Inove para conquistar a atenção dos alunos no início das aulas

Publicado por Sinepe/PR em

Aposte em soluções criativas para lidar com a distração ou a impaciência da turma logo nos primeiros minutos em sala

Redes sociais como Instagram e TikTok estão repletas de conteúdos que viralizam na internet e que facilmente caem nas graças de crianças e adolescentes. Pensando nisso, a professora Jéssica Machado dos Santos teve uma ideia para fisgar a atenção dos seus alunos dos Anos Finais já nos primeiros minutos de aula: fazer chamadas divertidas.

Em uma delas, em vez de responder “presente”, cada aluno deveria citar uma frase de um meme de sua preferência. “É um momento muito divertido, eles adoram, e sinto que nos aproxima bastante”, conta a educadora, que leciona Geografia na EE Professora Irene Dias Ribeiro, em Ribeirão Preto (SP).

Antenada ao que os estudantes falam no dia a dia escolar, Jéssica percebeu que as chamadas divertidas poderiam ajudá-la a driblar a euforia dos alunos ao começar uma nova aula. “Lidar com essa agitação é o meu maior desafio, principalmente porque na escola onde eu trabalho são eles [os alunos] que trocam de sala, e a cada troca há muita movimentação. Isso dura cerca de dez minutos e eu aproveito para fazer a chamada e organizar a sala junto com eles, porque, se eu parar, eles se dispersam”, explica ela, que foi uma das participantes da websérie ProfessoreZ, sobre professores inovadores, da NOVA ESCOLA.

Tetracampeão do Prêmio Professor Nota 10, do Instituto Alpargatas, e eleito Educador do Ano pela 24.ª edição do Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita, Linaldo Oliveira também aposta em soluções criativas para lidar com a falta de ânimo nas primeiras aulas e a impaciência da turma nas últimas. “Sempre começo com um método mais ativo, geralmente relacionado a brincadeiras que fazem os alunos rirem logo de cara”, afirma o professor, que dá aula de Ciências na EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo, em Mogeiro, no interior de Pernambuco.

Ele conta que dedica um bom tempo a montar apresentações no formato PPT [slides produzidos pelo sofware Microsoft PowerPoint] com elementos cômicos, como animações em GIF com personagens de filmes, séries e desenhos para chamar a atenção das crianças para os conteúdos. “Percebo que isso vai quebrando o clima de desânimo ou cansaço da sala, e então eu começo a perguntar como eles estão. Essa interação faz toda a diferença”, reforça.

Intencionalidade pedagógica e escuta ativa
Apesar de não existir uma receita pronta para conquistar os alunos nos primeiros minutos de aula, algumas pistas indicam o melhor caminho para alcançar esse objetivo. E o ponto de partida é ter intencionalidade pedagógica. É o que defende Verônica Gomes, doutora em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com ênfase em Aprendizagem Criativa e coordenadora da frente de Adoção Sistêmica da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa.

“O protagonismo do aluno está mais evidente em aulas em que há mais abertura, em que ele está mais à frente do processo, mas isso só é possível quando existe um planejamento muito bem realizado pelo professor e uma intencionalidade pedagógica bastante clara. Toda condução, mediação e intervenção que o professor vai fazer precisa estar muito bem planejada e registrada”, ressalta.

Com isso em vista, o professor pode partir para outras ferramentas que irão ajudá-lo a traçar as melhores estratégias. De acordo com a especialista, avaliações diagnósticas e escuta ativa dos estudantes são excelentes estratégias para dar condições para que o professor possa desenvolver atividades que garantam aos alunos essa atuação protagonista, pois é por meio delas que o educador conseguirá mapear os pontos cruciais para a realização desse trabalho.

“Quando o professor conhece seus alunos e sabe quais são seus interesses, cria-se um espaço de escuta real, em que o que eles falam é levado em consideração. Quando ouve e considera, o professor valoriza essa experiência de interação entre os alunos”, acrescenta Verônica.

