Aprendizagem Baseada em Projetos: entenda o que é e como funciona na prática

Publicado por Sinepe/PR em

A metodologia ativa contextualiza o conhecimento e favorece o protagonismo, autonomia e a colaboração entre os alunos. Entenda como implementá-la no ensino remoto

O uso de metodologias ativas, que colocam o aluno no centro do processo de ensino e aprendizagem, tem ganhado força ultimamente. Uma dessas metodologias é a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP). A partir de uma questão norteadora, em geral ligada à realidade dos estudantes, eles investigam, debatem e elaboram um produto ou uma possível solução, usando os conteúdos curriculares. Nesse processo, trabalham em grupos e aprendem de forma coletiva e colaborativa.

Uma das vantagens da ABP é que a relação com um tema ligado ao contexto dos estudantes tende a despertar o interesse da turma e favorecer o engajamento. Foi o que aconteceu com o professor Luiz Felipe Lins em seu projeto “Geometria e Construção”, vencedor do Prêmio Educador Nota 10 em 2020. Ao receber o panfleto de um prédio em construção, Luiz Felipe levou o material a seus alunos e percebeu que eles nunca tinham visto uma planta baixa. “A maioria mora em comunidades e as casas são construídas aos poucos”, diz o professor, que dá aula de Matemática para o Fundamental 2 na rede municipal do Rio de Janeiro.

Ele aproveitou então a oportunidade para ensinar alguns conceitos de arquitetura. Dividiu os alunos em grupos e propôs que cada um montasse o projeto de uma casa. Com a atividade, ele conseguiu abordar conceitos matemáticos como escalas e áreas. Durante o processo, percebeu também algumas deficiências da turma, como a dificuldade de realizar operações com decimais, e aproveitou para repassar o conteúdo.

O professor explica que, nesse tipo de prática, há um planejamento de como serão trabalhados determinados conteúdos, mas o processo pode ser adaptado de acordo com o que os estudantes vão trazendo. “Existe um planejamento e eu vou articulá-lo aos conceitos que preciso trabalhar, como área, mas eles apontam outras necessidades também, e eu abordo esses conteúdos na aula seguinte”.

No projeto, os alunos calcularam a quantidade de piso necessária para a casa, fizeram uma pesquisa de campo para orçar o custo do material e montaram uma planilha — primeiro de forma manual e, depois, no computador. Por fim, os grupos construíram uma maquete das casas planejadas e apresentaram para o restante da classe.

Aprendizagem Baseada em Problemas x Aprendizagem Baseada em Projetos

Conheça as diferenças e as semelhanças entre as duas metodologias
A Aprendizagem Baseada em Problemas é um recorte da Aprendizagem Baseada em Projetos, explica Fernando Trevisani. “A primeira é um estudo mais focado, em geral, relacionado a uma questão específica. Já a Aprendizagem Baseada em Projetos pode envolver muitos assuntos em um único projeto.”

Além disso, a Aprendizagem Baseada em Problemas pressupõe a elaboração de uma solução para um dado desafio, geralmente de um cenário hipotético. Já a Aprendizagem Baseada em Projetos procura solucionar problemas da vida real com propostas mais amplas.

Em ambos os casos, o objetivo é despertar o interesse dos alunos sobre determinados temas, relacionando diferentes conceitos e habilidades. Nesse sentido, os dois modelos conseguem colocar o estudante no centro da aprendizagem e atendem às propostas da BNCC.

Alunos protagonistas
A ideia de trabalhar com projetos também pode partir dos próprios alunos. Foi o que aconteceu com Arabelle Calciolari, professora de inglês para os Anos Iniciais do Fundamental da rede municipal de Jundiaí (SP) e uma das premiadas do Educador Nota 10 em 2019. Sua colega, a professora de Educação Física Mariana Maziero, precisava trabalhar hip hop com os alunos. Como Arabelle já havia envolvido as turmas em outros projetos, eles deram a ideia de convidar a educadora para esse trabalho. Assim, ela pôde trabalhar os aspectos históricos e sociais do gênero.

Chamado de “Hip hop: do passado à atualidade”, o projeto articulou não só a dança, mas a música, o grafite e as questões raciais envolvidas. Além disso, os alunos puderam conhecer um coletivo que atua na cidade, a exemplo dos coletivos norte-americanos da década de 1980.

Quando foi realizado, no período de aulas presenciais, o projeto resultou em um grafite no muro da escola, mas Arabelle destaca que o mais importante foi o aprendizado durante o processo. “Fomos notando algumas mudanças nas crianças. Eles aceitaram muito bem o projeto. Teve aluno que ficou o ano inteiro com vergonha, mas na hora dançou”, conta a professora que já havia desenvolvido outros projetos anteriormente, envolvendo o dramaturgo William Shakespeare e os Beatles.

