Como realizar atividades permanentes de alfabetização para 4.º e 5.º anos

Publicado por Sinepe/PR em

Práticas ajudam a superar defasagens que ainda podem estar presentes em turmas do final dos Anos Iniciais do Fundamental

Um aluno do 4.º ano do Ensino Fundamental está diante de uma avaliação, sem iniciar o preenchimento. Conforme o tempo passa, percebe-se que ele não começou a escrever porque não consegue assinar, de forma fluída, o seu nome na capa da prova.

A cena não é rara em escolas visitadas pela professora Marília Irineu, integrante do Time de Formadores da NOVA ESCOLA. “É comum encontrarmos estudantes que estão no 5.º ano e não reconhecem as letras”, diz a educadora, que atua na formação de docentes do ciclo de alfabetização no município de Itapipoca (CE). Segundo ela, os professores devem notar o nível de leitura e escrita de cada aluno, mesmo daqueles que já escrevem o próprio nome ou reconhecem as letras, e a noção que eles têm, por exemplo, de convenções gráficas, consciência fonológica e fluência leitora – aspectos muitas vezes subdesenvolvidos no 4.º e 5.º anos.

Ao mesmo tempo, deve-se ter cuidado para não culpabilizar esses alunos. “Não se trata de uma questão ou um problema individual. A defasagem é do sistema de ensino que não ofereceu suporte aos alunos, e não do estudante”, alerta a professora Isabel Frade, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas Gerais (Ceale-UFMG) e integrante da Diretoria da Associação Brasileira de Alfabetização (Abalf).

Quanto mais os alunos demoram para se alfabetizar, maior fica a defasagem em relação ao que eles deveriam vivenciar no processo de escolarização, já que ele depende de a criança saber ler e escrever. “Um estudante que não lê ou escreve com proficiência fica cada vez mais apartado de todo o conhecimento que se pretende construir no 4.º e 5.º anos, em História, Geografia, Ciências, Matemática”, aponta a educadora.

Desafios para consolidar a alfabetização nos Anos Iniciais do Fundamental

O período de isolamento social durante a pandemia da Covid-19 é um dos principais agravantes quando o assunto é defasagem na alfabetização. “Ter [em sala de aula] crianças que não estavam plenamente alfabetizadas no 4.º ou 5.º anos é, infelizmente, um cenário anterior à pandemia. Mas não há dúvida de que esses dois anos agravaram muito esse quadro”, avalia Cris Mori, docente do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades.

Por esse motivo, esses alunos precisam de intervenções específicas, que não serão as mesmas para quem entrou na escola no período pós-pandêmico. “Além disso, esses estudantes de 9 ou 10 anos [que já estão no 4º ou 5º anos] não são como os alunos de 6 e 7 anos [que, geralmente, estão no 1.º e 2.º ano e inseridos no ciclo de alfabetização] do ponto de vista emocional, cognitivo e de interesses”, destaca Isabel.

Observar esses aspectos, mas sem desconsiderar os outros componentes curriculares nas últimas séries dos Anos Iniciais, é importante para reduzir as defasagens. “Não podemos negar a esses alunos conhecimentos em História, Geografia, Matemática e Ciências, nem podemos deixar de fazer o trabalho de alfabetização”, salienta a pesquisadora.

Nessa perspectiva, é fundamental que todos os professores se engajem em prol do avanço da alfabetização, e não apenas aqueles de Língua Portuguesa. “Fizemos formações com professores de Ciências, Arte e Educação Física para que eles também se sintam inseridos nesse processo de recomposição de aprendizagens em alfabetização. O movimento de alfabetizar acontece com todos os professores, independentemente do componente curricular“, comenta Marília. “Durante uma formação, falávamos sobre brincadeiras tradicionais. O professor de Educação Física pode trabalhar com a escrita de listas para elencar as brincadeiras. A partir disso, é possível falar sobre as letras e sílabas”, exemplifica.

Nadia Camargo, que faz parte do Time de Formadores da NOVA ESCOLA em Língua Portuguesa para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental e atua como professora polivalente do 5.º ano na rede de Valinhos (SP), descreve o quadro desafiador para a realização de atividades permanentes de alfabetização no 4.º e 5.º anos. ”O professor está muito preocupado com aquela avalanche de conteúdos e com o ritmo mais rápido, até para que o aluno se adapte melhor quando for para o 6.º ano. Ele tem uma sala para conduzir em um determinado ritmo e também aquele estudante que precisa consolidar a alfabetização.”

Ciclo de alfabetização e atividades permanentes de alfabetização: entenda os conceitos

O ciclo de alfabetização se refere aos três primeiros anos do Ensino Fundamental, no qual são realizadas uma série de atividades para que as crianças possam construir conhecimentos nesse campo de maneira contínua e progressiva, de acordo com a definição do Ceale-UFMG.