Ela reforça, ainda, que as avaliações diagnósticas e a escuta ativa são ferramentas que contribuem para que cada vez mais as propostas sejam realmente interessantes para os estudantes. “Há o objetivo didático pedagógico do professor, mas o objetivo do aluno é desenvolver atividades que se alinhem aos seus interesses pessoais. E é possível ajustar o currículo a esses interesses quando existe uma boa contextualização das atividades”, completa.

Para a professora Jéssica, ouvir a turma é uma prática que faz toda a diferença no seu planejamento. “Fazer com que eles participem da construção das aulas, dando sugestões, opiniões e feedbacks, é essencial para melhorar a aprendizagem deles. É um desafio, mas é bem gratificante quando eles falam das aulas. Por isso, sempre pergunto o que acharam da aula anterior, questiono o que entenderam, se ficaram dúvidas. Só assim consigo trazer melhorias para a sala de aula. Nas minhas aulas, eles são protagonistas, e isso tem dado muito certo”, conta.

O professor Linaldo acrescenta que ouvir os estudantes e analisar seus níveis e dificuldades é crucial para o processo de engajamento. “Geralmente, após as primeiras atividades de diagnóstico, costumo conversar com os alunos sobre as principais dificuldades que tiveram na resolução [de uma problema]. Depois busco mudar a organização das atividades, que passam a assumir um caráter mais ativo. Isso os atrai de forma mais intensa e permite que a minha metodologia abranja um número muito maior de habilidades dos meus alunos, incluindo também a diversidade existente em sala de aula”, observa o educador.

Criatividade e inovação para ganhar a atenção da turma
Atrair a atenção de uma geração acostumada a tantos estímulos exige uma boa dose de criatividade e inovação. Por isso, esses conceitos não podem ficar de fora dessa abordagem. Mas onde e como o professor pode buscar ferramentas para inovar no início das aulas?

“Não existe um único caminho. O professor precisa ter abertura para entender que ele não precisa ser um herói solitário, que tem de dar conta de tudo, principalmente em relação à inovação tecnológica. Se a gente assume uma postura em que conseguimos enxergar o potencial pedagógico, mas não temos tanta fluência para usar determinada ferramenta, é importante estar aberto para ter a segurança de contar, inclusive, com a ajuda dos alunos”, afirma Verônica.

A especialista cita que, atualmente, existem muitos projetos usando, por exemplo, TikTok e Instagram como ferramentas pedagógicas para além do livro didático e da lousa. Nesses casos, segundo ela, os alunos dão outro sentido para os recursos e o professor consegue desafiá-los a produzir conteúdos curriculares. “Essa é uma forma bastante desafiadora e instigante de motivar os alunos, mas o professor não precisa saber de tudo sozinho. Ele precisa ter uma visão do potencial pedagógico. Aí entra a intencionalidade pedagógica”, frisa.

Mas é também possível fazer muitas atividades instigantes sem o uso de aparelhos tecnológicos. O professor Linaldo tem uma lista de jogos e brincadeiras para despertar o interesse dos estudantes. Ele conta que uma prática interessante e que dá muito certo é o Show do Milhão.

“Com o passar dos anos, vi que meus alunos não estudavam muito para as aulas de revisão e não surtia efeito ensinar em uma aula o que eu ensinei em quatro – era extremamente enfadonho para eles. Então eu desenvolvi o Show do Milhão, em que monto a estrutura do programa da TV [exibido pelo SBT]. As perguntas são conduzidas de acordo com os assuntos. Eu divido a turma em equipes, tem uma pontuação extra para a prova, e a equipe que vence nas respostas ganha os pontos extras. Eles simplesmente adoram”, explica.

Além disso, o educador também se inspira em diversos programas de TV para conduzir aulas sobre temas específicos. Ao falar, por exemplo, sobre vírus, ele monta pequenos consultórios médicos com os alunos. Divididos em grupos, eles recebem um laudo diagnóstico, e a aula toda segue inspirada no seriado norte-americano Grey’s Anatomy. O desafio proposto é adivinhar a doença em questão e pensar no tratamento mais adequado.

