Startups de educação crescem com quarentena

Publicado por Sinepe/PR em

Procura traz desafios, como acelerar projetos e facilitar acesso

Quando fechou uma rodada de captação de R$ 5,5 milhões no segundo semestre do ano passado, a Árvore Educação, que desenvolve tecnologias para incentivo à leitura nas escolas, projetava um crescimento acelerado de sua base de alunos em 2020: passar de 140 mil para 500 mil. Tudo caminhava dentro do previsto até a chegada da pandemia.

Com instituições de ensino tendo que migrar às pressas para o ensino a distância (EAD), o ritmo que a companhia ganhou a partir de março foi ainda maior do que o planejado: a base de alunos já passa de 1 milhão, com expectativa de aumentar ainda mais até o fim do ano. O número de escolas atendidas passou de 500 para 3 mil instituições. Segundo João Leal, presidente e cofundador da Árvore Educação, a maior parte da demanda adicional tem vindo de escolas públicas, que estavam mais atrasadas na adoção desse tipo de ferramenta.

A demanda forçada tem gerado novos negócios, mas também desafios para as 748 startups que atuam na área de educação no Brasil, as chamadas edtechs. É o maior contingente de empresas novatas do país, superando, inclusive, as fintehcs, do setor financeiro, que somam 504.

A MedRoom, que usa realidade virtual para ensino na área de medicina, teve que acelerar a criação de uma tecnologia de EAD que vinha sendo pensada para daqui um ano. O foco do desenvolvimento também precisou mudar de uma ferramenta de apoio ao estudante em casa para um sistema de aulas.

“Pela primeira vez estamos tendo demanda vinda de pesquisas feitas no Google por ‘laboratório virtual de anatomia’”, conta Vinícius Gusmão, presidente da MedRoom.

Segundo ele, o produto já teve um teste bem-sucedido e está sendo construído em conversas com as faculdades de medicina. A ideia é oferecê-lo comercialmente a partir desta semana. Gusmão avalia que o momento é propício para vencer resistências do passado ao ensino à distância, mas é preciso entregar soluções consistentes. “Não podemos queimar essa oportunidade. Tem que ter uma boa experiência”, acrescenta.

Um monitoramento de redes sociais feito pela Knewin indica que esse contato dos alunos não tem sido dos melhores, na maioria das vezes. Entre os termos mais utilizados quando fazem comentários sobre EAD, as palavras “sono” e “complicadas” aparecem em destaque. “Alunos e professores tiveram que se adaptar à modalidade às pressas. Com isso, nenhum dos lados estava preparado para lidar com os desafios de estudar e de ensinar em casa”, avalia a companhia.

A plataforma de aprendizagem Qranio, que tinha parado de trabalhar com instituições de ensino há dois anos, liberou gratuitamente o uso por seis meses do produto que vende para empresas como Bradesco e Carrefour realizarem treinamentos. “Não há nenhum tipo de amarra no fim do período, para tirar o medo empresarial e atender uma necessidade que se acelerou com a pandemia”, diz Samir Iasbeck, fundador e presidente da companhia.

Segundo ele, há conversas com 15 grupos privados e públicos no momento, número que superou sua expectativa. “Eu achava que seriam umas cinco porque nosso produto tem uma configuração trabalhosa, tem que carregar o conteúdo e as pessoas estão com dificuldade [de gerenciar novos projetos]”, diz o empresário.

De acordo com Iasbeck, muitas instituições de ensino têm usado serviços de videoconferência para conectar alunos e professores. Mas o EAD não se trata apenas de vídeo, apresentações de slides e provas. É preciso ter mais consistência.

O EAD é uma modalidade que vem ganhando espaço nos últimos anos, mas que ainda enfrentava alguma resistência por parte de alunos e instituições, especialmente no ensino público. No censo do ensino superior divulgado no fim do ano passado pelo Ministério da Educação, a educação a distância apareceu como tendo gerado o maior número de vagas em 2018, com 7,1 milhões, contra 6,3 milhões nos cursos tradicionais. As matrículas em cursos presenciais, no entanto, ainda são a maioria: mais de 2 milhões, ou 28,9% do total ofertado, contra 21,5%, ou 1,37 milhão no ensino a distância.

Com a pandemia, a tendência é que o uso tenha uma aceleração, mas que os números recuem um pouco depois, na medida que as aulas presenciais forem retomadas. “Ao patamar anterior, com instituições que não têm nada de digital, não voltaremos”, afirma Leal, da Árvore.

Um dos desafios para expansão do EAD é o próprio acesso aos conteúdos transmitidos pela internet. Com uma parcela da população sem computador em casa e com um número ainda maior de pessoas com conexões de dados insuficientes para esse uso, as desigualdades do país ficam evidentes. Em São Paulo, no Paraná e no Espírito Santo, os governos estão oferecendo acesso gratuito a aplicativos de ensino apresentados para contornar o isolamento. Os serviços usam tecnologia de uma startup americana chamada Datami, que tem acordos com as principais operadoras de telefonia móvel.

De acordo com Harjot Saluja, fundador e presidente da Datami, a tecnologia pode ajudar, inclusive em outras frentes, como a distribuição de comida a famílias mais carentes. “Tem que haver um gasto para conectar as pessoas em desvantagem para escalar o uso”, diz.

Por Valor Econômico