Adolescência: como usar características dessa fase a favor da aprendizagem?

Publicado por Sinepe/PR em

Escola deve abrir espaço para estudantes se expressarem e aproveitar potencialidade das mudanças físicas e comportamentais para a construção de aprendizagens significativas

É comum haver relatos de professores sobre as dificuldades em lidar com alunos adolescentes. As características dessa fase, como necessidade maior de autonomia, pertencimento e contestação, chamam muito a atenção dos educadores, mas nem todos conseguem entendê-las e aproveitá-las para a construção de aprendizagens e de novas possibilidades para a escola. Durante a adolescência, há uma série de mudanças físicas e comportamentais, mas como ir além da observação e usar o potencial dessas transformações em prol da Educação?

Adriana Fóz, mestre em Ciências, especialista em Psicopedagogia e Neuropsicologia e pós-graduada em Psicologia da Educação, diz que, em primeiro lugar, é preciso entender a diferença entre puberdade e adolescência. “Puberdade acontece [no âmbito físico], nos hormônios, o que fica evidente porque as características do corpo mudam”, explica. Já a adolescência diz respeito mais ao comportamento, pois há uma alteração nos neurotransmissores. Quando o jovem entra na adolescência, ele já iniciou a puberdade antes.

Do ponto de vista do desenvolvimento humano, esse período é tão específico que tem até uma especialidade médica própria: a hebiatria, subespecialidade da pediatria, chamada de medicina do adolescente. O hebiatra é o médico com especialização para lidar com questões referentes ao crescimento, maturação sexual e outras mudanças físicas típicas dessa fase da vida.

Já na escola, principal ambiente social dos jovens, são os professores que percebem como as mudanças comportamentais acontecem na prática. Oscilações no humor, atitudes desafiadoras, questionamentos em relação à hierarquia, forte apego aos amigos e grande vontade de ser aceito pelo grupo são algumas delas.

“Constantemente, eles não concordam com o que é ensinado ou solicitado, contra-argumentam, querem se impor, negar, não aceitar. São mais questionadores e usam muito o poder do grupo para se tornarem mais fortes”, comenta Adriana. “Em geral, os pais e os professores são considerados chatos. O adolescente até pode respeitar a hierarquia, mas não gosta de se sentir inferior, pois está numa fase potente, em que muitos, inclusive, acham que sabem e que podem tudo.”

O funcionamento do cérebro dos adolescentes

Muitas das características comportamentais dos adolescentes têm explicações neurológicas. Há uma série de alterações cerebrais em andamento durante esse período. O córtex pré-frontal, responsável pelo raciocínio social e pela tomada de decisões, é a última área do cérebro a ser desenvolvida. Mas antes que isso se concretize, o que pode acontecer entre 20 e 28 anos de idade, os jovens já se defrontam com uma série de situações em que essas competências são requeridas. Além disso, o olhar dos adultos nem sempre está calibrado para entender que, apesar de parecerem maduros em alguns aspectos, os adolescentes ainda não têm, literalmente, o cérebro de um adulto.

“De modo geral, eles não possuem tanto autocontrole e não são tão atentos. Um córtex pré-frontal em desenvolvimento mexe com a tomada de decisões e com a ansiedade. É preciso ter um contínuo desenvolvimento de competências, que com o tempo se tornarão mais complexas. Isso envolve controle de impulsos, perseverança, resiliência. No dia a dia, por exemplo, isso ajuda o aluno a se dedicar para conseguir realizar uma prova de um componente curricular em que tem muita dificuldade”, detalha Adriana.

Outro aspecto marcante no comportamento do adolescente é a necessidade de pertencimento. Eles gostam de andar em grupo, se sentem bem entre amigos, quando são aceitos, e querem ter um lugar de respeito em seu grupo social. Além da influência do ambiente no desenvolvimento do indivíduo, que pode variar muito de uma pessoa para outra, a explicação para isso também está no cérebro.

A especialista diz que na região chamada sistema límbico – conjunto de estruturas cerebrais que processam emoções, comportamentos motivados e memória – existe a amígdala, cujo único momento da vida do ser humano em que ela fica super aumentada é na adolescência. “Isso provoca uma super sensibilidade no âmbito emocional. Somos seres mais emocionais na adolescência do que em outros momentos da vida, pois a capacidade de flexibilidade e racionalidade ainda não está bem desenvolvida.”

Portanto, se um adolescente briga com um amigo ou com quem tem interesse romântico, ele pode interpretar isso como uma verdadeira tragédia. Por isso, é importante que os adolescentes tenham adultos de confiança com quem possam compartilhar questionamentos e problemas.

Necessidade de escuta

Mas, se a adolescência tem as suas dificuldades, essa fase do desenvolvimento humano também é a mais repleta de potencialidades. Adriana cita potencial e rapidez intelectual e física, capacidade de processar muitas informações, interesse em uma grande variedade de temas e colaboração.

Para utilizar toda essa potencialidade, é importante que a escola abra espaço para que eles expressem seus pensamentos e se envolvam com causas sociais e coletivas. É o que tem feito a Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Santos, que há dez anos mantém um projeto de grêmios estudantis, que realizam projetos dentro das escolas e nas comunidades.

