um estudo conduzido por Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). De acordo com Bentes, os setores mais impactados pela falta de profissionais qualificados são os de serviços e de construção.

Profissionais da área de tecnologia da informação, técnicos de apoio a sistemas de informática e profissionais logísticos são especialmente difíceis de encontrar, segundo o estudo. Além disso, há uma escassez de auxiliares administrativos e operacionais, funções cruciais para o funcionamento de empresas, mas que não exigem necessariamente um diploma de ensino superior.

Essa realidade indica que a formação técnica, mais rápida e direta, poderia suprir essas lacunas, especialmente em setores que estão crescendo rapidamente na economia brasileira.

O que diz o estudo

O estudo realizado pela CNC foi baseado em dados formais do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), abrangendo mais de 2,6 mil profissões, das quais 231 foram selecionadas por representarem 80% da força de trabalho formal no País.

A metodologia utilizada foi simples, mas eficaz: as profissões que apresentaram indícios de escassez foram aquelas em que o salário médio de admissão aumentou acima da média do mercado, acompanhado de um aumento nas contratações.

Essa combinação de fatores foi analisada em um período de 10 anos, para verificar se a escassez estava alinhada com os ciclos econômicos.

“Com a nova economia, com a digitalização do trabalho, como alguns falam, a ‘desumanização’ do trabalho, a demanda das empresas tem sido diferente do que era antes de 2020. Estão demandando determinados profissionais com perfis que elas [as empresas] não costumavam demandar antes, pelo menos não tanto quanto hoje”, diz Bentes.

A principal conclusão do estudo é que o mercado de trabalho brasileiro não está sincronizado com a formação acadêmica oferecida pelas instituições de ensino superior. Apesar de apenas 20% das pessoas com ensino superior estarem desempregadas, 70% das empresas relatam dificuldades em encontrar profissionais com habilidades específicas.

Isso evidencia que o aumento na qualificação formal não necessariamente se traduz em maior empregabilidade ou em preenchimento das vagas disponíveis. O estudo destaca ainda que 40% das principais profissões apresentam indícios de escassez, o que atinge níveis recordes na série histórica analisada.

“O setor de serviços respondeu por 70% das profissões com indícios de escassez. Faz sentido? Faz. O setor de serviços é o setor que mais cresce na economia brasileira hoje. Serviços de quê? Serviços de informação, profissionais da área de sistemas, técnicos de apoio a sistemas de informática, aliás, encabeçam essa lista profissionais da área de logística, auxiliar de escritório, tem muito auxiliar ali. Não tem advogado, não tem engenheiro, não tem médico, mas tem muito auxiliar”, analisa.

Para o economista, isso mostra que a incidência de escassez desse tipo de profissional é um indício de que o Brasil deveria investir mais na formação técnica para a rápida entrada no mercado de trabalho.

“Não dá para você esperar 4, 5, 6 anos para formar um profissional com nível superior, porque, enfim, há 5 anos atrás a economia era outra. Quando o profissional estiver formado, a demanda das empresas pode ter mudado”, completa.

Impacto da pandemia

A pandemia de Covid-19 também teve um impacto significativo nesse cenário. Antes, 64% da população com 14 anos ou mais estava envolvida no mercado de trabalho. Após a pandemia, esse percentual caiu para 62%, indicando que muitas pessoas optaram por ficar fora do mercado formal ou migraram para a chamada “nova economia”, que muitas vezes escapa de estatísticas tradicionais.

Esse menor envolvimento contribui para o agravamento da escassez de mão de obra em áreas específicas, uma vez que menos pessoas estão disponíveis para trabalhar em setores considerados mais tradicionais.

Mudança é necessária

Muitas pessoas escolhem seguir uma carreira acadêmica, mas o mercado também não tem absorvido esses profissionais na mesma velocidade em que eles são formados, especialmente em áreas que não demandam necessariamente um diploma universitário.

Isso resulta em um descompasso entre a oferta de mão de obra e as necessidades reais das empresas, que cada vez mais exigem habilidades técnicas específicas, muitas vezes não contempladas em cursos de graduação.

Fábio Bentes diz que o problema é estrutural no mercado de trabalho brasileiro, e é urgente a necessidade de um ajuste entre a formação oferecida pelas instituições educacionais e as demandas do mercado.

“Fica aí o recado para o País de que a gente precisa mudar um pouco a formação dos nossos profissionais, ou seja, torná-la mais rápida e mais eficiente, atender mais rapidamente às necessidades das empresas. Quando eu falo ‘País’, é governo, o principal formulador de políticas públicas; são as empresas que investem em treinamento, capacitação; nos serviços do SESC, do SENAI, e também do próprio trabalhador, porque ele tem que se adaptar, investir – muitas vezes com recursos próprios –, ele tem que se adaptar à nova necessidade das empresas”, defende o economista.

Impactos na empregabilidade

A professora Anna Cherubina, da Fundação Getúlio Vargas, destaca quais são os grandes impactos que afetam a empregabilidade atualmente e, por consequência, a qualificação dos trabalhadores de nível médio no Brasil. Entre eles, ela cita a falta de senso de urgência em buscar emprego.

Cherubina também cita a resistência das novas gerações em aceitar trabalhos operacionais e o desejo de evitar o microgerenciamento. Por outro lado, muitos preferem o trabalho autônomo, que oferece melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional, embora isso, por vezes, comprometa a experiência necessária para o crescimento profissional.

Outro ponto crítico, na opinião da professora, é a estrutura dos cursos técnicos no Brasil. “Eu acho que a gente precisa repensar esses cursos técnicos do ponto de vista da urgência da sociedade e também da coerência, porque não é a quantidade de horas, mas as competências que precisam ser desenvolvidas no trabalho. E parte das pessoas não tem nem tempo, nem o investimento, que não é baixo”, diz Cherubina.

“No Brasil a predominância é o curso superior, que também não implica em trabalho, porque muitos fazem um curso superior e ficam desempregados. Então, você tem a hipervalorização do curso superior”, completa.

A professora menciona também a falta de valorização do trabalho e a alienação resultante disso. Ela observa que a falta de um movimento que promova a força de trabalho tem contribuído para uma massa de trabalhadores desmotivados e sem crescimento. Esse cenário cria uma “zona de conforto” que prejudica tanto os indivíduos quanto o mercado de trabalho.

Por: Terra