Entenda o que já se sabe sobre o Future-se e o que ainda falta esclarecer

Publicado por Sinepe/PR em

Desde que foi lançada, em 17 de julho, a proposta do Future-se, do Ministério da Educação, tem sido alvo de discussões dentro e fora da comunidade acadêmica. Nas duas primeiras semanas, segundo dados divulgados pelo MEC ao G1, 21.262 pessoas fizeram cadastro para acessar a íntegra do texto em consulta pública, e 6.444 delas já enviaram algum comentário sobre a proposta do MEC.

Por enquanto, universidades criaram grupos de trabalho para avaliar os documentos já divulgados pela pasta, e associações já deram suas primeiras impressões, mas todas afirmaram que ainda há muitos detalhes a serem esclarecidos.

O que é, em síntese, o Future-se?
O Future-se é uma iniciativa proposta pelo Ministério da Educação (MEC), com o objetivo de aumentar a autonomia administrativa das universidades federais. Como essas instituições sofrem com contingenciamentos e alegam que têm suas atividades prejudicadas com os bloqueios de orçamento, a solução apresentada pelo governo é firmar parcerias entre a União, as universidades e as organizações sociais.

Além disso, o Future-se também estimularia que as instituições captassem recursos próprios, que auxiliassem na sua manutenção. O MEC reforça que não se trata de privatizar o ensino público, e sim de criar uma nova forma de financiá-lo. A cobrança de mensalidades em cursos de graduação, mestrado e doutorado está descartada, segundo o governo.

O Future-se já está valendo?
Não. Ele, por enquanto, é apenas um “rascunho”, um projeto. Até o dia 15 de agosto, qualquer cidadão pode se cadastrar na consulta pública e fazer sugestões e comentários sobre a ideia que foi apresentada.

Depois, o MEC irá compilar as respostas e analisar se fará mudanças no texto. Só então o Future-se será apresentado ao Congresso Nacional – segundo a pasta, sob a forma de um projeto de lei ou de um decreto do Poder Executivo.

Supondo que se torne um PL, o caminho a ser percorrido é o seguinte:

• Ser apresentado na Câmara ou no Senado. Se começar a tramitar na Câmara, vai depois para o Senado – e vice-versa.
• Em cada uma das Casas, os parlamentares analisam, discutem e votam a proposta original. Podem sugerir mudanças.
• Depois de aprovado pelo Congresso, é enviado ao presidente da República, que analisa o texto. Ele pode vetar o projeto inteiro ou partes dele.
• Se concordar, sanciona a lei.

O que são organizações sociais?
As organizações sociais são entidades privadas, sem fins lucrativos: são obrigadas a investir na própria atividade todo o dinheiro excedente. Devem atuar em áreas relacionadas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.

Elas foram criadas na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998, pela Lei das Organizações Sociais.

Podem ser parceiras de órgãos públicos, como de hospitais ou universidades. Até hoje, os convênios ocorreram principalmente no setor de saúde.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as organizações sociais poderiam, de fato, prestar serviços no poder público, dispensando licitações. Segundo os ministros, a condição é que o trabalho seja conduzido de forma objetiva e impessoal, seguindo os princípios constitucionais. Na ação, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) questionavam a validade dessas parcerias.

Quais organizações sociais poderiam participar?
As organizações sociais que poderão participar do Future-se, caso ele seja aprovado, precisam ser ligadas a ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou cultura. Em entrevista ao G1 em julho, Arnaldo Barbosa de Lima Junior, secretário de Educação Superior do MEC, afirmou que, em um primeiro momento, apenas OS já qualificadas pelo governo federal poderiam participar.

Elas têm de ser credenciadas pelo Ministério da Educação ou por outros ministérios. Alguns exemplos de OS vinculadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações:

• Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii): busca estimular projetos de cooperação entre empresas nacionais e instituições de pesquisa para gerar inovação em produtos e projetos.
• Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM):fomenta a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico de alta performance na América Latina, nas áreas de ciência dos materiais, biociências, nanotecnologia e bioenergia. Pesquisadores utilizam os laboratórios do CNPEM.
• Instituto Nacional De Matemática Pura e Aplicada (Impa): faz pesquisas em matemática, forma pesquisadores, dissemina o conhecimento matemático e o integra às áreas da ciência, cultura e educação.

E um exemplo vinculado ao MEC:
• Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh): presta serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão na formação de profissionais de saúde em instituições federais. É a maior rede de hospitais públicos do Brasil – atua em 40 hospitais universitários.

