Mozart Neves: “Sem bons professores, não avançaremos”

Publicado por Sinepe/PR em

O Brasil avançou muito nas últimas décadas em relação ao acesso à Educação, com uma taxa de atendimento escolar de crianças de 4 a 17 anos que saltou de 48%, em 1970, para 96,4%, em 2017. A efetiva aprendizagem dos alunos ao longo da trajetória acadêmica, entretanto, é um enorme desafio.

O Brasil não consegue alfabetizar adequadamente a maioria das crianças (em 2016, os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental atingiram 45,3% e 45,5%, respectivamente, de proficiência em leitura e matemática) e menos de 10% dos egressos do Ensino Médio, em 2017, possuíam o nível de proficiência adequado em matemática.

A sociedade tem debatido de forma acalorada o que fazer para modificar esse quadro e melhorar a aprendizagem das crianças e jovens. Há um relativo consenso de que a receita para essa mudança deve partir de um pacto federativo em prol da Educação, aliar aperfeiçoamentos nos mecanismos de financiamento, especialmente no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb, que reflitam o aumento no investimento por aluno na Educação Básica, especialmente onde ele é mais necessário, e, como não poderia deixar de ser, uma política nacional de valorização docente.

O professor possui papel central em uma Educação de qualidade. Para ter bons professores, é necessário não somente atrair os alunos mais talentosos para a carreira docente, mas igualmente uma boa formação inicial e continuada para prepará-los para a sala de aula.

Os desafios começam na atratividade para a carreira docente. Apenas 2,4% dos jovens de 15 anos querem ser professores na Educação Básica, de acordo com o levantamento feito pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), com base nos dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2015. Isso se deve, dentre outros fatores, à falta de prestígio social da carreira e ao rendimento médio pouco competitivo frente a outras profissões que demandam nível superior. Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019, do Todos pela Educação, em 2018, o rendimento médio dos professores da Educação Básica correspondia a 69,8% do salário médio de outros profissionais com curso superior e, ao longo da carreira, essa defasagem salarial aumenta cada vez mais. O reflexo da baixa valorização da carreira está, inclusive, no fato de que 49% dos professores ouvidos na Pesquisa Profissão Docente, feita pelo Ibope, Todos pela Educação e Fundação Itaú Social, em 2018, afirmam que não recomendariam sua profissão a um jovem.

As formações inicial e continuada dos professores são igualmente decisivas para professores bem preparados e engajados. No Brasil, 37,8% dos docentes não possuíam titulação em grau superior compatível com as disciplinas que lecionavam nos Anos Finais do Ensino Fundamental, em 2018. Como se isso não bastasse, diversas pesquisas retratam que, em sua grande maioria, os cursos de formação inicial no Brasil, tanto em Pedagogia quanto em Licenciaturas específicas, estão pouco focados em técnicas de “como ensinar” os alunos. A meta 15 do Plano Nacional de Educação prevê a garantia de uma política nacional de formação dos profissionais da educação e a estratégia 15.6, por sua vez, enfatiza a necessidade de promover a reforma curricular dos cursos de licenciatura e estimular a renovação pedagógica, de forma a assegurar o foco no aprendizado do aluno.

Para falar sobre esse aspecto tão fundamental para uma Educação de qualidade, conversei com Mozart Neves Ramos, Diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna e relator da Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica no Conselho Nacional de Educação (CNE).

Como superar a baixa atratividade da carreira docente e atrair jovens talentos?
Segundo Mozart Neves, todos os estudos mostram que, entre os fatores que podem ser controlados pela política educacional, o professor é o que tem maior peso na determinação do desempenho escolar dos alunos. “Sem bons professores, não avançaremos”, afirma.

Tomando isso como premissa, ele defende que é preciso concentrar esforços no professor, a começar pela atratividade da carreira docente para os jovens egressos do Ensino Médio, em face do grande déficit de professores no Brasil, em particular nas áreas vinculadas às ciências exatas e da natureza. Para Mozart, é essencial concentrar esforços em quatro direções: salário inicial atraente, plano de carreira pautado pelo desempenho em sala de aula e pela formação continuada, formação inicial sólida com foco na prática docente, e escolas bem estruturadas e organizadas.

Essas mudanças estruturais não serão possíveis, entretanto, sem um efetivo pacto entre quem emprega e quem forma, isto é, entre os governos federal, estaduais e municipais e as universidades.

Como melhorar a formação inicial e continuada dos professores?
Mozart Neves alerta que é preciso, mais do que nunca, investir na formação inicial para a carreira do magistério. Isso significa “que as universidades precisam urgentemente despertar para esse tema, desconstruindo a atual formação – que deixa muito a desejar, por ser distante da realidade escolar –, muito teórica e descasada da prática”. Os atuais estágios curriculares são, em grande parte, um faz de conta: não há propriamente projeto ou plano de estágio, nem sinalizações sobre o campo da prática ou a atividade de supervisão. Países que desenvolvem programas de residência pedagógica focados no diálogo entre teoria e prática, como a Finlândia, têm obtido resultados exitosos no PISA.

Para promover as mudanças necessárias, o CNE começa a rever a Resolução CNE/CP n.º 2, de 1.º de julho de 2015, que estabelece as diretrizes curriculares da formação inicial e continuada de professores para a educação básica e que entraria em vigor em 2019, após sucessivas prorrogações, para alinhá-la, dentre outros aspectos, à Base Nacional Curricular Comum (BNCC), aprovada em 2017.

Segundo Mozart, relator para a Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica, a BNCC deve não apenas fundamentar a concepção, a formulação, a implementação, a avaliação e a revisão dos currículos e das propostas pedagógicas das instituições escolares, mas também contribuir para a coordenação nacional e o alinhamento das políticas e ações educacionais – especialmente a política relativa à formação inicial e continuada de professores. “É preciso inserir o tema da formação no contexto de mudança que a implementação da BNCC desencadeia na Educação Básica”, defende.

Como garantir que os professores estejam melhor preparados para os desafios cotidianos da sala de aula?
“É imprescindível alinhar teoria à prática”, enfatiza Mozart. Uma ideia que ele defende é a criação de institutos de formação de professores nas universidades, funcionando de forma articulada com um instituto nacional que cuide de todas as licenciaturas. O Ministério da Educação (MEC), nessa estratégia, poderia centralizar parte de seus esforços nessa direção, enfrentando de vez o desafio da baixa qualidade de ensino no país.

Em síntese, se ter uma Educação de qualidade faz mesmo parte de nosso projeto de país, é preciso reunir vontade política, arregaçar as mangas e fazer as mudanças necessárias para valorizar o profissional que tem o potencial de impulsionar o desenvolvimento social e econômico do Brasil: o professor. Afinal, sem Educação não há país sustentável e, como afirma Andreas Schleicher, o idealizador do PISA, “a qualidade da Educação de um país nunca será maior que a qualidade dos seus professores”.

Fonte: Alessandra Gotti – Nova Escola
Data: 29/07/2019