Jogos e cursos gratuitos para atrair e inspirar meninas nas ciências

Publicado por Sinepe/PR em

Iniciativa da Unesco, #EDUCASTEM2030 reúne produtos pedagógicos para incentivar o ensino da abordagem STEM e formar jovens cientistas

Como você imagina uma pessoa que faz ciência?” A pergunta disparadora das oficinas da professora Luísa Maria Diele-Viegas com estudantes de diferentes regiões brasileiras costuma sempre receber a mesma resposta: um homem branco, de meia idade, com os cabelos grisalhos, personalizados na clássica imagem do físico alemão Albert Einstein. A fim de romper o imaginário sobre esse estereótipo, Luísa convida os alunos para um jogo da memória. As fichas trazem apenas figuras femininas – de nomes históricos, como o da matemática Ada Lovelace e da química Marie Curie, às biografias de quem está escrevendo a história nas diferentes áreas científicas.

Entre as cartas, está a de Erilsa Pataxó. Vice-cacique da Aldeia Mãe Barra Velha, do povo Pataxó, na Bahia, é formada em licenciatura intercultural e leciona ciência e matemática na educação básica indígena. Luísa levou a dinâmica ao Colégio Estadual Indígena Kijētxauê Zabelê, no município de Prado, extremo sul baiano, comunidade indígena composta por 57 famílias, em torno de 190 pessoas.

Ao ver a história de Erilsa, uma das alunas chorou. “Ela me disse que sempre gostou muito de matemática e não imaginava que uma menina poderia seguir nessa área, ainda mais indígena. Mas ela conseguiu se reconhecer ali.”

O Jogo da Memória, que acaba de ganhar uma versão online, é um dos produtos do projeto #EDUCASTEM2030, iniciativa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) de mobilização pela educação de meninas e mulheres nas áreas STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática) no Brasil. Entre as homenageadas, estão Enedina Alves Marques, primeira mulher negra a se formar em engenharia no Brasil, e Jaqueline Góes de Jesus, que integrou a equipe que realizou o sequenciamento genético do novo coronavírus nos primeiros casos de COVID-19 na América Latina.

“No jogo, listamos mulheres negras, indígenas, com deficiência, sempre tentando abraçar a maior diversidade possível”, conta Luísa, uma das autoras, pela Rede Kunhã Asé de Mulheres na Ciência, da qual é fundadora. “Nosso objetivo é promover a entrada e a permanência de mulheres e grupos sub representados no ambiente acadêmico”, diz Luísa, que também é doutora em ecologia e evolução e integrante da OWSD (Organização para Mulheres na Ciência para o Mundo em Desenvolvimento, da qual fazem parte 178 brasileiras.

Por mais meninas nas ciências

Em andamento no Brasil desde 2022, o #EDUCASTEM2030 – “Movimento Global de Meninas e Mulheres na Educação e Carreira STEM para Sociedades Inclusivas e Sustentáveis” quer aproximar a abordagem STEM da escola e quebrar os estereótipos de que as ciências são apenas para meninos.

O documento base do projeto aponta que as diferenças de gênero em detrimento das meninas na participação na educação em STEM ainda são visíveis na educação infantil, e se tornam ainda mais explícitos nos níveis de ensino seguintes. No ensino superior, as mulheres representam apenas 35% das matrículas em STEM, percentual ainda menor nas engenharias (de produção, civil e industrial) e na área de tecnologia, não chegando a 28% do total.

Uma recente pesquisa da iniciativa Força Meninas, intitulada “Meninas curiosas, mulheres de futuro”, mostra ainda que 62% das alunas brasileiras não conhecem nenhuma mulher que trabalhe na área.

Prioridade global da Unesco, a igualdade de gênero está ligada aos direitos à educação. Por isso, o #EDUCASTEM2030, ligado aos pilares da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, quer contribuir para a sensibilização e a transformação, por meio de uma abordagem pedagógica da escola, a partir do estímulo aos projetos de vida de meninas e meninos.

