Novas regras para licenciaturas e Enade: como se adequar

Publicado por Sinepe/PR em

Webinar do Semesp orientará as IES acerca das mudanças

Os efeitos da pandemia de Covid-19 aliados à penúria econômica dos últimos anos fizeram com que o ensino superior brasileiro freasse a ascensão registrada na primeira década e meia deste século. A taxa de escolarização líquida, que em 2018 era de 18%, fechou 2022 em 20%, pelo Censo do IBGE, sendo que a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) para 2024 é de 33%. No campo das licenciaturas, uma emergência nacional face ao déficit de professores de algumas disciplinas, os altos índices de evasão e a insuficiente taxa de conclusão preocupam, assim como o enorme contingente de estudantes que escolhem licenciar-se em pedagogia, enquanto química e física são opção de poucos.

Esse é o contexto que apontam os números coligidos pelo Instituto Semesp no Mapa do Ensino Superior, publicação anual cuja edição de 2024 foi lançada em maio. A edição deste ano traz também um capítulo especial dedicado às licenciaturas, além de uma pesquisa exclusiva, “Perfil e Desafios dos Professores da Educação Básica no Brasil”.

No caso dos cursos presenciais de todas as disciplinas, não apenas as licenciaturas, 60% dos estudantes matriculados têm até 24 anos. Já na educação a distância, a relação se inverte: 60% estão acima de 30 anos. Ou seja, pode-se deduzir que é um público já inserido no mercado de trabalho que busca estudar para melhorar a sua condição profissional.

Idade estratégica

Para que o país consiga aumentar o acesso dos mais jovens à universidade, o caminho deve ser outro, como indica Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp. “Se não investirmos no presencial, não vamos crescer a taxa de escolarização do país”, alerta. O financiamento também se mostrou um instrumento importante, segundo Capelato. As taxas de evasão são bem menores entre aqueles que contam com o Fies (veja quadro).

O crescimento do acesso entre os jovens é estratégico por vários motivos. Do ponto de vista pessoal, mais anos de estudos significam mais renda, mais cuidados com a saúde e acesso à moradia, entre outros benefícios apontados pelo economista Ricardo Paes de Barros em suas pesquisas. Do ponto de vista social, índices maiores de escolarização tendem a gerar ganhos em inovação, pesquisas científicas e produção cultural, entre outras áreas benéficas à economia do país.

Entre os potenciais ingressantes na faixa de 18 a 24 anos, a situação está praticamente estagnada faz alguns anos, com a taxa de conclusão do ensino médio girando em torno de 60% dos estudantes (redes pública e privada) desde 2017. No ciclo de três anos que acabou em 2021, chegou a 70,9%, porém, naquele ano, em função da pandemia, a recomendação do próprio MEC foi de aprovar os alunos. No ciclo que terminou em 2022, a taxa de conclusão baixou para 65,8%.

Some-se à questão dois fatores, ainda. O país contabiliza 9 milhões de jovens entre os 15 e os 29 anos que não finalizaram o ensino médio; e, cada vez mais, os alunos dos ensinos fundamental e médio com defasagem idade/série são impelidos a deixar a escola regular e a procurar a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Esta, porém, perdeu mais de 1 milhão de matrículas entre 2018 e 2023.

As licenciaturas são responsáveis por 17,7%, ou 1,67 milhão, dos 9,4 milhões de matrículas em cursos superiores no Brasil. Destas, 1,1 milhão na rede privada e 572 mil na rede pública. Em tese, esta poderia ser uma boa notícia para um país que tem carência de professores. Seria, não fossem os diversos senões por trás desses números. O primeiro deles é baixa taxa de conclusão dos estudantes. Considerando um ciclo de cinco anos (num curso concebido para ter quatro anos, segundo as diretrizes de 2019, hoje sem validade, mas seguidas pelas universidades públicas desde antes de sua homologação), 30,2% dos alunos se formaram na rede privada e 19,5% na rede pública. A evasão foi de 60,3% nas privadas e 40,9% nas públicas.

Em adição aos índices de conclusão, as notas das licenciaturas no Enade são baixas: 42,2% na modalidade presencial, 35,5% em EAD. A média geral dos outros cursos, também baixa, considerando um máximo de 100%, é de 44,6% e 37,4%, respectivamente. Em cursos mais concorridos, como medicina e direito, as médias estão entre 55% e 60%.

“Há problemas em todos os lugares. Os dados mostram que nenhum dos cursos é satisfatório”, avalia Kátia Smole, diretora-executiva do Instituto Reúna, que trabalha com formação docente.