Ainda não se sabe se haverá um processo de qualificação para selecionar as que estão aptas a entrar no programa.

Também não está definido um número de organizações que poderiam ser contratadas, se uma mesma OS poderia atuar em mais de uma universidade ou se uma instituição de ensino poderia ter mais de uma OS como parceira.

Quais são os principais pontos do Future-se?
Segundo a minuta divulgada pelo MEC e o texto disponibilizado para consulta pública, os principais eixos do Future-se seriam os seguintes:

• 1- Governança, gestão e empreendedorismo:
O convênio com as organizações sociais ajudaria na administração de recursos, na ouvidoria e no estímulo a parcerias com o setor empresarial, como startups. A universidade passaria também a participar de fundos de investimento (mais explicações abaixo).

Além disso, como acontece em estádios de futebol, a instituição de ensino poderia receber alguma compensação financeira para nomear um local ou um evento com o nome de uma empresa ou de uma pessoa (um auditório, uma feira de livros, uma sala de computadores).

• 2- Pesquisa e inovação:
O Future-se, por meio das organizações sociais, aumentaria a relação das universidades com o setor empresarial, melhoraria as pesquisas, atrairia a instalação de laboratórios, facilitaria parceria com universidades estrangeiras.
Servidores públicos, como professores universitários, poderiam prestar atividades nesse sentido, mas como algo privado.

• 3- Internacionalização:
As universidades e as organizações sociais passariam a promover cursos de idiomas para os professores, a partir de parcerias com instituições privadas; intercâmbio entre universidades e bolsas para alunos em instituições estrangeiras. Também premiariam alunos com “destaque intelectual” e promoveriam o fluxo de professores em intercâmbios.

Nesse segmento, inclusive, haveria uma mudança na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): o programa facilitaria o reconhecimento de diplomas estrangeiros, inclusive em universidades privadas. Atualmente, o processo ocorre apenas em instituições públicas.

Haveria um contrato formal?
Sim, o contrato seria firmado entre a União, a universidade federal e a organização social.

Ele teria um plano de ação para os próximos 4 anos, com metas de desempenho e prazos; acompanhamento de resultados; diretrizes de governança e de gestão da política de pessoal – com critérios para ocupação de cargos de direção e condições para suspender contrato. Isso gera dúvida sobre a interferência da organização social na definição do quadro de funcionários da universidade.

Não está especificado, por enquanto, até que ponto a organização social poderia agir na candidatura e na seleção de pessoas para cargos da instituição de ensino. O documento afirma apenas que o “Comitê Gestor” definiria os critérios para aceitação de certificações, usados na eleição de reitores.

O que é o Comitê Gestor?
Um “Comitê Gestor” vai “definir as diretrizes de ação, fazer avaliações de desempenho, assessorar as universidades na governança; definir critério para aceitação de certificações, usados na eleição de reitores; garantir limites de gasto com pessoal; assegurar que os recursos vão ser destinados aos setores certos”.

A existência desse comitê gerou polêmica nas instituições de ensino. Em comunicado, universidades federais do Rio de Janeiro afirmaram: “a proposta tem aspecto de uma carta branca para que um órgão externo, composto por membros ainda desconhecidos, e sem necessidade de licitação pública, intervenha não somente na gestão, mas nas políticas acadêmicas do ensino superior, o que pode configurar um atentado ao princípio constitucional da autonomia das universidades”.

A adesão ao Future-se é obrigatória?
Não. Cada universidade decide se quer aderir ao programa. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, definiu o modelo como “tudo ou nada”: as instituições que aceitarem participar terão de cumprir integralmente o que está estabelecido nas normas.

Quais seriam as tarefas da organização social?
As atividades da organização social não ficariam limitadas a tarefas como vigilância, manutenção e limpeza: seriam “dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à cultura”.

Isso envolveria:
• Apoiar atividades de internacionalização, gestão e pesquisa;
• Fazer processos de gestão de recursos para investimentos em empreendedorismo e em pesquisa;
• Auxiliar na execução de planos de ensino, pesquisa e extensão;
• Ajudar na gestão dos imóveis da universidade;
• Informar sempre sobre receitas e despesas; salários de seus colaboradores; metas; prestação de contas;
• Ter código de ética e de conduta.

Em uma mesma universidade, haveria funcionários contratados pela organização social, em regime CLT, e profissionais da universidade, concursados.

