Os riscos da ausência de limites e da negligência afetiva

Publicado por Sinepe/PR em

Jacir J. Venturi, do Conselho Estadual de Educação do Paraná, por 48 anos atuou como professor ou diretor do Ensino Médio, de escolas públicas e privadas, também como professor da UFPR, PUCPR e Universidade Positivo. Autor de livros.

Educar um filho é a missão mais nobre e uma das mais árduas e desafiadoras. Amar os filhos significa impor limites e disciplina para preparar o educando para os desafios da vida adulta. Os limites precisam ser claros, consistentes e previamente combinados para que a criança ou o adolescente saiba o que pode e o que não pode. Pais e mães permissivos, filhos abusivos – é um mote da sabedoria popular. Imprescindível é dar a segurança do amor ao rebento, nutri-lo afetivamente, lembrando que importa mais a qualidade do afeto que a quantidade de tempo disponível. Afinal, a paternidade ou a maternidade responsável é uma missão e um dever aos quais não se pode furtar, amiúde, não raramente, veem-se filhos órfãos de pais e mães vivos. Negligência afetiva se caracteriza quando se é em demasia concessivo, tíbio e ausente, em vez de assertivo, intenso e proativo na relação com o filho ou a filha.

Afeto e limites são como pratos distintos de uma balança, na qual se busca um saldo equilibrado: no dia a dia, há horas em que prevalece a convivência prazerosa e há horas em que a prevalência deve ser das obrigações. Assim como um rio não existiria sem que as margens balizassem ou limitassem o ímpeto de suas águas, também não haverá adulto responsável, solidário, bom cidadão e bom filho sem os limites bem definidos – e obedecidos – na infância e na adolescência.

Para os filhos, desde muito cedo, somos modelos. Eles compreenderão nossa árdua labuta pela sobrevivência profissional e para o importante papel de provedores. Apesar das elevadas exigências da vida contemporânea, é possível ajustar os deveres familiares com as obrigações profissionais. Sim, é necessário renúncia, ou seja, significa menos convivência com amigos, menos telas e mídias sociais, menos academia e menos lazer. O dia foi extenuante, mesmo assim podemos ir além para atender as obrigações. A escritora e psicóloga Rosely Sayão é enfática: “O mundo mudou muito e as crianças, também. Só uma coisa não mudou: elas continuam a necessitar da presença cuidadora, reguladora, protetora e atenciosa dos adultos.”

Crianças (em especial) e adolescentes necessitam de uma rotina bem estabelecida:
1) sono reparador em ambiente silente, sem interferências de telas ou outros gadgets eletrônicos;
2) alimentação saudável (com proteínas, frutas, verduras), a mais variada possível, para que o organismo metabolize todos os nutrientes necessários;
3) prática de esportes, pois desenvolve a sociabilização, as habilidades motoras e cognitivas;
4) hábitos de higiene e cooperação com as tarefas de casa, importante para o desenvolvimento da autonomia e de uma boa convivência social;
5) e os estudos, obrigação primeira, por isso é preciso estabelecer horários fixos, em ambiente apropriado com mesa, cadeira, rascunhos, distante dos eletrônicos não absolutamente necessários. A escola deve ser valorizada não só em razão da aprendizagem dos conteúdos, mas pelos valores, pela convivência com a diversidade, pela solução de conflitos, etc.

Em minha experiência profissional como professor e diretor de escolas, muito chamou atenção o grande número de pais e mães superprotetores e excessivos na concessão de benesses aos filhos, atitudes limitadoras para o desenvolvimento da autonomia e sociabilização. Cheguei a ter ímpetos de fincar uma tabuleta no gramado em frente ao prédio escolar, com palavras bem singelas: “Amem mais os seus filhos, não facilitem demais as coisas para eles”. Ou, até mesmo, afixar uma faixa com palavras e símbolos bem estilizados: “+ brincadeiras e – telas”. Talvez lhe pareça ridículo, caro leitor ou leitora: tabuleta? faixa? Sim, para os tempos atuais pode parecer antiquado, demodê, mas é para chamar atenção em meio a tanta algaravia eletrônica.

E ninguém se aposenta do papel de pai e mãe: é como ter um segundo coração, um coração fora do seu corpo. Bem oportuna é a frase de Ray Dalio, em seu best seller intitulado Princípios: “Ter filhos é uma decisão difícil e irrevogável.” Seguramente, filhos nos tornam pessoas melhores, eles vêm para serem nossos professores. Não os ter já é uma opção de muitos casais, bem respeitada, sejam quais forem as motivações. No Brasil, a taxa de fecundidade em 2022 foi de 1,6 filho, quando a taxa de reposição é de 2,1. Não faz tempo, em 1960, a taxa de fecundidade era de 6,1.

Para finalizar, quem merece toda a nossa reverência, ninguém mais, ninguém menos que José Saramago, Nobel de Literatura em 1998 e Prêmio Camões em 1995, falecido em 2010: “Filho é um ser que nos foi emprestado para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo.”

*Jacir J. Venturi, do Conselho Estadual de Educação do Paraná, por 48 anos atuou como professor ou diretor do Ensino Médio, de escolas públicas e privadas, também como professor da UFPR, PUCPR e Universidade Positivo. Autor de livros.

Por: Hoje Paraná