Os impactos da pandemia nas infâncias

Publicado por Sinepe/PR em

Pesquisa revela o aumento das desigualdades a que estão submetidas as famílias mais pobres com crianças na primeira infância.

Desde o início de 2021 a sociedade acumula fortes indícios de como a pandemia da covid-19 afetou negativamente o desenvolvimento das crianças pequenas em múltiplas dimensões. Esses impactos foram colhidos um a um, no varejo, em diversas áreas: atrasos na vacinação, na aprendizagem e no desenvolvimento motor e físico são alguns exemplos.

Recém-lançado, o estudo Impactos da covid-19 na atenção à primeira infância nos permite contextualizar esses efeitos e discutir o conceito de sindemia, que significa a influência de fatores sociais, econômicos, políticos e ambientais no padrão de transmissão de doenças e suas consequências.

A pesquisa, realizada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com Itaú Social e Unicef, revela o aumento das desigualdades a que estão submetidas as famílias brasileiras mais pobres com crianças na primeira infância.

Produzido no primeiro semestre deste ano, o estudo contou com a participação de municípios dos 27 Estados do País e apontou impactos em todos os segmentos aferidos, que incluem as áreas de saúde, social, econômica e educação.

No campo da saúde houve um aumento da mortalidade materna de 89% em 2021, na comparação com números de 2019 – tendo as mulheres pretas como as maiores vítimas. Neste contingente concentra-se a maior razão de mortalidade materna observada na pesquisa: 71 óbitos a mais por cada 100 mil nascidos vivos, na comparação com as mulheres brancas. Mais da metade dos óbitos maternos foi em razão da infecção pela covid-19 (53,4%).

A priorização e o direcionamento de esforços das Unidades Básicas de Saúde (UBS) ao atendimento dos casos de covid-19 levaram à redução ou interrupção da oferta de serviços de atenção à primeira infância, como pré-natal e imunização, por exemplo. As atividades de natureza coletiva, como grupos de gestantes e visitas domiciliares, foram muito prejudicadas e podem explicar alguns desses problemas.

Desde 2015, as coberturas vacinais de rotina vinham caindo no Brasil, processo acentuado na pandemia. Os dez imunizantes específicos da primeira infância analisados na pesquisa fecharam 2021 com cobertura inferior à registrada em 2019. A BCG, que previne contra a tuberculose, tinha cobertura de 86,6%, por exemplo. Em 2021, ela caiu para 68,6%. Já a poliomielite foi de 84,1% para 69,4% no período. A meta do Ministério da Saúde para cobertura desses imunizantes é de 90% e 95%, respectivamente.

A crise econômica que se formou com a pandemia também colaborou para o aumento do número de pessoas que passam fome no País e piorou, de forma geral, o estado nutricional das crianças das famílias mais pobres, medido pela variável peso por idade.

O porcentual de crianças muito abaixo do peso, que se mantivera constante até 2018, assumiu trajetória de alta desde então, com o aumento de 54,5% entre março de 2020 e novembro de 2021 (de 1,1% para 1,7%).

Esses impactos foram influenciados pelas medidas de enfrentamento à covid, como o fechamento dos estabelecimentos de educação infantil. Sem o acesso à escola, as crianças não tiveram merenda e outras políticas alimentares, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

Entre todas as etapas escolares, aquela que registrou a maior queda de matrículas foi a educação infantil. Nas creches, o déficit em relação a antes da pandemia é de quase 338 mil matrículas. Embora obrigatória, a pré-escola também sofreu redução no número de crianças. Em números absolutos, o contingente de matrículas caiu 315 mil entre 2019 e 2021 – 275 mil destas só em 2021.

A pandemia gerou uma crise humanitária que afetou e ainda afeta, de maneira mais cruel, todas as dimensões da vida das pessoas mais pobres e – com impacto mais perene – suas crianças.

Para responder aos desafios que elencamos aqui, propomos uma série de ações imediatas: programas de transferência de renda voltados diretamente às gestantes e mulheres de famílias vulneráveis com crianças na primeira infância; retomada e ampliação dos programas de visitação domiciliar, com ênfase em ações que apoiem o desenvolvimento infantil; e a criação de um esforço colaborativo entre todos os entes federativos numa campanha de busca ativa escolar e ampliação do acesso a creches e pré-escolas com qualidade, principalmente nas comunidades mais vulneráveis, onde o impacto positivo da educação infantil é ainda mais indispensável.

Em razão do contexto do qual trata esta pesquisa, neste ano de 2022 as eleições têm uma importância histórica. Precisamos de representantes que olhem para as famílias mais pobres com crianças pequenas com sensibilidade e comprometimento.

O desafio não é apenas restabelecer os níveis de serviços e benefícios que existiam antes da pandemia. É preciso resgatar quem ficou para trás e assegurar que essas pessoas tenham garantido o acesso à renda, à saúde, à educação, à alimentação saudável e a uma vida digna, com seus direitos assegurados.

Por: Estadão