A universidade perderia autonomia com o Future-se?
Esse é um ponto de discussão. Os críticos ao projeto afirmam que sim: o texto do Future-se menciona que as instituições de ensino precisariam seguir as diretrizes de governança definidas pelo MEC (algo ainda em aberto, sem detalhes). Isso poderia abrir uma brecha para a perda de autonomia na gestão. Também mencionam que a organização social não poderia interferir nas disciplinas oferecidas e nos conteúdos ensinados.

Além disso, reitores de universidades federais afirmam que a preocupação com inovações tecnológicas e a aproximação com empresas pode reger as pesquisas segundo as vontades do mercado. As ciências humanas, consequentemente, correriam risco de ficarem à margem dos investimentos.

Há também a questão da escolha de reitores, mencionada acima.

O MEC nega que o projeto represente uma privatização da rede federal. E reforça que as universidades não perderiam autonomia.

Como o Future-se altera as questões financeiras das universidades?
Existiria um fundo, vinculado ao MEC, que teria como recursos: receitas vindas da prestação de serviço (estudos, pesquisas, consultorias), comercialização de bens e produtos com a marca da instituição, aplicações financeiras, aluguéis, exploração de direitos de propriedade intelectual, matrículas e mensalidades de pós graduação LATO SENSU (especializações); doações, ganhos de capital, quantia vinda de leis de incentivo fiscal.

Não se sabe se seria um único fundo para todas as universidades participantes – ou se cada uma teria o seu. Também não está claro como os recursos seriam distribuídos entre as instituições de ensino: quais seriam os critérios?

Além disso, pelo Future-se:
• A União e a universidade poderiam repassar recursos orçamentários para a organização social. E também permitir que ela use bens públicos.
• Alguns imóveis (ociosos) seriam transferidos para o MEC, para servirem como fonte de renda para o Future-se. As organizações sociais que recebessem um desses imóveis deveriam colocá-lo em um fundo de investimento, para gerar receita e fomentar atividades de ensino e pesquisa na universidade.
• O MEC poderia ter uma cota em fundos de investimento privados, que ainda vão ser selecionados.
• O MEC poderia doar a renda das contas dos fundos para as organizações sociais.
• Empresas e ex-alunos poderiam fazer doações aos fundos.
• Parcerias público-privadas seriam permitidas.
• Como já mencionado no início do texto, empresas ou pessoas poderiam pagar para nomear um local da universidade ou um evento (um auditório, uma feira de livros, uma sala de computadores). O mesmo que ocorre com estádios de futebol, por exemplo.

Já ocorreram irregularidades em parcerias com organizações sociais?
Sim. Entre 2007 e 2009, a gestão do Programa de Saúde da Família (PSF), em Porto Alegre, pelo Instituto Sollus, resultou em um desvio milionário de recursos públicos municipais.

Neste ano, em São Paulo, a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social teve de suspender contratos com organizações sociais responsáveis pela gestão de abrigos, que estavam em péssimas condições.

O Future-se altera alguma lei já em vigor?
Sim, o projeto quer alterar 17 leis em vigor. As duas principais são a LDB e a Lei Rouanet:

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), haveria duas alterações. Uma delas, já explicada nesta reportagem, permitiria que as universidades particulares também reconhecessem e revalidassem diplomas expedidos no exterior. Atualmente, apenas as públicas podem desempenhar essa função.

Não ficou claro o porquê de essa medida estar no Future-se, já que não possui relação com a situação orçamentária das federais.

A outra decisão seria aceitar o “notório saber” de um profissional: em vez de a universidade exigir um título acadêmico para contratar alguém, poderia reconhecer a capacidade de quem fez trabalhos importantes, contribuiu com o desenvolvimento do país e demonstrou alta qualificação em um campo de conhecimento.

A Lei Rouanet, que fomenta projetos culturais, poderia financiar também atividades de pesquisa e de extensão, além de bancar museus e bibliotecas universitárias.

Outras dúvidas, ainda não respondidas:
• Não se sabe como ficará a situação das fundações de apoio – entidades privadas, sem fins lucrativos, que já são parceiras de institutos e universidades federais na captação de recursos.
• Não ficou claro até que ponto a organização social poderá interferir na seleção dos reitores, por exemplo.
• Não está definido qual o número de professores que participariam do intercâmbio com universidades estrangeiras – nem quantos receberiam cursos de idiomas aqui no Brasil.
• O texto da consulta pública tem diferenças em relação ao projeto de lei divulgado. Não se sabe qual será a versão que receberá as contribuições da consulta pública.
• O sistema de “governança”, desempenhado pelas organizações sociais nas universidades, também não foi detalhado.

Fonte: Luiza Tenente – G1 Educação
Data: 03/08/2019