Procura pela pedagogia

Apesar de todas as restrições ao EAD no campo da formação docente, Kátia tem algumas dúvidas sobre o porquê de sua atratividade, se seria apenas o aspecto financeiro. “Quem organiza o presencial precisa pensar nisso. Não podemos ter uma resposta ligeira e acabar com o on-line ou dizer é uma coisa ou outra”, reflete.

Para a educadora, ex-secretária de Educação Básica do MEC, as desistências podem ser reflexo da desvalorização social do professor, traduzida em seu baixo salário em relação a outros profissionais com igual formação, ou pela maior procura das licenciaturas nas regiões economicamente menos desenvolvidas. Na região Norte, por exemplo, elas representam 23,7% do total de matrículas; no Nordeste, 21,7%; no Sul, 17,3%; no Centro-Oeste, 16% e no Sudeste, 15,1%.

“É preciso olhar o entorno da educação, pensar na qualidade. O Brasil tem uma dívida enorme com a carreira docente. Talvez isso leve as pessoas a desistir da profissão, pela desvalorização social. E não é só salário. É sobrecarga de trabalho, falta de infraestrutura e de apoio na escola, a obrigação de lidar com questões complexas das crianças e suas famílias. Além disso, há uma enorme carga de expectativas sobre os professores”, pondera.

Pedagogos em excesso

Do total de 1,67 milhão de matrículas em licenciaturas, 1.071 milhão são em EAD, das quais 60,7% (650 mil) em pedagogia. Esse número se soma a outros 28,7% (171 mil) do total de 598 mil matrículas presenciais. Ou seja, em torno de 821 mil universitários brasileiros estudam para tornar-se pedagogos, em alguma das possibilidades que esta licenciatura permite: professor da educação infantil ou dos anos iniciais do ensino fundamental, diretor escolar, coordenador pedagógico, entre as funções mais notórias.

Enquanto isso, apenas 3,5% dos matriculados escolheram a formação presencial em química. No EAD, só 0,8 optou por essa disciplina. Nos cursos presenciais, apenas biologia, educação física, matemática, letras (língua portuguesa) e história têm mais de 6% do total de alunos dos cursos presenciais, sendo que biologia tem 8,3% e história e letras têm 6,9% cada uma.

“Há distorções graves na distribuição das licenciaturas, com muita gente em pedagogia. É necessário que haja uma política pública muito forte e bem dirigida, com financiamento de bolsas e cursos bem direcionados. Só com uma política nacional de formação e incentivos a formações de qualidade vamos conseguir enfrentar esse problema”, diz Bernardete Gatti, membro do Conselho Estadual de Educação paulista e recém-empossada como titular da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica, do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP).

E ela vai além nas suas observações: defende a criação de licenciaturas interdisciplinares ou integradas, cursos que aproximem os futuros professores e lhes deem uma identificação profissional clara. Cita como exemplos bem-sucedidos as licenciaturas interdisciplinares da Universidade Federal do ABC (SP) em ciências humanas e exatas, da Federal da Bahia e do Instituto Federal de São Paulo (ciências exatas).

Bernardete contesta enfaticamente a possibilidade de que as licenciaturas integradas ou interdisciplinares possam dar uma formação insuficiente ao professor. “Tem de se definir qual é a finalidade formativa para determinado trabalho, o que é essencial que um professor saiba para ensinar. Herdamos uma formação de outras culturas que já mudaram isso, não é preciso ter a mesma formação do bacharelado. E haveria a vantagem de acabar a oferta de formação em picadinho, uma disciplina aqui, outra ali.”

A nova titular da Cátedra ressalta ainda o pouco apreço geral pela profissão de professor ao salientar que o país não tem uma nova diretriz de formação desde 2002, no governo Fernando Henrique. Em 2015, foi aprovada a Resolução 2, mas não foi homologada. Quatro anos depois, houve homologação da 2/2019, que foi amplamente rejeitada pelas universidades públicas. Agora, a Resolução 4/2024 aguarda homologação do ministro desde março. “É este o valor que os governos estão dando ao professor?”, questiona.

Quanto ao resultado do Enade, tanto Bernardete quanto Kátia relativizam sua importância, por motivos diferentes. Para a primeira, pelo fato de que os alunos que fazem o exame não têm compromisso com a nota, pois ela não tem nenhuma consequência acadêmica, o que pode causar distorções. Já Kátia pede a criação de um Enade específico para as licenciaturas, pois considera que o exame atual é muito genérico, desconsiderando particularidades da área de formação docente.

Perfil dos professores

Ao comentar a pesquisa do Semesp, realizada por meio de uma amostra com 444 professores-respondentes sobre a carreira docente, a diretora do Instituto Reúna destacou três pontos que chamaram sua atenção.

