Educação Financeira ajuda estudantes dos Anos Finais a planejarem o futuro

Publicado por Sinepe/PR em

Coordenadoras pedagógicas contam como o tema apoiou os alunos a pensarem no caminho profissional e no projeto de vida; saiba como replicar as experiências

“Ele se encontrou como empreendedor e descobriu seu talento”, conta a coordenadora Valdete de Souza, da EM Professora Maria De Lourdes Aquino Sotana, em Naviraí (MS), sobre um dos estudantes de 9.º ano que participou de um projeto sobre Educação Financeira e Empreendedorismo. O rapaz se especializou na produção de itens de resina, que faz para vender.

Ajudar os estudantes a pensarem no futuro profissional e no projeto de vida é uma das funções das escolas nos Anos Finais do Ensino Fundamental, e a Educação Financeira pode apoiar bastante nesse planejamento. Nessa etapa de ensino, o assunto pode ir além do cofrinho e atingir temas mais críticos e menos lúdicos. Abordar o projeto de vida, passando pelo valor do trabalho e por habilidades socioemocionais, é uma dessas possibilidades.

“É importante que os coordenadores pedagógicos trabalhem com suas equipes na construção e manutenção de projetos que vislumbram oportunidades no campo educacional e do trabalho, que sirvam de trampolim para a redução das desigualdades sociais”, ressalta Aline Soares, coordenadora pedagógica, membro do time de formadores da NOVA ESCOLA e consultora dessa trilha de reportagens. Ela explica que é preciso focar no acolhimento dos estudantes dentro das escolas. “Quando eles reconhecem a importância desse lugar, as chances de permanência e sucesso são maiores.”

Formular projetos que tenham relação direta com a realidade deles pavimenta o caminho para que seus sonhos se concretizem no futuro. Para que a estratégia funcione, é papel do coordenador pedagógico promover a ideia de que Educação Financeira tem a ver com planejar racionalmente tudo, e não apenas o uso do dinheiro. Ou seja, ela é útil na hora de organizar o tempo de estudo para uma prova e de traçar metas para longo prazo, como o custeio de uma festa de formatura, por exemplo.

Empreendedorismo e planejamento

Ajudar os alunos a planejar a festa de formatura do 9.º ano e a confraternização de final de ano do 7.º ano foi o foco do projeto de Educação Financeira e Empreendedorismo desenvolvido pelas professoras de Matemática da escola em Naviraí.

Colocando a mão na massa para fazer a arrecadação, os estudantes acabaram descobrindo talentos, além de aprender bastante sobre planejamento. A ideia começou com um livro sobre Empreendedorismo oferecido pela Secretaria Municipal de Educação. Quando o material chegou na escola, lembra a coordenadora Valdete, “ninguém sabia por onde começar ou como aplicar aquele conteúdo.”

Ela procurou ajuda da própria secretaria de Educação e auxiliou as professoras da unidade a adaptarem as temáticas abordadas no material ao currículo da escola e ao perfil dos estudantes. Na sala de aula, as professoras de Matemática perceberam que os alunos do 9.º ano estavam com bastante dificuldade em vender rifas para realizarem a festa de formatura, então, a Educação Financeira e o Empreendedorismo surgiram como formas de solucionar esse problema.

Os alunos, então, passaram a produzir brinquedos de materiais recicláveis, pensando também na sustentabilidade, e a fazer lanches e doces para serem vendidos aos demais estudantes da escola. Nas aulas de Matemática, as professoras os auxiliavam com o fluxo de caixa, calculando quanto tinha sido gasto e arrecadado e quanto faltava para a meta da formatura.

Arethuza Helena Zero, doutora em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora de materiais didáticos sobre Educação Financeira, afirma que planejar a formatura é uma das principais atividades que podem ser desenvolvidas nos Anos Finais para trabalhar a Educação Financeira na prática. Além de possibilitar a compreensão do que é planejamento, os alunos se sentem estimulados pela busca de resultados. Na sua opinião, é possível abordar a temática desde o 6.º ano, construindo um projeto para a turma ao longo dos quatro anos.

Prática que aponta talentos

Na escola em Naviraí, o resultado direto foi excelente, pois os alunos conseguiram dinheiro suficiente para pagarem o salão e a decoração da festa. O mais importante, no entanto, foram os diversos resultados pedagógicos alcançados.

Durante o processo de produzir itens para arrecadar dinheiro, muitos estudantes se descobriram empreendedores. “A gente viu que muitos deles tinham aquele talento dentro de si. O empreendedorismo parecia uma coisa tão distante que até falar a palavra era difícil, não estava no nosso vocabulário, e depois eles foram notando que isso faz parte do cotidiano deles”, conta a professora de Matemática Maria Aparecida Santos. Ela notou que muitos alunos passaram também a valorizar o trabalho de seus pais, como manicures e donos de pequenos negócios, ao perceber que eles são empreendedores.

Além disso, durante o projeto, as professoras abordaram as características do empreendedor, presentes no livro oferecido pela secretaria de Educação. Isso auxiliou os estudantes a se conhecerem, abrindo espaço para trabalhar habilidades socioemocionais, o que se relaciona diretamente com projeto de vida.

Pensando no futuro, os estudantes passaram a ver no empreendedorismo uma forma de conseguir renda, valorizando os estudos. Valdete conta que é comum abandonarem a escola por terem que trabalhar para ajudar a família. Depois do projeto, muitos perceberam que é possível manter os estudos e ganhar dinheiro ao mesmo tempo, se optarem por empreender.

