Posicionamento da Federação Nacional das Escolas Particulares sobre a proposta do MEC

Publicado por Sinepe/PR em

Em relação aos resultados da consulta pública estabelecida pela portaria n. 399/2023

Em atenção ao prazo estabelecido pelo Ministério da Educação para a avaliação e reestruturação da política nacional do Ensino Médio, determinada pela portaria n.399/2023, a Federação Nacional das Escolas Particulares, representada pelo seu Presidente, Antonio Eugenio Cunha, vem respeitosamente apresentar as suas considerações.

1) Sobre a ampliação da carga horária da Formação Geral Básica (FGB), passando das atuais 1.800 horas para 2.400 horas (ou 2.200 horas para cursos técnicos), ficando o restante do tempo voltado para os itinerários formativos, agora chamados de percursos de aprofundamento:

A sugestão parece prematura, uma vez que a implementação da reforma do Ensino Médio começou apenas em 2022 e, portanto, acabou de completar seu primeiro um ano e meio de existência. Ainda não foi fechado um ciclo inteiro dessa proposta. Os estudantes que começaram a cursar o Novo Ensino Médio no ano passado estão agora na metade da 2.ª série. Para compreendermos se a carga horária é ou não suficiente, precisamos vivenciar um ou até mesmo dois ciclos completos com a FGB que temos hoje.

Àqueles que argumentam que a Formação Geral Básica atual também é insuficiente para que os alunos tenham um bom desempenho no Enem, esclarecemos que o exame não pode e não deve se manter tal como conhecemos. Ou seja, à medida que o Ensino Médio se modifica, a avaliação também é repensada. Com essa reformulação, que poderia dividir a prova em duas etapas – a primeira em torno do que estiver dentro do currículo obrigatório e a segunda acerca dos itinerários -, os alunos estariam preparados para o Enem.

O que não foi discutido ainda seriamente por órgãos oficiais, entidades, educadores e a sociedade em geral é o fato de termos um currículo de Ensino Médio inchado, hipertrofiado e, ao mesmo tempo, estreito, por ser padronizado, único e igual para todos. Seria ainda possível dizer que esse mesmo currículo é adoecedor, pois soterra o estudante em uma avalanche de informações e conteúdos que não fazem sentido para ele.

Os alunos não precisam absorver uma enciclopédia inteira no Ensino Médio. Até porque não estamos mais em uma época de escassez de conhecimentos fora da escola. Muito pelo contrário.

Urge rever a pertinência de todo o conteúdo ensinado nesse segmento e a análise é de que largas fatias dele não cabem nesse contexto. Não é papel da escola antecipar aquilo que deveria ser ensinado nas graduações, por exemplo, como tem se feito hoje. E isso precisa ser discutido, debatido e até mesmo vivido para só depois então fecharmos o diagnóstico da insuficiência ou não da atual carga horária da FGB.

2) Sobre a definição dos saberes que precisam ser contemplados na Formação Geral Básica, incluindo agora espanhol (alternativamente), arte, educação física, literatura, história, sociologia, filosofia, geografia, química, física, biologia e educação digital:

O tempo é algo tão precioso quanto inelástico, tanto para as instituições como para cada estudante. Não há dúvida sobre o mérito das escolas de tempo integral, desde que as ementas, jornadas ou diárias e semanais tenham como foco prioritário a qualidade e relevância do que esteja sendo proposto. É direito de cada um o acesso a uma escolaridade pertinente e interessante. Não é razoável que lhe sejam impostas ementas ou cargas descabidas.

O aumento ou a manutenção de uma grande quantidade de disciplinas e componentes curriculares acaba por produzir uma abordagem superficial de todas elas, com pouco aprofundamento naquilo que importa. Na medida em que transformamos a FGB em “um pouco daquilo tudo para todos”, limitamos e retardamos o momento de o aluno fazer escolhas e se aprofundar no que é do seu interesse.

O retorno da fragmentação acima parece ser um sintoma de disputa por carga horária que não considera o legítimo interesse dos estudantes. Esse tipo de encaminhamento não se inspira naquilo que é melhor para o estudante, mas sim no que é mais conveniente para as escolas, para os professores, para quem produz material didático e para quem organiza uma avaliação em larga escala ao fim do processo. É um sintoma de resistência do mundo adulto para com os nossos jovens.

3) Sobre a redução do número de itinerários formativos, que agora passariam a se chamar percursos de aprofundamento e integração de estudos.

Em relação a essa nova configuração, que traria apenas três percursos (Linguagens, Matemática e Ciências da Natureza; Linguagens, Matemática e Ciências Humanas e Sociais; e Formação Técnica e Profissional), é importante ressaltar que, para que a experiência escolar tenha relevância e pertinência aos olhos do estudante, para que ela seja plena de significado e o aluno queira, de fato, ficar na escola, a instituição de ensino precisa dialogar com o que cada jovem enxerga para a sua perspectiva de vida.

