Inclusão no ensino médio deve envolver toda a comunidade escolar

Publicado por Sinepe/PR em

Com 16 estudantes de ensino médio com deficiência, a Escola Estadual Professora Inah de Mello, em Santo André (SP), leva a sério a inclusão. Tem uma sala de recursos adaptados com duas professoras especializadas, trabalha em parceria com a universidade e investe na sensibilização da comunidade escolar.

A professora Shirley Monteiro Maciel, que tem especialização em deficiência visual e está na escola há 30 anos, é a responsável pela adaptação de materiais didáticos para o braille, pela orientação de educadores e pelo trabalho com os estudantes na sala de recursos no contraturno.

Entre os alunos, dez são cegos e dois têm baixa visão. “Nossa preocupação é que estejam no mesmo nível da sala. Para diminuir as diferenças e trabalhar dentro da equidade, eles precisam ter material adaptado, para que consigam ter acesso ao mesmo conteúdo dos colegas”, explica Shirley.

Três jovens com síndrome de down e um com autismo, que têm uma maior dificuldade de aprendizagem, são acompanhados por pesquisadores da UFABC (Universidade Federal do ABC), que criam planos educacionais individualizados com atividades específicas para cada um e orientam os professores sobre como atuar.

Para sensibilizar os outros estudantes, a escola faz atividades em sala ou fora dela usando vendas nos olhos dos alunos que enxergam, abre rodas de conversa e promove feiras com palestras. “Quando vivenciam a realidade do outro, passam a respeitar e a serem mais solidários”, diz Shirley.

Mas, segundo a professora, ainda há dificuldades a serem enfrentadas, como a falta de materiais didáticos adaptados e a falta de serviços de reabilitação no município.

Estudantes com necessidades especiais participam de aulas na Escola Estadual Inah de Mello, em Santo André (SP). Crédito: Shirley Monteiro Maciel/Arquivo pessoal

Mais matrículas nas classes comuns
Dados do Censo Escolar de 2021 apontam o aumento do número de matrículas de alunos da educação especial em classes comuns no ensino médio. Foi de 28 mil em 2010 para 173 mil em 2021. O número de estudantes em classes especiais e escolas exclusivas passou de 972 em 2010 para 1.038 em 2021.

Entre os tipos mais comuns de deficiências no total de matriculados, estão a intelectual, com 873 mil alunos; o autismo, com 294 mil e a física, com 153 mil.

Apesar do aumento das matrículas, a Pesquisa Nacional de Saúde 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostra que a taxa de conclusão do ensino médio era de 48,3% entre as 254 mil pessoas com deficiência de 20 a 22 anos. Entre as cerca de 9 milhões de pessoas sem deficiência nesta faixa etária, a proporção era de 71%.

Do total de escolas que ofereciam ensino médio no país, 67,4% estavam adaptadas para alunos com deficiência, de acordo com o Censo da Educação Básica do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), publicado em 2019.

Escola técnica inclusiva
Com mais de 500 alunos com necessidades educacionais específicas, o IFRS (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul) investe em acessibilidade digital e na tecnologia assistiva para atender estudantes de nível médio e superior.

Para isso, mantém um CTA (Centro Tecnológico de Acessibilidade), que propõe, orienta e executa ações para a promover a acessibilidade em todas as dimensões: arquitetônica, instrumental, comunicacional, programática, metodológica e atitudinal, segundo Bruna Poletto Salton, coordenadora do CTA.

A acessibilidade digital inclui testes em sites, sistemas ou documentos digitais, adaptação de editais e processos seletivos, orientação para confecção de artefatos digitais acessíveis e capacitação.

Já as ações na área de tecnologia assistiva têm avaliação do estudante com deficiência quanto à necessidade de uso de recursos, realização de testes e acompanhamento com o aluno, orientação sobre aquisição, realização de adaptações, confecção de recursos de baixo custo e capacitação.

“Em muitos casos, o próprio CTA confecciona ou adapta o recurso. O centro conta com uma oficina equipada com máquina de corte a laser, impressoras 3D, CNC, equipamentos de eletrônica e diferentes tipos de ferramentas”, diz Bruna.

Nas unidades, há alunos cegos que utilizam leitores de tela, jovens com baixa visão que utilizam ampliadores de tela, lupa eletrônica e lupa do celular, estudantes com deficiência física que utilizam mouses e teclados alternativos ou adaptados.

