Altas temperaturas ampliam a urgência de discutir racismo ambiental em sala de aula

Publicado por Sinepe/PR em

Crise climática tem escancarado diferentes níveis de impactos na vida das pessoas e a escola é um lugar importante para refletir sobre isso. Confira recomendações para debater o assunto.

O calor está de matar. O mundo enfrenta atualmente altas temperaturas, que colocam em risco a saúde de muitas pessoas. A depender do local onde se vive, sente-se mais ou menos os efeitos causados pela crise climática que assola o planeta e que é responsável pelo aumento do calor.

Classe social, raça e renda influenciam na possibilidade de se prevenir de desastres causados pelo clima. Geralmente, as áreas mais afetadas por enchentes, deslizamentos e criação de ilhas de calor são as habitadas por pessoas pobres, pretas, periféricas, ribeirinhas e indígenas.

O termo racismo ambiental surgiu há aproximadamente 50 anos e foi cunhado pelo químico Benjamin Franklin Chavis Jr., liderança dos movimentos pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos e assistente de Martin Luther King Jr. Ele usa da intersecção entre classe e raça para observar como os impactos da crise climática geram injustiça, sobretudo para pessoas não brancas.

“Vejo com grande importância a abordagem do tema nas escolas, visto que a crise climática é o maior desafio que vivemos hoje enquanto sociedade”, aponta Lara Martins, pesquisadora em Governança Climática na Justus Liebig University Giessen, professora convidada na PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).

Lara reforça que olhar para a crise climática é, ao mesmo tempo, refletir sobre ações do passado e igualmente pensar em estratégias para o futuro. “Abordar o fato na escola é trazer o tema para perto das próximas gerações e garantir que ninguém fique para trás, como diz a Agenda 2030”, complementa, em referência ao compromisso global coordenado pela ONU (Organização das Nações Unidas), para colocar o mundo em um caminho mais sustentável até 2030.

No dia 21 de março, celebra-se o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. A data, cujo intuito é reconhecer a batalha e as conquistas de direitos sociais para todas as raças, é uma oportunidade para levar o conceito de racismo à sala de aula e planejar atividades relacionadas ao tema. Confira os destaques da entrevista com Lara Martins:

Porvir: Por onde professores podem começar a explicar o conceito de racismo ambiental?

Lara Martins: Os professores podem começar o seu estudo para levar aos alunos o conceito de racismo ambiental lendo autores negros. Dessa forma, eles terão acesso ao histórico e as definições do termo e sua contextualização local. Neste ponto, vale ressaltar, uma mudança estratégica do movimento negro no Brasil realizada no termo tentando evitar o uso da palavra “racismo”. Chamamos hoje de Justiça Climática, uma forma de não esvaziar a pauta. Para a sala de aula, eu traria exemplos próximos do público. No Rio de Janeiro, por exemplo, há a campanha “Rio de Janeiro não é Disney. Em seguida, eu sugiro que os professores incentivem uma pesquisa de campo seguida de discussão para estimular o raciocínio crítico dos alunos deles ao reconhecerem algum desses exemplos em suas realidades.

Porvir: Quais estratégias podem ser adotadas para que os educadores, primeiramente, reconheçam a importância deste tema na escola?

Lara Martins: Vejo com grande importância a abordagem do tema nas escolas, visto que a crise climática é o maior desafio que vivemos hoje enquanto sociedade. Iniciamos falando de “mudanças climáticas” e hoje pela urgência da ação e a situação alarmista, denominamos crise. E a crise afeta todo o mundo de diferentes formas. Ela fala das ações da humanidade no passado, mas também fala do futuro, das gerações futuras. Sendo assim, abordar o fato na escola é trazer o tema para perto das próximas gerações e garantir que ninguém fique para trás, como diz a Agenda 2030. Além disso, o feito está muito alinhado com uma iniciativa das Nações Unidas e outros parceiros chamada “Empregos Verdes”. Ela visa preencher a lacuna de habilidades para jovens em países em desenvolvimento e aborda setores vulneráveis ao clima.

(Empregos verdes é um termo que se refere à iniciativas que unem mercado de trabalho, produção de energia e temas ambientais)

Porvir: O racismo ambiental não apenas reforça injustiças sociais, como também as perpetua. De que maneira as escolas podem, ativamente, pensar em projetos que visam combater essa realidade?

Lara Martins: Por meio de projetos interdisciplinares que abordam questões ambientais e sociais, é possível trazer a interseccionalidade do tema racismo ambiental com justiça social. Nesse sentido, vale verificar a possibilidade de parcerias com ONGs locais. Aos professores, além de leituras e formações continuadas sobre o tema, podem ser oferecidos grupos de estudos e participação em eventos.

Porvir: Que tipo de formação é necessária para que um docente saiba pensar em ações, projetos e atividades que façam os estudantes pensar sobre esse tema?

Lara Martins: Tudo isso pode ser feito por meio de workshops e palestras com especialistas na área. Formatos curtos ou longos, como vídeos ou oficinas funcionam. Trazer dados também é muito importante e a realidade de cada escola.

Porvir: Como o racismo ambiental e a crise climática estão conectados?

Lara Martins: Estes dois temas estão intrinsecamente conectados em uma interseccionalidade entre as desigualdades sociais e impactos ambientais. É crucial reconhecer que as comunidades marginalizadas e de baixa renda sofrem de maneira desproporcional os efeitos negativos da degradação ambiental e das mudanças climáticas. Estas comunidades muitas vezes são relegadas a viver em áreas próximas a fontes de poluição, enfrentando uma série de desafios que vão desde problemas de saúde até a perda de meios de subsistência durante eventos climáticos extremos.

Porvir: Qual o papel das escolas na junção desses temas?

Lara Martins: As escolas desempenham um papel vital na abordagem desses problemas. Ao integrar a educação ambiental de forma inclusiva em seus currículos, as escolas podem não só fornecer conhecimento acadêmico, mas também promover discussões abertas sobre justiça ambiental e social. Além disso, ao criar ambientes escolares inclusivos e promover o engajamento comunitário, as escolas capacitam os alunos a se tornarem ativistas em suas comunidades. Ao abordar o racismo ambiental e a crise climática de maneira integrada, as escolas não apenas contribuem para a formação de cidadãos conscientes, mas também desempenham um papel fundamental na construção de sociedades mais justas e sustentáveis.

Por: Porvir