Brasil pode atingir equilíbrio racial no ensino superior na próxima década

Publicado por Sinepe/PR em

Ifer mostra que 23 UFS se tornaram mais equilibradas de 2014 a 2019, mas crise pode atrapalhar

O Brasil pode atingir um nível de equidade entre negros e brancos no ensino superior em pouco mais de uma década, se o ritmo de aumento na inclusão racial visto nos últimos anos não for freado ou revertido pela crise econômica que afeta o país desde 2014.

É o que indica um cálculo feito pelos economistas do Insper Sergio Firpo, Michael França e Alysson Portella. Os pesquisadores criaram o Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial), cuja metodologia foi desenvolvida por eles a partir de um trabalho prévio do qual participou o economista Lucas Rodrigues, da USP.

O indicador aponta o quão distantes as 27 unidades da federação e as cinco regiões brasileiras estão de um quadro em que os pretos e pardos tenham acesso às mesmas oportunidades que os brancos.

Em educação, um dos três componentes do índice lançado pela Folha neste mês (os demais são renda e saúde), o parâmetro dessa conta é a proporção de negros de 30 anos ou mais com nível superior completo.

Esse componente foi o principal responsável pela melhoria do Ifer de forma agregada na maior parte do país.

Embora o ensino superior brasileiro ainda seja marcado por múltiplas desigualdades, inclusive raciais, a proporção de negros de 30 anos ou mais com diploma universitário se aproximou de sua representação populacional em 23 das 27 unidades da federação entre 2014 e 2019.

As exceções foram Ceará, Alagoas, Piauí e Sergipe, afetados, provavelmente, pela crise econômica que atingiu com mais força os estados do Nordeste.

Embora as políticas do governo cearense para a educação básica sejam tidas como modelo, elas ainda são recentes para ter impacto significativo na população com 30 anos ou mais. Foi em 2008, por exemplo, que o estado passou a condicionar o volume de repasses do ICMS aos resultados das escolas.

Dois dos estados mais próximos do equilíbrio educacional no Ifer —Rondônia e Amapá— e dois com as piores marcas nesse componente —Alagoas e Amazonas— também estão em polos opostos no ranking de renda. Não é à toa.

As condições financeiras são importantes tanto para o estudante pagar a mensalidade de uma universidade privada como para ele poder se manter em uma pública e trabalhar menos.

O crescimento econômico que o Brasil registrou nos anos anteriores à recessão que eclodiu em 2014 pode, portanto, ser parte da explicação para o avanço na inclusão racial no ensino superior registrado na série histórica do Ifer.

O indicador pode variar entre -1 a 1. Quanto menor, mais desequilibrado em favor dos brancos e quanto maior, em favor dos negros. O patamar entre -0,2 e 0,2 indica equilíbrio, sendo zero o ideal.

O cálculo de Firpo, França e Portella sugere que o componente educacional do Ifer deve atingir o patamar de equilíbrio (-0,2) em 12 anos, e total equidade (zero) em 27 anos, se a velocidade de progresso no componente educacional for mantida —algo que, dado o quadro econômico atual do país, pode encontrar obstáculos.

A projeção dos pesquisadores mostra, no entanto, significativas diferenças regionais. No Centro-Oeste, o equilíbrio relativo pode ser atingido em 5 anos e a equidade completa, em 18. No Nordeste, esses prazos são, respectivamente, de 21 e 44 anos.

Além da expansão econômica entre meados dos anos 2000 e o início da década passada, outros fatores contribuíram para a queda da desigualdade no ensino superior.

Em trabalho acadêmico, Adriano Senkevics, doutorando na USP, elencou quatro deles: melhora na taxa de conclusão do ensino médio, expansão de vagas em universidades, ações afirmativas e mudanças na autodeclaração dos estudantes, advinda de uma maior valorização da negritude.

As ações afirmativas são aplicadas no ProUni e nas instituições públicas, com as cotas. Elas têm impacto importante, porém limitado devido às características do ensino superior brasileiro.

O ProUni, que troca bolsas por isenção fiscal em instituições privadas, bancou 6,6% das matrículas de nível superior no país em 2019. Parte dessas vagas é reservada a pretos, pardos e indígenas, na proporção da presença desses grupos no estado do curso pleiteado.

No caso das instituições de ensino superior públicas, que detêm 24,2% das matrículas, a reserva de vagas varia de acordo com a dependência administrativa.

Para as federais, a Lei de Cotas, de 2012, estabelece que será destinado a pretos, pardos e indígenas (PPI) o número de vagas correspondente à participação desses grupos na UF, calculada sobre metade das vagas reservadas a egressos de escola pública. Um dispositivo dessa legislação prevê que ela seja revista em 2022.

Estudo da economista Ursula Mello, pesquisadora do Institute for Economic Analysis, de Barcelona, mostra que, de 2012 a 2015, a porcentagem de estudantes PPI de escolas públicas nas universidades federais aumentou de 29% para 36%.

Usando um modelo estatístico que isola outros fatores, ela chegou à conclusão de que 57% desse aumento se devem à Lei de Cotas.

A pesquisadora também constatou que as cotas com o critério racial são praticamente duas vezes mais efetivas para aumentar as matrículas de estudantes PPI de escola pública, quando comparadas às cotas sem essa regra.

A Lei de Cotas se aplica somente às universidades federais, mas uma série de instituições estaduais adotaram sistemas parecidos de reserva de vagas antes mesmo de 2012.

Uma das que o fez mais tardiamente foi a USP (Universidade de São Paulo), que neste ano alcançou, pela primeira vez, a marca de mais de metade dos ingressantes oriundos de escola pública, com 27,4% de PPI.

Por: Folha de S.Paulo