Em outra situação, quando deu uma aula sobre DNA, Linaldo recriou o quadro “Quem é o pai”, do programa do apresentador brasileiro Ratinho no SBT, porque os alunos conheciam e gostavam. Nas aulas de fermentação, ele recriou o MasterChef, reality culinário da Band, e propôs um concurso de pão e iogurte entre os estudantes. “Esse estímulo de competição sempre foi muito bom para fazer com que se interessassem logo de início pelo conteúdo”, sustenta.

Exemplos como o do professor Linaldo mostram que, muitas vezes, a criatividade é mais sobre pensar e fazer diferente do que usar uma tecnologia de ponta. “Percebemos que existem tantos projetos com abundância de ferramentas e tecnologias de última geração, mas com uma estratégia metodológica extremamente instrucionista, passiva, e que subestima a inovação. Em outros momentos, percebemos que há professores com visão inovadora e que conseguem fazer muito com pouco recurso, fazendo a diferença porque a sua abertura para trabalhar de forma colaborativa, para contar e ouvir o outro, é maior do que a falta de recursos. São estratégias que geralmente levam ao êxito”, diz Verônica.

Adriana Sousa, articuladora da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa no Núcleo Bahia e professora de Matemática no Centro Juvenil de Ciência e Cultura, em Vitória da Conquista (BA), complementa ao afirmar que os professores precisam tomar consciência de que a sala de aula é um espaço onde é possível potencializar o desenvolvimento da criatividade.

“Podemos trabalhar um determinado conceito, mas também podemos oferecer opções para que o estudante possa, por exemplo, expressar o que aprendeu em uma linguagem diferente. Ele pode criar um meme relacionado àquilo que aprendeu, um vídeo de um minuto para ser divulgado no TikTok ou no Instagram, pode criar uma apresentação em slides. Podemos proporcionar um espaço de criação coletiva de uma história, uma tirinha etc.”, exemplifica.

Ainda sobre a criatividade, a educadora observa que toda vivência cotidiana pode ser levada para a sala de aula, seja um trecho de filme, uma experiência de Ciências, uma notícia de jornal, algo que tenha repercutido em uma rede social, um meme, e assim por diante.

Verônica, por sua vez, comenta que, nesse processo, os erros do professor também precisam ser levados em conta. “Na aprendizagem criativa, valorizamos muito o erro do aluno, mas também o erro do professor. Uma intervenção pedagógica que não teve o resultado esperado pode ser o combustível perfeito para ressignificar e enxergar qual foi a estratégia ou o que causou aquele resultado não esperado e o que precisa ser feito e modificado”, finaliza.

Mais 4 dicas para conquistar a atenção dos alunos

  1. Esteja atento à formação continuada
    Ampliar as opções de metodologia e recurso para utilizar no dia a dia para que a sala de aula não fique repetitiva é algo que, muitas vezes, advém da formação continuada. O professor precisa saber utilizar, isto é, ter intencionalidade pedagógica ao decidir usar um meme, uma história em quadrinhos, rotação por estações, jogos etc.
  2. Ouça o que os alunos dizem
    A escuta é a primeira e principal dica para nortear a prática pedagógica no começo das aulas. A partir disso, você conhecerá sua turma e terá elementos para elaborar estratégias para despertar o interesse das crianças.
  3. Aposte no afeto
    “O estudante não é uma peça da sala de aula, ele é uma pessoa que tem sentimentos, envolvimento. A gente desperta essa conexão porque temos sensibilidade com nossos alunos. Esses são elementos essenciais para a gente estabelecer um engajamento, uma conexão com os alunos”, diz Adriana.
  4. Inspire-se por meio dos colegas
    Utilize ferramentas e plataformas, como a própria NOVA ESCOLA, em que outros professores compartilham práticas exitosas. “O professor pode se inspirar em práticas de colegas, especialmente naquelas que já estão publicadas para poder dar o seu tempero, fazer uma ‘remixagem’, como falamos na aprendizagem criativa, adequando-as à sua necessidade e seu interesse”, sugere Verônica.

Por: Nova Escola