Outros usam ainda a digitação por voz, ferramentas que transformam texto em áudio e ferramentas que facilitam a leitura. Alunos sem a fala funcional utilizam softwares ou aplicativos para se comunicar. Muitos deles precisam de treinamento para aprender a trabalhar com os recursos.

Modelo para outros países
O Brasil tem uma das melhores políticas de educação inclusiva no mundo e serve como modelo para outros países, segundo Luiza Corrêa, coordenadora de advocacy do IRM (Instituto Rodrigo Mendes). Mesmo assim, ainda há muitos estudantes que frequentam instituições ou classes especializadas e os que nunca foram matriculados em escolas comuns.

Para Luiza, o modelo de educação atual, que prioriza a transmissão de conteúdo, exclui aqueles que não se enquadram no padrão, o que leva ao abandono e a dificuldades no processo de aprendizagem.

“O desafio que devemos enfrentar com seriedade é como gerar uma transformação na escola como um todo para aproximá-la da realidade e do interesse dos estudantes, valorizando as potencialidades de cada sujeito e formando cidadãos para a vida em sociedade, além do mercado de trabalho”, ressalta Luiza.

Há, ainda, dificuldade de acesso à escola, como falta de transporte e de recursos de acessibilidade. “As barreiras encontradas dentro do contexto escolar somam dificuldades de aprendizagem, falta de flexibilidade no currículo e ambiente escolar exclusivo”, diz a especialista.

A situação faz do ensino médio um funil. Segundo dados do Inep de 2017 e 2019, dos 3,3% estudantes com deficiência no ensino fundamental, somente 1,7% passam para o ensino médio e, destes, somente 0,5% chegam ao ensino superior.

O papel do professor
Uma melhor formação de educadores é essencial, segundo Luiza. “Tal como no ensino fundamental e médio, para inclusão de estudantes com deficiência na EJA (Educação de Jovens e Adultos) é imperativo investir em formação docente, que apoie os professores não só a entender como incluir a todos nas aulas, como a desenvolver materiais pedagógicos acessíveis, e no oferecimento de atendimento educacional especializado de qualidade.”

Estudo apresentado pelo Instituto Rodrigo Mendes em maio deste ano mostrou que a maioria dos docentes entrevistados, 70% deles, responderam que acreditam que a escolarização de crianças com deficiência junto às demais beneficia a todos. A porcentagem foi de 72% dentre os que lecionam para o ensino médio.

Apesar disso, quando perguntados se tiveram formação sobre inclusão, 40% dos professores disseram nunca ter feito. Foram 50% dentre os educadores de ensino médio. O estudo foi feito com professores da educação básica de escolas públicas pelo Datafolha, em dezembro de 2021, a pedido da Fundação Lemann.

Risco de retrocesso
No momento, muitos dos direitos conquistados com base na luta política da sociedade civil organizada estão ameaçados de sofrerem revezes e retrocessos, segundo Luiza. Ela cita o projeto de lei que trata da educação domiciliar, que teria as crianças e adolescentes com deficiência como o público mais afetado.
A conquista de direitos é recente. Em 2007, ocorreu a promulgação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e, em 2008, o número de matrículas nas escolas comuns começou a crescer. Em 2021, o país chegou a mais de 90% de estudantes com deficiência matriculados nas escolas comuns.

“Por anos a fio os estudantes com deficiência eram privados de estudar e de conviver com seus pares, permanecendo em suas casas ou segregados em instituições especializadas. Lembrando que a convivência em comunidade escolar de pessoas com e sem deficiência é o pilar necessário para o desenvolvimento integral do ser humano”, relembra Luiza. “Se o ‘homeschooling’ (educação em casa) for autorizado legalmente no Brasil, os estudantes com deficiência provavelmente serão as primeiras e principais vítimas dessa exclusão, fazendo da família uma instituição total, ou seja, que abarca todos os âmbitos da vida do estudante.”

Luiza critica ainda outro tema em debate, o Decreto 10.502, que está suspenso por liminar pelo STF (Supremo Tribunal Federal). “O chamado ‘decreto da exclusão’ institui uma nova política de educação especial, segundo a qual os alunos da modalidade voltarão a frequentar escolas especiais, o que representaria um retrocesso na educação brasileira, cuja perspectiva inclusiva é uma das mais elogiadas no mundo. O mencionado decreto fere a Constituição e a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documento da ONU que foi ratificado pelo Brasil como Emenda Constitucional”, conclui a especialista.

Por: Porvir