Novas regras para licenciaturas e Enade: como se adequar

Publicado por Sinepe/PR em

Miguel Copetto, diretor-executivo da Apesp, defende que Portugal pode oferecer boas oportunidades para que as IES brasileiras aprofundem laços com o mundo

Os grandes problemas atuais da sociedade são globais. A comunicação e os anseios da juventude de hoje são globais. Do ponto de vista de um pequeno país envelhecido na cauda da Europa, o único do continente onde se fala português, a busca pela internacionalização é uma questão de sobrevivência para as instituições de ensino superior. E de manter sua relevância no mundo, segundo conta à reportagem Miguel Copetto, diretor-executivo da Associação Portuguesa de Ensino Superior Privado (Apesp), fundada em 1948.

Copetto representa 58 IES e viaja por todos os continentes em busca de parcerias e mais conhecimentos. “A gente sempre aprende alguma coisa nova”, diz ele, mesmo depois de trinta anos a serviço da instituição. Está na Apesp desde a fundação, primeiro como secretário e, agora, como diretor. Conhece bem a realidade da Europa, assim como a do Brasil, consegue navegar entre as diferenças das grandes instituições de elite às pequenas e micro, que buscam reputação local. Ele recebeu a reportagem da Ensino Superior na sede da associação em Lisboa e defendeu que Portugal pode oferecer boas oportunidades para que as instituições de ensino superior do Brasil aprofundem laços com o mundo.

Recentemente o senhor esteve no THE Europe Universities Summit, evento universitário europeu na Alemanha. Os temas tratados são relevantes para todos?
Fui a convite da revista Times Higher Education, que é a mesma que faz os rankings. Apesar de ser sobre o ensino superior na Europa, outros locais no mundo foram representados, em especial Singapura e os Estados Unidos. Uma vez que falo a um veículo brasileiro, vou supor que os leitores gostem de futebol e dizer: lá eu estava na primeira liga inglesa, ao nível dos grandes clubes. As instituições e o diálogo eram de uma elite universitária. Essa elite tem diferentes tipos de problemas, mas um deles é como subir nos rankings. Outro é como cooperar com as melhores universidades do mundo em suas pesquisas.

Em que sentido cooperação é um desafio?
Aqui em Portugal, um ministro não pode, por decreto, dizer que as universidades portuguesas têm todas de cooperar com a Harvard ou com o MIT, porque não sabe se essas universidades vão querer cooperar conosco. Eu vou desde há vários anos à Nafsa, uma grande feira internacional que ocorre todos os anos nos Estados Unidos, mas choquei-me da primeira vez porque, quando estava dialogando com outras universidades, faziam aquela pergunta típica: quantas das universidades que você representa estão no ranking? Se não estiverem em boas posições, nem começam a conversar.

É tão competitivo assim?
A competição existe porque, quando uma universidade pretende fazer pesquisas ou cooperar com o MIT, é para aumentar a sua reputação, sua visibilidade, ganhar poder do ponto de vista do marketing. Centenas de universidades estão a bater à porta do MIT. Como nem todas têm algum outro momento para procurar e fazer esse contato, têm de se deslocar a esses encontros.

Mas, no encontro da Alemanha, foram discutidos também temas mais abrangentes?
Alguns desafios se colocam atualmente às universidades seja em que parte do mundo for. Nos últimos vinte anos, a questão da internacionalização se tornou fundamental. Mas há um conjunto de fatores obrigatórios para que se possa considerar que de fato se trata de internacionalização. Por exemplo, uma universidade portuguesa vai recrutar estudantes no Brasil, os estudantes brasileiros vêm para Portugal, mas só isso não é internacionalização, pois a internacionalização pressupõe que exista um caldo multicultural.

O que é necessário para criar esse caldo?
Implica que a universidade saiba receber. O saber receber não é fazer uma festa quando o aluno chega, mas acompanhar o ano todo. Depois, que os cidadãos portugueses possam ir, com acordos, a universidades no Brasil – uma relação verdadeira tem de valer para ambos os lados. E que os professores adequem sua disciplina não para o ambiente local, mas para um ambiente internacional, para poder ser atrativo e estar em consonância com aquilo que se passa no mundo. Isso também vai ser útil para quando eles saírem dali, num possível regresso aos seus países de origem ou ida para outro país qualquer. Existindo o tal caldo multicultural, acabam por obter relações e contatos com cidadãos de outros países.