O primeiro deles é o investimento que os professores fazem em sua formação pós-universitária, mesmo trabalhando em uma carreira pouco valorizada. Somando-se quem fez ou está fazendo alguma especialização, com aqueles que cursaram ou estão cursando mestrado e doutorado na área da educação, o total chega a 68,4% do total. “O professor é um ser inquieto com sua formação”, diz Kátia.

O segundo ponto é que a maioria (53,6%) se disse satisfeita ou muito satisfeita com a própria carreira. Por fim, que a escolha pela profissão se dá menos pela remuneração do que pelo interesse em ensinar e compartilhar conhecimento (59,7%). Se estiverem sendo sinceros, há esperança.

Crescimento entre os adultos

A população com idade superior a 24 anos procurou mais o ingresso no ensino superior que os jovens entre 18 e 24 anos no período de 2018 a 2022. É o que se depreende dos dados extraídos do Censo da Educação Superior retrabalhados pelo Instituto Semesp no Mapa do Ensino Superior, edição de 2024.

Enquanto a taxa de escolarização líquida, que mede o percentual de alunos entre 18 e 24 anos que ingressaram no ensino superior cresceu apenas 0,9 ponto percentual no período analisado, a taxa bruta, que leva em consideração os ingressantes de todas as idades, subiu 6,7 pontos percentuais.

Com isso, o Brasil se mantém com uma taxa líquida ainda bastante inferior à meta da OCDE e dos vizinhos da região. Enquanto a OCDE estabelece que 40% dos indivíduos entre os 18 e 24 anos devem cursar o superior, países como Chile, Argentina e Colômbia, respectivamente com 40%, 30% e 30%, superam os índices brasileiros.

De 2021 para 2022, o ensino privado continuou a puxar as estatísticas para cima, crescendo 6,6%, contra 0,1% negativo da rede pública. O maior crescimento foi das matrículas da rede privada na modalidade EAD, que subiram 17,1% entre 21 e 22, enquanto na rede pública o aumento na mesma modalidade foi de 5,8%. No ensino presencial, públicas (-0,6%) e privadas (-4,3%) perderam matrículas de um ano para outro. No computo geral, a modalidade presencial responde por 43,7% das matrículas, enquanto o EAD fica com 56,3%. No total, havia 9,4 milhões de estudantes no superior em 2022, dos quais, 7,37 na rede privada e 2,09 na pública.

A boa notícia é que a curva começou a virar para cima de um ano para o outro, nas duas redes e modalidades (72,4% no presencial, 97,8% no EAD). O ponto de atenção quanto à trajetória é diferente para as duas redes. Enquanto na pública os índices de conclusão estão abaixo de 20% (19,2% para o presencial, 17,3% para o EAD), nas privadas a taxa de desistência ultrapassa os 50% nas duas modalidades (57,4% no presencial; 64,9%, EAD), o que gera taxas de permanência abaixo de 15%.

Para a professora Bernardete Gatti, os números podem estar indicando que os alunos das públicas optam por alongar os anos de formação, concluindo o curso em cinco ou seis anos. “É o que parece dizer a conjugação da baixa taxa de conclusão e o índice alto de permanência nesse intervalo entre 2018 e 2022”, analisa.

Já nas privadas, os alunos que não contam com financiamento tendem a largar o curso. “Aqueles poucos que contam com financiamento têm um índice de evasão inferior a 10%, bem menor do que a média”, diz Lúcia Teixeira, presidente do Semesp, defendendo que o governo volte a aumentar o acesso ao Fies.

Quanto aos cursos com mais alunos, o de direito continua sendo o líder de matrículas no presencial, seguido de medicina e psicologia. Em EAD, os três primeiros são pedagogia, administração e contabilidade. Já entre quem pretende ingressar no ensino superior, ciência da computação e tecnologia da informação são os objetos do desejo, segundo a pesquisa sobre intenção de ingresso do Instituto Semesp.

Novas regras para licenciaturas e Enade: como se adequar

Os novos cursos de licenciatura EAD deverão ter 50% de aulas presenciais. Esta é a determinação que passa a valer a partir da homologação da Resolução CNE/CP n.º 4/2024, com as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação Inicial de Profissionais do Magistério. O Enade também passou por alterações, com novo modelo de prova e avaliação anual.

Para orientar as IES acerca da adequação às novas regras para os cursos de licenciaturas, uma prioridade da atual gestão do Ministério da Educação (MEC), o Semesp realiza, no próximo dia 21 de junho, às 10 horas, o Webinar Cursos de Licenciatura e Enade: como se adequar às novas regras. O diretor de Avaliação da Educação Superior do Inep, Ulysses Tavares Teixeira, já confirmou sua participação. O evento é remoto e exclusivo para associados.

Por: Revista Ensino Superior