Produtos pedagógicos

Além do jogo da memória, a página do #EDUCASTEM2030 oferece outros conteúdos, como um livro de colorir com mulheres inspiradoras e, em breve, um aplicativo para celular inspirado no Jogo da Vida. “Essa é uma estratégia muito importante do projeto: fazer com que as meninas reconheçam que temos mulheres de múltiplas diversidades de múltiplas interseccionalidades que se assemelham a cada uma delas, que seguiram carreiras científicas”, explica Mariana Braga, oficial de programa do setor de educação da Unesco.

“O material não é restrito aos territórios nos quais formalizamos parcerias. É uma possibilidade de outras redes de ensino trabalharem na perspectiva de quebrar estigmas, preconceitos e fazer com que elas percebam que podem, sim, seguir no caminho da abordagem STEM”, afirma.

Para marcar o Dia Internacional da Mulher em 2024, acaba de ser lançado o documentário “Her education, our future” (“A educação delas, nosso futuro”, em tradução livre), que acompanha a trajetória nas ciências de quatro jovens de três continentes: Anee do Paquistão, Mkasi da Tanzânia, e Fabiana e Tânia, do Brasil. Elas participaram da primeira turma do curso curso Jovem Líder (Young Leader) #EDUCASTEM2030.

Baianas das cidades de Catu e Ilhéus, respectivamente, Fabiana Machado de Souza é estudante do ensino médio, e Tainá Caldas cursa engenharia de produção. Ambas têm 19 anos e creditam ao curso o aprendizado sobre mulheres inspiradoras nas ciências e as possibilidades da abordagem STEM.

“O curso do #EDUCASTEM2030 me inspirou a fazer seguir na área científica. Estudar produção tem sido uma das minhas melhores experiências e decisões”, diz Tainá. “O espaço para interação via internet foi encorajador, pois podíamos conversar enquanto aprendíamos, tornando-o acessível devido à dificuldade de locomoção. Refleti sobre a importância das meninas na ciência e como o tema é relevante para o contexto em que vivo, descobrindo uma nova perspectiva e me posicionando diante das situações”, comenta Fabiana, que atualmente é líder estudantil.

Uma nova edição do curso para jovens líderes está prevista para este ano, em parceria com as secretarias estaduais de educação de São Paulo, Paraná, Alagoas, Amazonas e Distrito Federal, informa. Já o curso online Formação Docente STEM, aberto e gratuito, recebe inscrições contínuas, em qualquer período do ano. Autoinstrucional e com 20 horas de duração, a proposta está no enfoque em equidade de gênero e práticas transdisciplinares. Mais de 15 mil pessoas, de comunidades indígenas e em situação de vulnerabilidade e baixa renda, já passaram pela formação.

“Ao final de cada curso, professores e alunos devem implementar um projeto dentro da escola. Com isso alcançamos cerca de 3 mil estudantes. Muitas escolas seguem com as ações que quebram estigmas, preconceitos, papéis sociais de gênero e mostram para as meninas que elas podem seguir também as carreiras científicas”, comenta Mariana.

Recomendações para professores

Luísa Maria Diele-Viegas listou três sugestões para trabalhar as trajetórias das cientistas em sala de aula:

  • Busque exemplos de cientistas para além do clássico, que não garantem a representatividade.
  • Atualize-se sobre quem tem feito ciência no Brasil e traga materiais relacionados para a sala de aula.
  • Utilize recursos educacionais abertos, como os oferecidos pela Unesco (jogos, livros de pintura e aplicativo), para trabalhar com a diversidade. Esses materiais não só tornam o aprendizado mais interativo e divertido, como também apresentam as ciências através de uma lente inclusiva com múltiplas perspectivas, permitindo que cada aluno veja um reflexo de si mesmo no mundo científico.

Por: Porvir