Acredita que as IES do Brasil trabalham isoladas?
Fui convidado quatro anos atrás para assistir e participar na reunião da RealCup, a rede de entidades representantes de universidades privadas na América Latina e no Caribe, para estabelecer um protocolo entre instituições portuguesas e espanholas. Mas ocorre uma situação engraçada de observar para quem é de fora: todos os países da América Latina se encontravam para falar uns com os outros, conversavam juntos por causa do espanhol; e os brasileiros falavam com os brasileiros, isolados. Eu estou habituado no âmbito europeu, em que todos falamos inglês comercial, todas as pessoas se entendem. E no caso da América Latina, neste tipo de evento, reparei que isso não acontecia.

Além da língua, há fatores culturais para a pouca troca com o exterior?
Parece que sim. Aliás, fui ao CRES+5 (Regional Conference on Higher Education), convidado para participar no painel sobre a internacionalização e fiquei boquiaberto, porque ouvi lá o contrário daquilo que é voz comum em qualquer parte do mundo. Achei que a conferência não só estava muito politizada e extremada, como o diálogo estava sendo imobilizado. Parece-me que desejam que a América Latina feche-se sobre si própria, viva intramuros, pois tudo aquilo que vem de fora é visto como tentativa de imposição. É um retrocesso gigante fechar-se ao mundo.

E fechar-se hoje em dia parece estranho?
Fechar-se ao mundo é não acreditar na competição, que tem de ser saudável. E é não acreditar na cooperação, nos projetos multiculturais. Um aluno escolhido como porta-voz defendeu que a América Latina fechar-se também impediria a fuga de cérebros. Acabei na minha intervenção por dizer que devia ser o único europeu que estava na sala, que estava ali para aprender e para cooperar, numa circunstância que para mim é básica: eu só consigo cooperar numa situação de igualdade e reciprocidade.

Mas a fuga de cérebros é um problema real.
A fuga de cérebros é um problema que existe em todo o mundo; não é ao procurar fechar a fronteira que se consegue parar a saída. Consegue-se, sim, por meio das condições que são dadas dentro de cada país, que se aposte num projeto de crescimento e valorização dos recursos humanos. Portugal tem também esse problema, mas não será nos fechando que impediremos a fuga de cérebros. Se existir de maneira espaçada no tempo, e se existir posteriormente um regresso dos cérebros para o país, pode trazer ganhos. A experiência internacional permite às pessoas ter uma visão do mundo e da vida completamente diferente. O viver fechado é a pior coisa que pode existir.

Todo estudante universitário precisa ter uma formação globalizada?
Hoje em dia os estudantes têm a tendência de viver experiências de uma forma muito mais aberta do que aquilo que acontecia uns anos atrás, quando existia uma grande rigidez desde a construção da sua carreira. Antes, se a pessoa saísse muito das empresas era instável, algo negativo. Hoje em dia, quem fica o tempo todo numa determinada empresa é visto como acomodado. Noto que os mais novos, dos 15 aos 30 anos, não estão tão preocupados em relação a dinheiro, a casar ou comprar uma casa. Poupam para viajar e não para ter grandes bens materiais. Se for para o interior da Amazônia, ou para as estepes siberianas, eles também têm um iPad, ou celular e veem as mesmas coisas no TikTok ou Instagram. Há um conjunto de coisas que os fazem viver de forma globalizada.

E qual é o papel das universidades para essa juventude?
Um dos aspectos reforçados na Alemanha foi precisamente que as universidades têm a obrigação de dar respostas ao mundo. É a mensagem que eu gostaria de passar: a universidade deve exercer a arte de responder às questões da sociedade. É algo muito bonito dentro da missão da universidade. Ela é o último elo antes de a pessoa chegar às empresas, um período fundamental na vida dos alunos. Tem de existir um componente de cidadania muito forte. Não basta a preocupação com o currículo adequado, que exista uma relação entre a pesquisa e as unidades curriculares, que a pesquisa não esteja defasada, para os alunos sentirem que estão apoiados com o que é o estado da arte em relação a cada uma das matérias. Da parte das universidades tem de existir uma preparação para a cidadania. A universidade, dentro dela própria, deve obrigatoriamente debater as grandes questões do mundo.

