Universidades podem recolocar o Brasil na rota da sustentabilidade

Publicado por Sinepe/PR em

A costa-riquenha Lorena San Román Johanning conhece em profundidade a história dos acordos internacionais sobre sustentabilidade. Apaixonada pela floresta amazônica (inclusive, é professora do Mestrado em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas), ela acumulou experiências como consultora internacional para o desenvolvimento sustentável, atuando em diversos países da América Latina.

Para Johanning, o ensino superior tem uma importância fundamental: formar profissionais capazes de serem lideranças empresariais e políticas para reorientar os rumos das nações. Segundo ela, o desenvolvimento sustentável é a única maneira de acabar com a pobreza.

“Só assim poderemos pensar nos 30 milhões de brasileiros que precisam ingressar na educação, tirá-los da pobreza e inseri-los em um ambiente saudável”, sintetizou em palestra recente.

Em entrevista exclusiva ao Desafios da Educação, Johanning explica de forma prática como as instituições de ensino superior (IES) podem colocar a sustentabilidade como eixo orientador das suas atividades. Confira!

Qual o papel do ensino superior para o desenvolvimento sustentável das nações?

O papel da educação superior é preparar profissionais para apoiar o desenvolvimento a partir de uma abordagem integral da sustentabilidade, seja de políticas públicas e/ou empresas privadas.

Se preparamos os estudantes com o conceito de sustentabilidade, eles irão, por exemplo, fazer políticas públicas ouvindo as pessoas, pensando não somente na dimensão econômica, mas levando em consideração os aspectos sociais, ambientais e éticos.

Se estão em uma empresa privada, com certeza a sustentabilidade também vai ser uma pauta superimportante, hoje e cada vez mais.

Os aspectos éticos também devem ser incluídos nessa preparação. Neste momento, no mundo e, principalmente, na América Latina, há muitos problemas éticos de corrupção e de desigualdade.

Quais mudanças precisam ser feitas para tornar a educação superior de fato uma ferramenta em prol do desenvolvimento sustentável?

As mudanças que devem ser feitas no ensino superior são:

I – Aprovação de uma política/orientação universitária que tenha como eixo central de todos os cursos o desenvolvimento sustentável. Funciona como se fosse uma política pública de um governo: é preciso ter uma vontade e uma decisão sobre.

II – Capacitação dos conselheiros e/ou comitê gestor de cada curso sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, acordos globais e regionais, fóruns regionais de desenvolvimento sustentável, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e Agenda 2030 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Além disso, é preciso estar periodicamente atualizando as informações sobre o tema.

III – Análise e readequação do currículo de cada curso de acordo com as bases do desenvolvimento sustentável e dos ODS. Isso deve incluir trabalho de campo/atividades na comunidade, município ou estado.

IV – Sensibilização dos docentes de cada carreira em desenvolvimento sustentável e ODS.

V – Análise do perfil dos egressos de cada curso para ver onde estão atuando essas pessoas que se graduaram. Isso seria muito interessante para ver os resultados da formação e replanejar cursos, caso seja necessário.

Como a interdisciplinaridade e a intersetorialidade podem estar presentes no ensino superior, em termos de desenvolvimento sustentável?

Vou dividir essa resposta em duas partes para ser mais fácil de compreender. Começando pela interdisciplinaridade. Por exemplo, um diplomado em engenharia deve ter conhecimento de como sua profissão está ligada aos aspectos sociais, ambientais, culturais e econômicos.

Falando de forma prática, trata-se de saber como construir cidades com áreas verdes, prédios sustentáveis com materiais adequados ao clima, com materiais típicos da região, como projetar prédios que consigam economizar no uso de ar-condicionado, cidades onde as distâncias até os empregos são mais curtas etc.

A intersetorialidade é um pouco mais difícil porque a carreira de engenharia, que aqui usamos como exemplo, inclui diferentes grupos sociais, governo, ONGs, empresas privadas, comunidades. O que envolve fazer o desenho de uma cidade levando em consideração as necessidades dos diferentes grupos, beneficiando o maior número de cidadãos, dos mais pobres aos mais ricos.

Qual a importância das atividades práticas para a formação integral dos estudantes?

As atividades práticas são muito importantes, pois assim é possível testar se os alunos internalizaram os conceitos e sua aplicação. Cada carreira deve ter pelo menos um projeto de campo e o trabalho de conclusão deve ter essa orientação.

Esse tipo de atividade, além de ter um impacto muito positivo nas comunidades, faz com que a empregabilidade dos egressos aumente, pois eles já estão conectados com os problemas reais da sociedade e do mercado.

Como os ODS podem ser postos em prática pelas IES?

Os ODS são fundamentais hoje, pois toda a orientação de desenvolvimento dos países passa por eles. Então é muito importante que as IES sigam essas diretrizes.

Ter aulas teóricas e práticas realizadas em suas comunidades é um modo eficaz de colocar em prática os ODS. Esse tipo de atividade traz benefícios tanto para a universidade quanto para os cidadãos.

Assim, será possível aliar o conhecimento ao desenvolvimento integral, pois os universitários conhecem melhor os problemas e as potencialidades da comunidade e a comunidade consegue resolver os problemas (pequenos e grandes) com o apoio dos estudantes. Também melhora a imagem da universidade no município, no estado e no Brasil como país

A senhora disse que o Brasil é “a mãe e o pai do desenvolvimento sustentável”. Que diagnóstico faz do País hoje?

Na minha opinião, o Brasil esqueceu seu papel norteador da sustentabilidade, principalmente a partir dos governos Temer e Bolsonaro. Ainda assim, são muitos os estados e municípios que têm a sustentabilidade integrada em suas políticas.

Acho que agora há muitos prefeitos e governadores que não viveram os anos 90 (e por isso não conhecem a Agenda 21, acordos globais etc.) e nem sabem definir o conceito de sustentabilidade. As universidades poderiam fazer toda a diferença ao formar cidadãos que ocupam cargos políticos com palestras, formações e até consultorias.

É fundamental que essas pessoas tenham uma formação orientada ao desenvolvimento sustentável, pois são elas que vão definir as políticas públicas que afetam toda a sociedade, para o bem ou para o mal.

As universidades devem e podem recolocar o Brasil no caminho da sustentabilidade.

Por: Desafios da Educação