“Muitos alunos, principalmente nas escolas de periferia, já têm esse hábito de vender algo para ajudar as famílias, e começaram a fazer isso com mais planejamento, calculando as vendas e fazendo amostras”, comenta Gabriela Prevedel, coordenadora de área da secretaria de Educação do município. “O projeto foi muito bom para que eles pudessem descobrir qual é o talento deles. Cada um ficou livre para fazer aquilo que sabia e gostava”, nota a coordenadora Valdete.

Mesmo que os alunos não se descubram empreendedores, Arethuza afirma que o tema é relevante para todos. “O empreendedorismo permite que os alunos desenvolvam habilidades e reflitam sobre seus gostos, objetivos, potencialidades e fragilidades. Agir de forma empreendedora é agir de forma proativa. Com isso, o aluno consegue desenvolver suas potencialidades e passar por situações de estresse e frustração”, comenta.

Despertando novos interesses

No Colégio Estadual Estrela Do Sul, em Aparecida de Goiânia (GO), a Educação Financeira e o Empreendedorismo também integraram um projeto realizado com os 9.º anos. Ideia do professor de Matemática, Pedro Mateus dos Reis, logo complementada por um material oferecido pela Secretaria de Educação de Goiás.

A coordenadora da unidade, Edina Vital, que auxiliou Pedro na adaptação do material para a realidade local, acredita que é essencial, antes de mais nada, conhecer os estudantes. “Na nossa escola, eles chegam no 9º ano ainda muito imaturos, aí começamos a questioná-los sobre o que vem pela frente e vamos conhecendo o que eles querem”, comenta.

Edina notou que, depois da pandemia de Covid-19, muitos estudantes passaram a ajudar financeiramente as famílias, o que gerou vontade de “ganhar dinheiro”. Dentro da sala de aula, Pedro percebeu um forte interesse por empreendedorismo e por investimentos.

O professor, então, se preocupou em abordar as temáticas mais interessantes para os estudantes. “Antes, quando eles ouviam sobre o projeto de vida em sala de aula, não mostravam um real interesse”, comenta o professor. Depois de estudarem sobre Educação Financeira, passaram a enxergar o projeto de vida de outra forma.

Mesmo dando aulas de Matemática, Pedro tem formação em Física, por isso também trabalhou temas relacionados à ciência e tecnologia, como empreendedorismo digital. O professor conta que muitos estudantes passaram a se interessar, entre outros assuntos, pelo desenvolvimento de aplicativos, então, cursar o ensino técnico passou a ser uma opção para o futuro.

Além disso, as habilidades socioemocionais entraram no projeto quando o professor falou sobre perfis de investidores, levando os estudantes também a se conhecerem e a refletirem sobre temas como autogestão e tomada de decisão.

Como relacionar Educação Financeira e projeto de vida?

Arethuza nota que todos os exemplos revelam que Educação Financeira leva a fazer escolhas de forma mais consciente. Nos Anos Finais, portanto, é papel das escolas apresentarem aos estudantes as possibilidades de carreira, como ensino técnico, graduação, cursos profissionalizantes e empreendedorismo – desmistificando a ideia de que o último caminho é o mais fácil e não demanda estudo.

“Nesse tema, dá para falar de planejamento, metas de curto, médio e longo prazo. Se eu fizer um curso técnico, quais são as possibilidades que se abrem? Se eu estudar X anos da minha vida, quanto eu posso ganhar a mais em relação a um cenário no qual eu deixei os estudos mais cedo? Essas reflexões ajudam os alunos a entender sobre salário, renda e futuro”, exemplifica a especialista.

Cíntia Diógenes, especialista em gestão escolar e membro do time de formadores da NOVA ESCOLA, orienta que os estudantes devem ser levados a refletir sobre o que gostam de fazer e o que os motiva. “Poucos estudantes na faixa etária dos Anos Finais param para pensar sobre a futura profissão. Eles estão em uma fase na qual não são mais considerados crianças, nem estão naquele clima de Ensino Médio. Nessa etapa, se eles não forem levados a essa reflexão, dificilmente terão essa iniciativa naturalmente”, comenta.

A relação entre Educação Financeira e futuro pode aparecer em diversos componentes curriculares, e é papel do coordenador pedagógico promover essa interdisciplinaridade. “O primeiro passo é se embasar no currículo e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para ver as habilidades que fazem uma conexão entre a Educação Financeira e o que é desejado que o aluno desenvolva como habilidade para o componente curricular”, orienta Cíntia. Nessa etapa, é desafiador engajar os professores em trabalhos interdisciplinares, já que “alguns profissionais acham que não há conexão entre o trabalho realizado no seu componente curricular com o de Educação Financeira”, comenta Cíntia.

A relação entre Educação Financeira, Empreendedorismo e futuro profissional aparece de forma muito forte em História e Geografia, componentes nos quais é possível debater sobre desigualdades do mercado de trabalho, sejam elas regionais, de raça ou de gênero, profissões ao longo da história e diferenças no mundo do trabalho entre países, permitindo a comparação entre economias, exemplifica Arethuza.

Além disso, a temática se relaciona bem com a Matemática, componente no qual é possível trabalhar a organização em planilhas, cálculos de fluxo de caixa e investimentos. Em outros componentes, como Ciências e Artes, temas próprios das competências específicas, como questões culturais e ambientais, podem ser enfocados dentro de projetos de Empreendedorismo.

Por: Nova Escola