Avaliação e BNCC
Arabelle e Luiz Felipe observam que a avaliação de um projeto tem de considerar todo o processo de desenvolvimento e não apenas o produto final. “Às vezes, o educador foca no produto final, achando que isso vai mostrar se o aluno aprendeu ou não. Mas é durante o processo que está ocorrendo a aprendizagem, e aí devem entrar a escuta e o olhar atento do professor”, ressalta Arabelle.

No projeto de Luiz Felipe, a avaliação final consistiu em uma autoavaliação, na qual os alunos contaram as dificuldades que encontraram, as aprendizagens que tiveram e como eles usaram a matemática. “Isso foi muito rico. Alguns estudantes relataram que aprenderam a trabalhar em equipe e a escutar o outro. Uma estudante disse que perdeu a vergonha do pai, que era pedreiro”, lembra o professor.

Segundo Fernando Trevisani, consultor pedagógico, especialista em educação inovadora e doutorando em metodologias ativas, a ABP é um bom modelo para desenvolver não só conhecimentos específicos, mas também as competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “O trabalho em grupo vai exigir que as crianças trabalhem juntas, cooperem, tenham empatia com a dúvida da outra, comuniquem-se e argumentem para convencer os colegas de uma possível estratégia”.

Além disso, a metodologia traz a possibilidade de integrar duas ou mais disciplinas, como fez Arabelle. “A BNCC é dividida em componentes curriculares, e a ideia do projeto é tentar integrar isso, porque muitas das habilidades propostas dizem respeito a um mesmo fenômeno, ao mesmo objeto de estudo”, reforça o consultor.

“Dentro do projeto conseguimos trabalhar um tema e juntar todos os componentes curriculares. Essa interação é importante porque as coisas não têm essa separação entre as áreas do conhecimento. Se um rio está poluído, quantas áreas não estarão envolvidas na solução desse problema?”, questiona a educadora.

Projetos no contexto da pandemia
Como a ABP pressupõe muita interação entre os alunos, a aplicação da metodologia no modelo presencial costuma ser mais fácil, uma vez que no ensino remoto essa interação depende da conectividade e do acesso à tecnologia.

No começo da pandemia, Arabelle ficou preocupada uma vez que a oralidade é muito importante nas aulas e ela não seria reproduzida pelas famílias que acompanham as crianças. Além disso, poucos alunos tinham acesso a plataformas como o Google Meets. A professora e sua colega juntaram as turmas de 4.º e 5.º ano para elaborar o projeto de hip hop por meio de pesquisa online, apresentação dos alunos, indicações de músicas, vídeos e filmes e conversa a distância com um membro de um coletivo.
Além de procurar adaptar o projeto “Geometria e Construção” para o ensino remoto, Luiz Felipe pensou, ao cozinhar durante a pandemia, em trabalhar com algoritmos e fluxogramas usando receitas. “Na aula, comecei meu vídeo fazendo um pudim e mostrei que ali tinha um fluxograma. Desafiei que eles fizessem uma guloseima junto com os pais e montassem um fluxograma”, conta o professor. “Projetos são ações coletivas e colaborativas. No momento, quem pode colaborar é a família, que está junto deles, mas deu para ser colaborativo e mão na massa.”

Dicas para trabalhar com a metodologia de projetos

Os professores Luiz Felipe e Arabelle dão algumas orientações
• Considere a necessidade ou a vontade dos estudantes. Arabelle conta que o projeto que desenvolveu sobre Shakespeare, por exemplo, veio de uma necessidade de aprenderem determinados conteúdos. “Já o projeto do hip hop partiu de um desejo deles.”

• Conheça seu aluno. É preciso conhecer o estudante para instigar a curiosidade em aprender.

• Tenha escuta ativa e olhar atento. A avaliação de um projeto não pode focar apenas no produto final. “O importante é o que eles fizeram para chegar a esse produto e o que eles aprenderam”, afirma Arabelle.

• Questione a aplicação dos conhecimentos. É preciso olhar para a realidade dos alunos e questionar as aplicações práticas do que está sendo ensinado. “As crianças valorizam muito mais os conhecimentos que elas sabem aplicar”, observa Luiz Felipe.

• Coloque-se no lugar da criança. Ao pensar em uma sequência didática mediada por projetos, tente se colocar no lugar da criança e pensar se aquilo é interessante.

• Faça alterações de acordo com as demandas dos alunos. Luiz Felipe relata que é muito interessante, em cada etapa do projeto, discutir com os estudantes se cada ação planejada surtiu efeito e gerou aprendizagem. “A partir daí, planejamos novas ações e vamos avançando, mas eles me auxiliam porque são protagonistas do processo.”

Por: Nova Escola