No Brasil, muita gente defende uma educação mais focada na técnica, alegando que valores e cidadania são bandeiras da esquerda.
Só pode ser considerado ideológico se o conceito de cidadão estiver ligado a um conjunto de princípios associados à esquerda. Qualquer que seja a ideologia, de direita ou esquerda, aquilo que se espera da universidade é que prepare não só em conceitos, mas em cidadania. A partir do momento em que os estudantes entram na universidade, também começam a votar e, portanto, começam a ser cidadãos de pleno direito, podem fazer suas escolhas. A universidade deve promover um debate interno, de uma forma sincera, verdadeira e honesta com os estudantes.

É possível ser sincero mesmo quando professores têm certa visão política, às vezes diferente das mantenedoras ou dos estudantes?
Custa-me aceitar que um jornalista, numa peça de informação, coloque um comentário ideológico. Quando assina uma crônica, eu já sei que tem uma determinada filosofia e perspectiva. Relativamente aos professores de uma universidade deve ser precisamente a mesma coisa. É das coisas mais antigas que existem, desde o século 12 fala-se sobre isso, é a libertas docentia. O professor deve poder não só ensinar de acordo com o seu saber, como também de uma forma aberta para os estudantes. E ao fazê-lo, ele deve dizer qual é a sua opinião.

E também se abrir a opiniões contrárias.
Eu dei aulas por muitos anos no curso de Direito e muitas vezes deixava os últimos minutos para falarmos sobre questões da atualidade. Fazia especialmente para ouvir a opinião que eles tinham sobre as matérias, mas numa perspectiva de que estávamos numa aula e não numa conversa de café. Portanto, pedia que quando fossem apresentar a sua perspectiva ou opinião, que ela fosse fundamentada, que tivesse por base os fatos, que pudessem argumentar de uma maneira adequada a uma sala de aula, pensando no futuro profissional e não em achismos.

Em Portugal, só 20% dos universitários estão em IES particulares. Isso afeta o propósito delas?
O contexto é diferente no Brasil, mas estamos alinhados com a Europa. O Estado tem um determinado modelo de educação, mas cidadãos, eu ou você, podemos achar que não seja o modelo adequado e querer proporcionar aos estudantes uma outra visão do mundo e da sociedade. Nas particulares, posso inserir unidades curriculares, ou dizer que os estudantes, ao final de cada disciplina, têm de entregar um trabalho escrito e fazer uma exposição oral, porque isso vai ser importante para a sua vida profissional. Temos projetos educativos alternativos ao modelo estatal, que acreditamos que vai formar bons cidadãos. Se for para fazer a mesma coisa, não faz sentido existir. E temos cursos que não existiam na universidade pública, que começaram pela universidade particular.

Portugal pode ser uma porta para internacionalização das IES do Brasil?
Tenho trabalhado nesse sentido, estabelecemos já alguns protocolos de cooperação. Noto o Brasil ainda fechado, mas noto também que existe uma vontade de contato com as universidades portuguesas. A Apesp tem procurado fazer essa ponte, não só ao nível dos alunos, mas da relação entre universidades e até empresários brasileiros que buscam fazer cursos e formações na Europa. Neste caso, Portugal facilita porque o inglês também não é muito forte no Brasil. No caso das universidades, um reitor brasileiro enviou-me recentemente um e-mail procurando uma parceria para um mestrado. Eu distribuí (entre os associados da Apesp), responderam seis. De vez em quando vou tendo algumas visitas também, uma me falou da dificuldade na formação de professores do ensino básico no Paraná. As escolas mais antigas de formação de professores em Portugal são um ensino privado, existem desde 1820. Seria muito interessante fazer um protocolo.

Há boas oportunidades então?
Está surgindo uma ponte com o Brasil e com os países africanos de língua portuguesa. Queremos que isso aconteça, queremos ter uma plataforma de serviço para as universidades privadas se conhecerem, saber o que as outras fazem. É um passo fundamental para depois fazer protocolos e ter as portas abertas.

Por: Revista Ensino Superior