Giovanna Senna, de 14 anos, aluna do 9.º ano na UME Professora Maria Luíza Alonso Silva, participa do grêmio há quatro anos e há dois preside o órgão. “Ele mudou minha vida por completo porque eu não sabia o que era política anteriormente e tinha dificuldade de me portar em público. Aprendi a falar com as pessoas e desenvolvi um olhar mais empático. Com certeza, o grêmio ajuda muito os alunos.”

Ao compartilhar seus desejos, ela também expressa um senso de coletividade. “Meu sonho é que o mundo seja um lugar mais justo, pacifico e sossegado. E que as pessoas possam ter liberdade de expressão, mais respeito e empatia umas com as outras. Também sonho com um mundo mais sustentável”.

Na mesma cidade, Lucas Lima, 16 anos, aluno do 9.° ano na UME Avelino da Paz Vieira, também faz parte do grêmio estudantil da escola. Quando perguntado sobre as características de uma boa instituição de ensino, fica perceptível a importância que dá ao diálogo horizontal entre todos.

Para ele, a escola ideal seria aquela em que os alunos pudessem dialogar com o professor e aprender por meio dessas conversas, “não apenas ouvindo e copiando”. Outro ponto importante, segundo ele, é o respeito do aluno com o professor e do professor com o aluno, o que considera fundamental para o aprendizado. “Precisamos de um espaço agradável onde todos se respeitem. Fazer perguntas também deve ser mais incentivado, porque assim o aluno não ficaria tão desconfortável e veria que questionar é algo importante para aprender”, completa.

Como lidar com as dificuldades e potencialidades dos adolescentes

Ao entender o que a adolescência significa do ponto de vista da ciência e por quem está passando por ela, os professores podem positivar alguns comportamentos que são considerados como negativos pelo senso comum.

“O adolescente é uma pessoa que aproveita a vida. Tem uma mentalidade jovem, está disposto a olhar diferente para a vida, com otimismo, e não possui tantas responsabilidades ainda”, define a estudante Giovanna. Segundo ela, ser adolescente é “descobrir novas coisas”, mas isso também é um desafio. “É difícil para mim e para alguns amigos descobrirmos o que queremos na vida. Às vezes, somos cobrados por isso muito cedo”.

Evelise Ferreira Pereira é professora de Ciências da Natureza e Matemática na EMEF Prefeito Edgar Fontoura, na rede municipal de Canoas (RS). Ela dá aula para todas as turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental e, por isso, está acostumada a lidar com adolescentes. Em suas observações, ela destaca que, apesar de não quererem mais ser crianças, eles ainda estão aprendendo a sair dessa fase. Portanto, a autonomia deve ser desenvolvida gradativamente.

“Eles gostam do status de serem ‘os grandes’ que estão terminando o Ensino Fundamental. Mas, ao mesmo tempo, ainda requerem uma atenção dos adultos, pois não conseguem se gerenciar completamente sozinhos”, salienta. E não é só na escola que isso acontece, mas na família também. “Às vezes, os pais pensam que os filhos já estão grandes e que conseguem fazer tudo sozinhos. Mas não basta falar ‘você tem que dormir’, por exemplo. É preciso gerenciar a rotina para que eles durmam cedo e não fiquem com sono na aula. Eles ainda não conseguem dimensionar a importância disso”, comenta a professora.

Ela conta que, apesar de ser considerada rígida quanto às regras da escola e à realização de atividades, ela percebe que os alunos gostam de estar em suas aulas. Em 2023, sentia-se particularmente desafiada por uma turma. Mas, no final do ano, ela foi convidada para ser paraninfa na formatura.

“Os alunos me deram presente, fizeram uma surpresa, faixa e coroa. Eu nem acreditei, mas me elogiaram muito. Eles gostam de ver que alguém está se importando com eles, que está ali cobrando porque se importa”, ressalta. “Principalmente nessa fase, temos muita evasão. Alguns alunos acham que não vão precisar da escola e que já vão trabalhar. Eu tento cativá-los mostrando que precisamos deles, que eles têm um grande valor para a escola”, acrescenta.

Valorização e estímulo às competências socioemocionais

Ser valorizado foi algo muito importante para Lucas. Depois de ganhar o concurso “Arte na Capa”, em que um desenho seu foi estampado na capa dos cadernos das escolas municipais da prefeitura de Santos em 2023 e 2024, ele viu surgir um sonho.

“Um dos principais desafios da adolescência é encontrar sua personalidade, seus gostos e estilos. Eu gosto muito de arte, é algo que me deixa maravilhado, e esse gosto surgiu na escola quando ganhei o concurso”, conta. “A arte é uma forma de expressar o que sentimos, botar para fora. Sonho em ser um artista famoso, fazer faculdade de artes e revolucionar de alguma forma a arte no mundo.”

Para Adriana, é preciso entender que, assim como em todas as fases da vida, os seres humanos também são múltiplos na adolescência. Os comportamentos e as vontades podem mudar de acordo com uma série de fatores, principalmente devido à influência do meio e aos estímulos recebidos ao longo da vida. Ela também destaca a importância de incentivar o desenvolvimento de habilidades socioemocionais desde cedo, entre elas, a autonomia.

“Se quando a adolescência chegar o aluno já estiver passando por uma escolarização que cuida das competências socioemocionais, fica mais fácil o jovem respeitar o outro, ser empático e responsável com a sociedade e consigo mesmo”, finaliza.

Por: Nova Escola