Já as atividades permanentes voltadas à alfabetização são aquelas realizadas diariamente, principalmente durante o 1.º, 2.º e 3.º anos, em geral combinadas com projetos e sequências didáticas. Essas práticas visam estimular a leitura e a escrita para ampliar o repertório dos alunos, de forma que eles possam ter cada vez mais autonomia em suas habilidades de leitura, escrita e compreensão.

Ações e atividades permanentes de alfabetização para 4.º e 5.º anos

Nas práticas de alfabetização nessa etapa do ciclo, constância é a palavra-chave. “Tem que ser algo permanente e [realizado] todos os dias, porque é na repetição da proposta de reflexão sobre a língua que o aluno irá aprender”, diz Nadia. Partir dessa compreensão ajuda no diagnóstico e no planejamento das atividades para acelerar as aprendizagens, como leitura compartilhada, escrita coletiva e ações no contraturno escolar.

Diagnóstico

Para Marília, o ponto de partida é o diagnóstico, que permite ao professor pensar para onde quer levar os alunos. “Ao definir o objetivo de aprendizagem, posso criar estratégias que vou percorrer e pensar nas evidências que [vão mostrar que] a aprendizagem está sendo alcançada.”

Nadia aponta que se deve observar o histórico do aluno na alfabetização e, se possível, conversar com os professores que deram aulas para esse estudante em anos anteriores. “Às vezes, o aluno pode precisar, por exemplo, de auxílio de psicopedagogos ou terapia”.

Também é necessário levar em conta os conhecimentos alfabéticos que o estudante já tem. “Se o aluno reconhece as letras e sabe que um conjunto de letras formam um som, chamado de sílaba, e consegue realizar uma leitura com dificuldade, o trabalho será intensivo visando a fluência leitora. Atividades como caça-palavras e cruzadinhas ajudam muito”, completa a professora.

Mas se o aluno não está nesse ponto ainda e não relaciona o conjunto de letras, sílabas e sons, o trabalho deve ser inicial e visar o reconhecimento de letras e a relação fonema-grafema. “Esse é um desafio maior, já que a sala no 4.º e 5.º anos está em outro ritmo”, afirma Nadia. Ela menciona trabalhos de apoio pedagógico no contraturno escolar ou atendimento pedagógico para isso. “O professor, sozinho, não vai dar conta: ele precisa de uma rede de apoio”.

A relevância das investigações e das intervenções: Gestão tem papel fundamental no apoio à alfabetização

Vice-diretora da EMEB Philomena Zupardo, em Itatiba (SP) e colunista da NOVA ESCOLA, Selene Coletti recomenda que a escola deve detectar, via avaliação diagnóstica, se os alunos formulam as seguintes hipóteses: pré-silábicas; silábica sem valor sonoro convencional; silábica com valor sonoro convencional; silábico-alfabética; alfabética.

Depois da avaliação, é fundamental os professores se organizarem para realizar intervenções pontuais. ”É comum o professor, em meio à correria de materiais e conteúdos que precisam ser trabalhados, dar uma apostila ou atividades diferenciadas aos alunos [que ainda não são totalmente alfabetizados], mas sem fazer intervenções”, comenta Selene, que tem mais de 40 anos de experiência na rede pública, com atuação na Educação Infantil e como professora alfabetizadora. “São as intervenções dos educadores que promoverão, de fato, as aprendizagens em alfabetização”.

Leituras em voz alta e compartilhadas

Muitas vezes, no 4.º e 5.º anos, os professores deixam de realizar a leitura em voz alta diariamente por achar que os estudantes já sabem ler, o que é um equívoco, segundo Cris Mori.

“Essas atividades deveriam até ser obrigatórias se, na sala, existem estudantes ainda não alfabetizados plenamente. Se esse aluno tem a chance de ouvir o professor lendo um texto que pode ser acompanhado no livro didático, isso o ajuda a entender como se dá a relação da pauta gráfica [grafia] com a sonora [sons]”, complementa.

Para Nadia, também é importante que todos os alunos possam colaborar para a compreensão da leitura nesses momentos. “Não é simplesmente cada um ler uma parte do texto, mas com a intervenção da professora por meio de perguntas, criar a compreensão do texto coletivamente, com os alunos contribuindo com comentários”.

Durante esse tipo de atividade, o professor pode selecionar palavras do texto, escrevê-las em cartões e realizar trabalhos de análise estrutural e fonológica, questionando os alunos sobre a quantidade de letras, as letras iniciais e finais e outros aspectos. Posteriormente, é possível avançar para as sílabas e assim por diante.

Os trabalhos em dupla também ajudam, de acordo com a formadora. Os alunos que têm mais dificuldade na compreensão de enunciados de exercícios podem formar dupla com aqueles que estão com essa habilidade mais desenvolvida.

Escrita coletiva

Os momentos de produção de escrita coletiva, com o professor atuando como escriba das palavras ditadas pelos alunos, também representam boas atividades permanentes de alfabetização para 4.º e 5.º anos. “O professor pode chamar a atenção dos alunos para a estrutura textual, de acordo com o gênero trabalhado, e também para a escrita de algumas palavras, pensando inclusive na consolidação da escrita alfabética”, afirma Nadia.

