Como e com quais cuidados é possível usar o ChatGPT na educação inclusiva

Publicado por Sinepe/PR em

Ao desenvolver uma prática consistente de uso de inteligência artificial como apoio, professora consegue planejar tarefas e provas que podem ser adaptadas a diferentes públicos de inclusão

Tecnologias digitais, quando bem utilizadas, são ferramentas capazes de enriquecer o ensino e a aprendizagem. Com a crescente oferta de ferramentas e plataformas de inteligência artificial, muitos professores têm se interessado em incorporá-las em suas atividades diárias, desde a etapa de planejamento à avaliação das atividades.

É sabido que a rotina dos educadores costuma ser muito apertada. É comum ver profissionais divididos entre múltiplas turmas, preocupados em participar de formações presenciais ou online, mesmo quando lecionam em escolas distintas. Por isso, tempo é um elemento chave e não pode ser desperdiçado. Um dos principais argumentos entre os entusiastas da adoção de recursos apoiados em inteligência artificial é que ela possibilita otimizar essa jornada. Porém, existem outras aplicações válidas.

A professora Andressa Alonso de Carvalho Balcacer, que dá aulas de biologia no Colégio Presidente Kennedy, em Santos (SP), viu nas plataformas de inteligência artificial não apenas uma forma de otimização de tempo, como também de atender a diferentes públicos. Em suas turmas, há mais de 10 alunos da educação inclusiva, entre pessoas que estão no TEA (Transtorno do Espectro Autista) e que têm TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade).

Sempre atenta aos diferentes usos da tecnologia, foi durante uma conversa com seu pai – que também é professor – que ela resolveu experimentar o ChatGPT para fazer adaptações de provas. A ideia era possibilitar diferentes formas de leitura para esses perfis de alunos. Mas, antes de realizar qualquer adaptação, ela decidiu fazer alguns testes.

Em aulas para estudantes do ensino médio, parte da rotina dela envolve trabalhar com questões que os preparem para o vestibular e para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Muitos desses exercícios têm como base banco de questões e simulados. “Eu estava fazendo uma prova e percebi que havia muitas palavras difíceis que eu não saberia como colocar sem cobrar demais dos alunos com mais dificuldade. Por isso, decidi testar o ChatGPT e ele me deu direcionamentos muito interessantes”, comenta a docente.

Ela conta que foi “curta e grossa” nos primeiros testes, lançando prompts – os comandos dados à máquina – diretos e objetivos, mas sem muitos detalhes. “Então eu fui moldando, pedindo ajustes. Passamos a trabalhar como uma dupla, o ChatGPT e eu”, conta Andressa. “Fomos construindo a prova juntos, ele ia me dando uma base inicial e eu começava a ter ideias”.

ChatGPT e educação inclusiva: encontrando os melhores usos

Não basta acessar as ferramentas e esperar pelo resultado 100% pronto logo na primeira interação. É preciso aprender a conduzi-las. A maior parte das plataformas com esse propósito utiliza inteligência artificial generativa, um modelo que também aprende com o usuário à medida que vai construindo novos conteúdos.

Depois de treinadas, as ferramentas conseguem produzir conteúdos mais precisos de acordo com o que já estão habituadas a fazer. A professora Andressa, contudo, afirma que nenhuma dessas plataformas substitui a validação dela sobre o conteúdo que chega aos estudantes.

“A ferramenta é importante porque reduz o nosso tempo de trabalho, mas ela não substitui o nosso olhar, aquele que só nós temos sobre o nosso aluno. A plataforma me dá sugestões, mas eu tenho que perceber se aquela sugestão que ele me deu funciona para o aluno. Não posso deixar na mão do ChatGPT. Ele acaba sendo a ferramenta, mas o olhar é meu e a adaptação também tem que ser minha”, afirma.

Ela avalia que conhecer a turma é uma característica fundamental, que dificilmente as tecnologias baseadas em inteligência artificial terão, porque requer um nível de conhecimento dos alunos muito maior.

A proposta de “não deixar na mão” da plataforma é uma regra na escola onde Andressa atua. Os conteúdos produzidos com o apoio da inteligência artificial, que têm como foco alunos de inclusão, passam por um núcleo de gestão focado na educação inclusiva. São profissionais especializados nesta área que observam os prós e possíveis riscos do que foi gerado com a ajuda das máquinas.

Além disso, Andressa também trabalha em parceria com professores do AEE (Atendimento Educacional Especializado), presentes nas turmas onde leciona.

“O direcionamento que a inteligência artificial oferece acrescenta muito na hora de desenvolver uma tarefa, quer seja um relatório, uma prova ou a proposta de uma atividade. Isso funciona como base, porque muitas vezes nos falta a ideia inicial, mas depois conseguimos abrir um leque de opções. É como se fosse um empurrão inicial que nos ajuda a diminuir o nosso tempo de trabalho de forma significativa”, argumenta Andressa.

Um olhar de especialista

Deigles Amaro, especialista em gestão educacional no Instituto Rodrigo Mendes, destaca que a inteligência artificial pode contribuir para ampliação de repertório dos professores. Ela afirma que as tecnologias digitais devem ser usadas com o propósito de criar acessibilidade e eliminar barreiras, sejam elas auditivas, visuais, físicas, entre outras.

Contudo, Deigles reforça que docentes devem ter como princípio considerar a singularidade dos estudantes. Sejam pessoas com deficiência ou não, é preciso perceber que elas têm ritmos e formas diferentes de aprender e de estar no mundo.

“Precisamos colocar pontos de atenção: não é falando ‘Que maravilha, temos inteligência artificial!’, nem ‘Meu Deus do céu, a inteligência artificial vai acabar com a humanidade!’. Temos que sair dessa polaridade, mas para fazer um uso consciente e responsável, sempre pensando no desenvolvimento da autonomia intelectual, de ação e de tomada de decisão por mais simples que seja”, ressalta.

A especialista defende que aprender faz parte de um processo relacional: “Pensar a inteligência artificial e a tecnologia em uma ótica relacional também é sempre bem-vindo como algo que nos protege”, pontua.

Além do objetivo de quebrar barreiras e respeitar a singularidade das pessoas, Deigles também destaca que as tecnologias que possibilitam alcançar algo que não seria possível sem auxílio técnico ou de um dispositivo, são bem-vindas.

“Costumamos fazer essa reflexão, de que a tecnologia pode ser contributiva e favorecer a gente a ter funcionalidade, a ter nossa ação no mundo garantida pela ajuda técnica. Nesse sentido, ajuda bastante. Mas a questão da funcionalidade tem a ver com as características da pessoa”, ressalta. Ou seja, incluir a tecnologia sem, contudo, deixar de considerar aspectos pessoais de cada um.

Ao usar o ChatGPT para criar adaptações de provas, a professora Andressa reduziu de 5 para uma hora o tempo gasto elaborando essas provas. A docente adotou um uso consciente dessas ferramentas, mas sempre reforçando que a última palavra está sob posse de humanos: dela e da equipe de gestão de inclusão.

Por: Porvir