Programa convida estudantes a criar bichos fictícios para preservar o meio ambiente

Publicado por Sinepe/PR em

Atividade “Bichos Esquisitos”, da Maratona Ação Criativa, sugere que estudantes usem tecnologia ou sucata para criar animais fictícios e combater problemas ambientais

Estudar a poluição de um rio a partir de imagens em um livro didático pode ser pouco estimulante para alguns estudantes. Por outro lado, ter a chance de debater um desafio ambiental de sua comunidade e pensar em alternativas e soluções é um caminho para promover mais participação e engajamento, sobretudo se a atividade envolver ações mão na massa e protagonismo.

Essa é a proposta da experiência didática Bichos Esquisitos, que integra a Maratona Ação Criativa, programa homônimo criado pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) com parceria técnica da RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa) e Fundação Lemann.

A atividade, que trabalha diretamente pelo menos cinco ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) – ODS 3: Saúde e bem-estar; ODS 4: Educação de qualidade; ODS 13: Ação contra a mudança global; ODS 14: Vida na água e ODS 15: Vida terrestre –, coloca uma situação para estudantes dos anos iniciais e finais do ensino fundamental: bichos que vivem em locais de descarte de resíduos com contaminantes podem ter sofrido mutações, que mudaram parte de estrutura ou geraram comportamentos inusitados. A ideia é que utilizem essa premissa para criar, no Tangram ou no Scratch, seu próprio bicho esquisito (saiba mais na ficha técnica da experiência).

Márcia Sacay, coordenadora pedagógica o Ação Criativa e bióloga da RBAC, explica que a experiência foi criada para trazer ludicidade e brincadeira na linguagem cotidiana dos e das estudantes: os jogos. “Estamos propondo uma batalha entre bichos que vão ter atributos e características diferentes e imaginativas, mas eficazes. Não é um bicho contra outro, e sim unidos para combater problemas ambientais. Com isso estamos incentivando o potencial criativo de cada um”, afirma.

Promovendo significado e conexões
Um dos pontos centrais da experiência didática Bichos Esquisitos é a identificação e a reflexão sobre acidentes, questões e desafios ambientais da região. Márcia explica que promover essa aproximação dos alunos com as problemáticas de seus territórios é uma forma de proporcionar conhecimento de suas causas e consequências, o que facilita com que meninos e meninas realizem ações práticas e mudança de hábitos.

“As atitudes que podem ser tomadas se tornam mais plausíveis quando propomos projetos nos quais existe uma percepção do entorno, ou uma questão disparadora, ou a identificação do problema para, depois, os e as estudantes buscarem soluções”, explica Márcia, que também cita a possibilidade de estabelecer parcerias com organizações da comunidade escolar. Um exemplo é o processo de fazer sabão a partir de óleo usado. Estudantes podem buscar contato com comércios locais, como uma pastelaria, para recolher o óleo e transformá-lo em sabão, que, depois de pronto, pode ser vendido no estabelecimento.

Esse processo de conexão com a realidade foi bem desenvolvido por Thessyvanda Torres da Cunha, pedagoga, especialista em tecnologias digitais aplicadas à educação e atuante na formação de professores da Rede Municipal de Ensino de Manaus (AM), que ajudou a promover uma vivência em uma escola ao norte da capital.

No momento inicial, como um aquecimento, todos deveriam se apresentar e dizer que animal seriam e argumentar. Em seguida, veio uma reflexão para introduzir o tema dos Bichos Esquisitos conectados à questão dos igarapés (curso d’água que se estende por um rio ou canal).

“Temos vários igarapés em Manaus que cortam muitos bairros, o que poderia ser uma via de transporte alternativo, mas, devido a uma poluição intensa, não conseguimos viabilizar. Apenas disparamos uma pergunta e as crianças tomaram a frente e foram elencando as problemáticas do lixo nos igarapés: óleo de cozinha derramado na pia, descarte de lixo no chão da rua, alto uso de garrafas pet e sacolas e a falta de educação das pessoas”, comenta Thessyvanda.

Ponto de entrada para tecnologia
A preocupação das crianças com o futuro das águas surpreendeu professores e professoras manauenses, que questionaram se elas acreditavam existir bichos vivendo nos igarapés.

Em seguida, veio a proposta de desenhar o esquema de um bicho esquisito capaz de purificar os igarapés ou de solucionar os problemas enlencados na atividade anterior, para, na sequência, construí-lo no Scratch. “Confesso que pensei que os estudantes fossem ter dificuldade nesse momento, mas que nada! Além de desenharem seus bichos esquisitos, ainda os programaram [no Scratch] para serem animados.”

Cada criança ou dupla apresentou sua ideia em formato de pitch (apresentação rápida), contando o que era o bicho esquisito, suas características e o superpoder. “Com essa experiência, percebemos que qualquer método em que o professor é um expositor de conteúdo não é educação. A educação é vivência, experiência e experimentação. A proposta da experiência didática Bichos Esquisitos é envolvente, pois o aprendente está ativamente no centro do processo em todas as etapas.”

Além de aprender sobre meio ambiente e tecnologia, também é possível o desenvolvimento de habilidades de sociabilidade, como o trabalho em grupo. “Quando colocamos uma situação como ‘temos o movimento de placas tectônicas e formou um tsunami’, a ideia é que os e as estudantes analisem que bicho tem algum superpoder que pode ajudar. E, com isso, estamos formando pessoas que entendem que trabalhar em grupo é importante e que temos menos forças sozinhos do que juntos”, ressalta Márcia.

Protagonismo
O protagonismo estudantil pode acontecer em qualquer etapa da experiência didática. As crianças conseguem apoiar, por exemplo, a escolha da questão ambiental que será endereçada. Os professores podem aplicar formulários virtuais para entender quais são os conhecimentos prévios da turma e, a partir da coleta, escolher, juntos, um desafio a ser trabalhado.

“Os projetos possibilitam a diversidade. O livro didático já traria a proposta com um problema identificado, em muitos casos uma questão que nem existe na escola ou na região, e logo em seguida já se fala sobre a solução. Isso contribui pouco para uma aprendizagem com autonomia e para o uso das informações de maneira significativa. O estudante estará ‘cumprindo tabela’ e não estará de fato se engajando”, explica Márcia, citando que os livros devem inspirar os professores, que, por sua vez, podem adaptar as propostas à realidade local.

No caso da atividade em Manaus, alunos e alunas vivenciaram um tipo diferente de protagonismo, a ‘avaliação invertida’. Em vez de serem avaliados pelos professores e professoras, deveriam avaliar a metodologia de ensino proposta e dizer se conseguiram aprender. “As crianças disseram que gostaram muito, além de descrever tudo o que aprenderam: meio ambiente, escrita, sustentabilidade, programação, perda da timidez de falar em público”, enumera Thessyvanda.

Olhar aberto dos professores
Para que todas essas vivências e benefícios listados a partir da realização da experiência didática sejam possíveis, Márcia comenta sobre a necessidade não só de uma bagagem cultural docente, mas também um olhar mais aberto, além de certo desprendimento sobre todas as situações que invariavelmente ocorrerão durante uma atividade.

“Para ter criatividade, cada um deve ter vivências com exposições, brinquedos e um bom repertório cultural. Significa ser aberto para enxergar, se permitir ser imaginativo e, ainda, se permitir poder errar. Talvez o que amedronta os profissionais seja a perda do controle, no sentido de saber exatamente o que acontece a cada momento. Isso precisa ser rompido para que possam criar, imaginar e acreditar que aulas baseadas em projetos. Mesmo curtas, elas promovem uma aprendizagem mais significativa e mais perene.”

Por: Porvir