Estamos falando aqui sobre o mundo do trabalho. Conceber os itinerários formativos a partir dessa lógica é uma boa solução para que os estudantes não só vejam sentido naquilo que aprendem no Ensino Médio, mas também comecem a exercitar seus critérios de escolha. Ensinar a escolher e, ao mesmo tempo, a renunciar também deveria ser uma atribuição da escola nesse momento.

A sugestão então é que o Projeto de Vida seja a espinha dorsal desse percurso e que esse trabalho de definição sobre quem o aluno é e que valor ele quer agregar ao mundo esteja concentrado na 1ª série do Ensino Médio. São muitas as formas de se trabalhar com esses conceitos. Promover o autoconhecimento, para que o aluno consiga enxergar seus gostos e suas aptidões é a chave para que isso aconteça. É o momento de trazer à tona certas reflexões como, por exemplo: o que eu escolho fazer no meu tempo livre? O que eu faço com um papel em branco nas mãos: desenho, escrevo, planejo? Se me proponho a fazer uma peça de teatro, que papel ocupo: o da atuação, o de conceber cenários, o da produção do espetáculo?

Uma vez concluída essa etapa do autoconhecimento, o estudante estará mais seguro para fazer escolhas e é chegada a hora, nos dois anos seguintes, ou seja, na 2.ª e na 3.ª séries, de oferecer aos estudantes três itinerários divididos em três grandes áreas: exatas, biomédicas e humanas/sociais. Não haveria uma exigência para que o aluno escolhesse sua carreira, mas sim que fizesse sua opção por área.

Na primeira área indicada, estariam incluídas carreiras como engenharia e economia. Na segunda, medicina e outras profissões da área da saúde. Na última, o direito, a comunicação, entre outras.

Ter apenas duas opções de percurso, sendo a terceira voltada apenas para o Ensino Técnico e Profissional é, de certa forma, limitador para os estudantes e nos remete a um projeto já concebido em um passado distante, quando tivemos, nos anos 1950 e 1960, um Ensino Médio dividido em Clássico e Científico. Isso pode até mesmo ser mais confortável para as escolas, mas é possível pensar em um cenário que faça mais sentido para os alunos.

4) Sobre a sugestão de manter o Enem 2024 circunscrito à Formação Geral Básica e que seu formato, para os anos seguintes, seja objeto de debate com a sociedade, no contexto da elaboração do novo Plano Nacional de Educação (PNE):

É importante lembrar que a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 elegeu a avaliação como estratégia para o monitoramento da evolução da qualidade educacional do ensino no país. Desde então, o Inep desenvolveu o Saeb e o Enem e, a partir daí, sucederam-se diferentes modelos do exame. Ao cabo de 25 anos, podemos constatar que, perante a convocação de exame nacional com função de concurso, as prescrições curriculares oficiais empalidecem e se curvam. Ao invés de pautar e prescrever, são elas que seguem à reboque do que estabelece a matriz do exame.

Em sua versão original, o Enem avaliava o domínio das competências do estudante. A partir de 2009, sofreu uma guinada e foi convertido em concurso seletivo unificado, de abrangência nacional. Ao reivindicar o controle sobre todo o processo seletivo para todas as instituições de ensino superior federais, o governo passou a pautar o currículo através do exame. A centralização e o conteudismo foram ainda mais acentuados.

Como dito anteriormente, o Novo Ensino Médio já é realidade há mais de um ano para os nossos alunos. A mudança começou em 2022 para os estudantes que cursaram a 1.ª série naquele ano. Hoje, eles estão na 2.ª série e, ao fim de 2024, concluindo o Ensino Médio, seriam os primeiros a fazer um novo Enem. E isso não é mero detalhe. Não há como imaginar que a prova de 2024 venha a ser como a de 2023, já que o conteúdo da Formação Geral Básica não corresponde ao currículo dos anos anteriores.

A legitimidade de avaliações em larga escala decorre das suas condições de viabilidade, de sua precisão técnica, do uso dos resultados apurados, mas também de cuidados éticos com cada público envolvido. Em um cenário ideal, o processo seletivo para as universidades federais não deveria se encerrar apenas no Enem. O desejável seria que esse exame nacional fosse uma primeira fase e, com essa nota, o estudante se credenciasse para continuar o processo. A partir daí, em uma segunda fase, cada universidade determinaria o perfil dos seus ingressantes, considerando seus méritos acadêmicos e ponderando também seu papel social como instância oficial, pública e gratuita.

A Educação é processo que se estabelece entre gerações, os mais velhos abrindo caminho e proporcionando à geração seguinte a formação adequada ao futuro que terão pela frente. Isso requer, por parte dos que educam, eleger como foco prioritário de seus encaminhamentos o legítimo interesse dos mais jovens.

Por: Fenep