Realizar intervenções a partir do que os próprios alunos escrevem, para entender a escolha das letras, é outra ação positiva. Por exemplo, se um estudante é convidado a escrever algo e não sabe por onde começar, a professora pode intervir, questionando-o sobre outras palavras conhecidas que começam com o mesmo som. “São práticas do dia a dia do ciclo de alfabetização que, geralmente, não são feitas no 4.º ou 5.º ano. Mas, se houver alunos com dificuldades, será preciso realizá-las”, explica a formadora.

Ela reforça que faz parte dos conteúdos do 4.º e 5.º anos a consolidação da escrita ortográfica e da compreensão leitora para aqueles alunos que já possuem bons conhecimentos alfabéticos. Isso pode ser uma oportunidade para lidar com turmas heterogêneas em relação à aprendizagem.

Cris Mori também menciona a possibilidade de o professor atender estudantes com diferentes níveis de aprendizagem por meio de ações de escrita. “Ele pode até dividir o papel de escriba com alunos que já escrevem, para registrar parte do texto. Assim, ele lida com a diversidade de conhecimentos na mesma turma.”

Atividades do ciclo de alfabetização adaptadas

Também é possível utilizar atividades que, originalmente, são realizadas durante o ciclo de alfabetização, com alunos mais novos, para praticá-las no 4.º e 5.º anos. “Ter um cantinho da leitura, na sala ou na quadra da escola, para que os alunos possam escolher o que querem ler ou para o professor contar uma história é importante. Essas práticas precisam acontecer todos os dias para que eles conheçam histórias e apreciem esses momentos, para que haja encantamento pela leitura”, considera Marília.

O uso de palavras estáveis – termos conhecidos dos alunos, como a lista de nomes da turma ou palavras que possuem pouca variação de gênero, número e grau – que dialoguem com outros componentes curriculares também é uma alternativa, segundo Cris Mori. As palavras podem estar presentes em cartazes ou em atividades como caça-palavras ou jogos de adivinhação. Assim, vocábulos do dia a dia dos alunos são aproveitados em atividades permanentes de alfabetização.

“Se a professora quer que os alunos não plenamente alfabetizados tenham um repertório de palavras estáveis, e esses alunos estão estudando, por exemplo, o período das grandes navegações em História, ela pode fazer uma lista de termos que têm relação com esse conteúdo, como indígenas, caravelas, portugueses, entre outras”, sugere a especialista do Instituto Singularidades.

Ações direcionadas e no contraturno escolar

Para Isabel, as redes devem identificar os alunos que ainda não possuem autonomia na alfabetização para criar políticas direcionadas a eles. “Esses estudantes precisam de mais horas de trabalho e de oficinas temáticas, com atividades sistemáticas e frequentes sobre o sistema de escrita alfabético e ortográfico”. Ela acredita que devem ser atividades diárias, se possível fora do horário da escola ou em turmas alternadas no horário das aulas, com professores com larga experiência em alfabetização.

Agrupar os alunos conforme o nível de alfabetização em que se encontram também é uma atividade possível para avançar na aprendizagem, segundo Marília. Os agrupamentos podem ser realizados tanto em sala, de forma rotineira, quanto em um dia determinado pela escola, em que os estudantes são reunidos de acordo com suas habilidades e necessidades de aprendizagens. “Se a escola tem três turmas de 4º ano, ela pode agrupar na turma A os alunos com fluência leitora, na turma B os que estão com a alfabetização incompleta e, na turma C, aqueles que ainda não são leitores”, exemplifica.

Os agrupamentos produtivos são outra opção. “Um aluno que escreve apenas com garatujas poderia ser agrupado com um estudante que está no nível pré-silábico e que escreve utilizando letras. Ou um estudante que está no nível pré-silábico com outro no nível silábico. Assim, um aluno pode apoiar o outro. Muitas vezes, eles aprendem nessas interações até mais do que com os professores, a partir das hipóteses que eles mesmos levantam”, observa Marília.

Durante as atividades para a sala de forma geral, podem ser propostas práticas diferentes e direcionadas para os alunos que apresentam maior defasagem na alfabetização. “A professora pode chamar o aluno até a sua mesa para fazer com ele um momento de audiência de leitura, como um ditado de palavras, para verificar no que ele está conseguindo avançar. Um atendimento personalizado faz toda a diferença”, acrescenta Marília.

Tarefas de casa e o apoio da família também ajudam nas atividades permanentes de alfabetização e no avanço das aprendizagens. “Apresentar os resultados dos diagnósticos iniciais e comentar as estratégias de ação com as famílias permitem que elas conheçam o trabalho da escola, saibam sua importância e possam se engajar mais”, finaliza a formadora.

Por: Nova Escola