Já viu aula de matemática sem prova? Professora indica o caminho

Publicado por Sinepe/PR em

Fazer com que os estudantes aprendam a matemática e não apenas decorem fórmulas e um dos objetivos a serem alcançados com este modelo

Lembro que quando parei para pensar sobre qual carreira seguir, minha escolha foi ser professora de matemática. Sempre achei muito legal o conteúdo que via em aula e também gostava de ajudar os meus amigos a entenderem a matéria. Eu tive experiências boas, apesar de a maioria delas ser negativa.

A escola não foi uma experiência ruim para mim. Na verdade, eu queria que todos tivessem o sentimento de se animar para aprender que eu tinha. No caso da matemática, eu via que as pessoas não gostavam e eu era sempre a mais empolgada.

Então parte do meu desejo de dar aulas de matemática vem daí: de querer tornar o conteúdo interessante, de discordar de algumas abordagens e questionar os motivos de uma área tão legal, às vezes, ser apresentada de maneira tão ruim. Eu sou uma pessoa que tem dificuldades em memorização, e a maioria das escolas foca muito nisso. Os professores de matemática da minha época eram assim.

Começar a dar aulas não é uma coisa que nos ensinam 100% como fazer. A formação inicial nos prepara um pouco, mas não inteiramente para a realidade. O mentalidades me ajudou a enxergar outras formas de fazer o que eu queria. Mais do que decorar, eu sempre quis que os alunos compreendessem a matemática. Não era para aceitar que a matemática funcionava assim ou assado, mas entendê-la de fato. O mentalidades traz um pouco desse conceito de dar significado.

Desde que comecei a dar aulas em 2019 na EMEF Celso Leite Ribeiro Filho, que fica no bairro do Bixiga, em São Paulo (SP), muita coisa da minha própria prática mudou. A mais significativa delas tem a ver com a avaliação. Até 2020, eu ainda aplicava provas, mas a avaliação vinha por meio de comentários escritos nas devolutivas. Com esses comentários, eles podiam então refazer a prova e tentar ajustar ao que eu havia comentado.

A oportunidade de refazer as atividades também é algo sempre presente na minha prática. Porque mais do que olhar a versão final, a minha intenção é observar todo o processo. É assim que avalio os meus alunos.

Se eu quero olhar para o processo, não faz sentido cobrar só que eles façam apenas uma vez e validar o que eles sabem ou não com apenas uma entrega. Se eu quero que eles tenham um aprendizado processual, então é preciso que eles tenham uma nova oportunidade. É o aluno tentar, errar e fazer de novo.

Depois dessa mudança, percebi que eles se engajaram mais, se sentiram mais confortáveis para fazer a prova. A gente sabe que as provas causam muita ansiedade nas crianças e essa oportunidade de refazer já deixa eles mais tranquilos, porque vão recordando, estudando para poder fazer de novo.

Além disso, adotei algo bastante incentivado pelas mentalidades matemáticas: o trabalho em grupo. Na minha lembrança, essa também era a forma com a qual eu mais aprendia: em conjunto com outras pessoas. Também inclui uma autoavaliação, coisa que não fazia antes. A avaliação antes ficava restrita a mim, mas agora não mais. As mentalidades matemáticas também incentivam a eles avaliarem onde estão e para onde vão.

Começou com uma conversa simples, onde falava sobre a postura deles como estudantes, sobre estar engajados, sem querer desistir na primeira vez que dá errado… Essa autoavaliação envolvia pedir para eles observarem como achavam que tinham desenvolvido as atividades e também com relação a aquisição do conhecimento, se já se sentiam seguros fazendo a lição, por exemplo.

Atualmente quase nada tem nota. O que faço é dar devolutivas, fazer comentários diagnósticos sobre as atividades que desenvolveram. Pontuar quais são os objetivos das atividades, onde eles chegaram. Eu só dou notas ao final, porque o sistema da prefeitura pede, mas para construí-la vejo todo o processo. O que compõe a nota? O processo.

E aí a nota faz sentido para eles porque enxergam o todo. E a nota não é um martírio ou um adereço – se vale nota eu faço, se não eu não faço.

Sempre que pego uma turma nova, eles ficam um pouco chocados porque não são todos os professores que não dão nota. Pelo contrário, a maioria ainda trabalha com notas. Eu comunico no início do ano e vários acham estranhíssimo.

Alguns não gostam porque estão acostumados com o sistema, sendo alimentados por números. Também não dá para dizer que 100% dos alunos compram a ideia, mas eu consigo que a maioria deles se engajem durante todo o ano, porque eles sabem que toda a participação conta.

Pra mim, pessoalmente, foi um processo difícil e eu ainda não mudei 100% internamente. Uma prática matemática que eu nunca gostei é de observar só o resultado final que o estudante apresenta numa questão, para definir certo ou errado. E uma coisa que eles brigam muito comigo é porque eu não aceito só a resposta final, eles precisam me mostrar a estratégia que utilizaram para chegar nela, porque é nesse processo que identificamos se o aluno está adquirindo ou não tais conhecimentos. Querendo ou não eles precisam aprender esse raciocínio.

Avaliar o processo, não focar em notas, são atitudes que não são feitas por todos ainda. Muitos estudantes, quando chegam até mim no fundamental 2 já se sentem bloqueados, achando que a matemática não é para eles. E todas essas atividades que são mais abertas, focadas no processo, contribuem para dizer para as crianças que elas podem. Não é de um dia para o outro, mas eles conseguem refazer essa conexão positiva com matemática, o que sempre foi meu objetivo.

Por: Porvir